Modelo que mistura atacado e varejo, uma invenção brasileira, entra em operação na Colômbia no ano que vem
Dois anos depois de ter desembolsado R$ 2,2 bilhões para ficar com o Atacadão, a rede mais cobiçada do "atacarejo" no Brasil, o Carrefour Brasil decidiu exportar esse modelo de loja para outros países. No primeiro trimestre do ano que vem, a multinacional francesa inaugura na Colômbia a primeira loja com o formato do Atacadão. Esse modelo de loja, que atende simultaneamente o consumidor do atacado e do varejo, tornou-se um sucesso no Brasil.
"Temos uma lista de países para os quais o modelo será exportado", diz o diretor-presidente do Carrefour Brasil, Jean Marc Pueyo, sem revelar os endereços das novas lojas no exterior. Ele não descarta nem a possibilidade de abrir lojas do Atacadão na França. Segundo o executivo, é preciso analisar os mercados e ver se há demanda por esse tipo de loja. Pueyo lembra que a Metro, rede alemã de "hard discount"
- com operação enxuta e preço baixo -, está na França e em vários países da Europa. "O Metro é um tipo de Atacadão, e é uma bandeira forte. Por que não abrirmos lojas nesse formato por lá?", diz.
Ainda não está definido o nome que a loja terá na Colômbia. "Os executivos da Colômbia estão pesquisando o nome para ver o que seria melhor. Atacadão tem significado só no Brasil", diz Pueyo. As equipes de trabalho do Carrefour da Colômbia estão sendo treinadas pelos brasileiros, exatamente para absorver a cultura do negócio, que, segundo o executivo, é um ponto chave para que esse formato tenha sucesso. Desde que foi comprado o Atacadão, em abril de 2007, a equipe que na época tocava a rede foi mantida, fator apontado por analistas como fundamental para o bom desempenho da rede.
Alberto Serrentino, sócio da consultoria GS&MD-Gouvêa de Souza, lembra que a compra do Atacadão pelo Carrefour injetou ânimo na subsidiária brasileira. Na época, a empresa tinha perdido a liderança para o Pão de Açúcar, vivia o trauma de várias aquisições que não tinham dado certo e enfrentava trocas consecutivas em seu comando. "O Carrefour era tido como um ?outsider? nesse negócio", diz o consultor.
Com a aquisição do Atacadão, o Carrefour retomou a liderança do varejo nacional. O valor desembolsado foi considerado alto pelos consultores.
Muitos deles chegaram a dizer que esse modelo só funcionava porque não pagava imposto. "Essas são visões do passado", observa Pueyo.
Os números do Carrefour indicam que as análises eram equivocadas. As lojas com a bandeira Atacadão chegam a representar hoje 30% do faturamento do grupo. No ano passado, a receita total da companhia no País atingiu R$ 22,4 bilhões. "Estamos para duplicar a venda do Atacadão em relação à época em que a empresa foi adquirida. Essa bandeira tem um crescimento bem forte", diz o presidente da empresa.
Neste ano, já foram inauguradas seis lojas do Atacadão, uma por mês. O Atacadão tem hoje 59 lojas espalhadas por quinze estados.
Serrentino destaca que o modelo de loja de "atacarejo" é uma invenção genuinamente brasileira. Ele diz que o termo foi criado pelo Pão de Açúcar para designar um modelo híbrido de atacado com varejo, muito diferente do que existe na Europa e nos Estados Unidos.
Na Europa, por exemplo, explica o consultor, são lojas menores voltadas para pequenos transformadores, onde a venda para o varejo é indireta. Nos Estados Unidos, são lojas grandes que limitam o acesso do consumidor - que precisa ser sócio para comprar.
Já o Brasil mistura esses dois modelos. Metade dos clientes são pequenos transformadores, padarias, lanchonetes, e a outra metade são consumidores de baixa renda. O acesso à loja é livre e não precisa ser sócio. Além disso, o mix, na faixa de 6 mil a 7 mil itens por loja, é de produtos básicos, mas de marca. "Trata-se de uma operação de baixíssimo custo que consegue ser competitiva com os hipermercados", diz Serrentino.
Isso explica porque não só o Carrefour decidiu centrar fogo no atacarejo. O Pão de Açúcar opera o modelo com a bandeira Assai, que foi recentemente adquirida. E o Wal-Mart está no segmento com as lojas Maxxi.
INTERNET
Além de apostar no atacarejo, o Carrefour pretende investir em um outro modelo de vendas - pela internet. O grupo quer estrear no comércio eletrônico no ano que vem. O Carrefour será o último dos grandes varejistas a entrar na rede. Segundo Pueyo, não foi por acaso."Não podemos fazer tudo ao mesmo tempo. Temos de direcionar, priorizar", diz.
Jean Marc Pueyo: Diretor-presidente do Carrefour no Brasil; Presidente do Carrefour diz que meta é ganhar rentabilidade e tornar a operação brasileira a segunda maior do grupo
A resistência dos países emergentes aos efeitos negativos da crise financeira internacional fortaleceu a presença do Brasil dentro do Grupo Carrefour. A subsidiária brasileira ocupa hoje a terceira posição no ranking de vendas por países, atrás da França, que é matriz, e da Espanha. Mas os planos são de crescimento. "Queremos ser o segundo do grupo Carrefour até 2015. Mas isso pode acontecer antes", diz o diretor-presidente do Carrefour Brasil, Jean Marc Pueyo. Além da ascensão do Brasil no ranking de faturamento, ele diz que o País também está ampliando a sua fatia nos lucros da companhia. A seguir, os principais trechos da entrevista:
O que o Carrefour pretende fazer para retomar a liderança do varejo perdida para o Pão de Açúcar, após a compra do Ponto Frio?
É interessante essa história de liderança. É lógico que estávamos felizes na liderança, mas não é só um objetivo permanente. A liderança um dia pode estar com um, outro dia com outro, porque as diferenças entre as três principais redes não são tão grandes no mercado brasileiro. Estamos abrindo um Atacadão por mês, também fizemos aquisição de algumas lojas do Gimenes, estamos abrindo alguns hipermercados, nós vamos abrir alguns supermercados e temos o braço de lojas de desconto, o Dia%. Fazemos um investimento pesado em termos orgânicos porque estamos procurando a rentabilidade desse investimento, não é só ganhar market share. Claro que nós preferimos ser líderes de mercado. Agora, se olharmos a maneira como essa liderança está hoje, consideramos que continuamos, entre aspas, líderes do varejo alimentar. Nosso ponto não é correr atrás de market share.
O grupo chegou a estudar a compra do Ponto Frio?
Não olhamos, não entramos nesse jogo.
Por que vocês não tiveram interesse?
Nós temos hoje vários modelos. Somos capazes de ter um crescimento anual na casa de dois dígitos em termos de venda e rentabilidade.
Vamos continuar a focar nisso. Cada vez que se faz uma aquisição há uma oportunidade, mas também risco. Nunca se sabe o que vai acontecer.
Ter um plano consistente de crescimento orgânico é bem melhor que fazer aquisição. Não estou descartando a possibilidade de, no futuro, entrarmos nesse negócio (de eletroeletrônicos). Mas, no momento, nossos times estão focados naquilo que sabemos fazer bem e com rentabilidade.
Muitas empresas estão com problemas nas matrizes, como o próprio Carrefour. O Brasil virou um marcado preferencial? Vocês pensam em aumentar investimentos ou mudar os planos para o Brasil em função dessa posição privilegiada?
Se houver oportunidade, estaremos prontos para analisar e ver se faz sentido, se tem retorno. Comprar por comprar não é o objetivo. Estamos focados e atentos a qualquer oportunidade. O investimento de R$ 1 bilhão por ano está mantido.
Quantas lojas serão abertas?
Neste ano serão 70, e o mesmo patamar em 2010. O maior número será com a bandeira Dia%, depois o Atacadão, seguido pelo Carrefour Bairro e o Carrefour hiper. Neste ano já foram abertas seis lojas do Atacadão, dois hipermercados, compramos dez lojas do Gimenes e inauguramos entre 20 a 25 lojas do Dia%.
Onde vocês vão investir?
Não mudamos nossa estratégia. Estamos fortalecendo São Paulo, Centro-Oeste, Nordeste. Também queremos fortalecer nossa atuação no Norte.
O Carrefour Brasil vai subir no ranking interno da companhia?
Esse é o nosso objetivo. Queremos ser o segundo do grupo Carrefour até 2015. Mas isso pode acontecer até antes.
Qual a posição do Brasil hoje?
Terceira, atrás da França e da Espanha.
Quanto do lucro do Carrefour neste ano virá do Brasil?
Estamos crescendo a participação em relação ao lucro. Felizmente ou infelizmente, não sei como fecha o ano. O Grupo já anunciou que vamos fechar o ano entre 2,7 bilhões e 2,8 bilhões de resultado.
Qual o cenário para este ano e início de 2010 no Brasil e na Europa?
Acho que, nesse momento, temos de ser muito flexíveis, muito adaptáveis, temos de trabalhar no curto prazo e não esquecer de preparar o médio e longo prazos. Realmente, a estratégia de curto prazo é se adaptar. O subprime acabou? A situação de todos os bancos internacionais é boa? Eu não sei, e ninguém sabe.
O Carrefour trabalha com um cenário de recuperação no mundo?
No mundo, acreditamos que o cenário não vai melhorar no segundo semestre. Não queremos ser muito otimista, porque não há sinais que indiquem isso.
E no Brasil?
No Brasil estamos crescendo bem. No primeiro semestre tivemos aumento de 12% no faturamento. No segundo semestre, vamos crescer acima desses 12%.
Veículo: O Estado de S.Paulo