José Carlos Fernandes dos Santos, de 48 anos, está no ramo de padarias há 24 anos e nunca viu grande diferença entre usar uma marca premium ou "genérica" de café - produto que hoje significa cerca de 7% da sua receita mensal e funciona como forte chamariz para outros itens da loja. Mas há pouco mais de um mês a multinacional americana Sara Lee - dona de marcas como Café do Ponto, Café Pilão e Caboclo - propôs exclusividade no fornecimento dos grãos do café expresso e comodato na instalação de uma nova máquina da parceira Saeco no seu estabelecimento, a Padaria Bela Vista, na região central de São Paulo. Santos aceitou, mesmo pagando em média 35% a mais pelo Café Pilão.
Ele não se arrepende. "Em um mês, minha venda de café expresso cresceu mais de 30%, para cinco mil xícaras por mês", diz Santos, para quem um bom café é capaz de manter a clientela. "Hoje, o serviço é padronizado; antes, o café saía ao gosto de cada um dos 20 ajudantes que preparavam a bebida".
Assim como a Sara Lee, outros grandes fabricantes de alimentos - como Bertin, Perdigão e Unilever - buscam pequenos pontos de venda, como bares, padarias, lanchonetes e restaurantes, onde a margem de lucro é maior do que a obtida em vendas a atacadistas de auto-serviço. Por serem pulverizados, os varejistas de pequeno porte sempre foram relegados aos atacadistas, fazendo com que a decisão sobre qual produto levar para a cozinha fosse pautada pelo preço menor, o que, em geral, descartava as marcas líderes.
Mas, diante do contínuo crescimento da alimentação fora do lar ("food service"), as grandes marcas começam a se mexer. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), o faturamento cresceu 15% no primeiro semestre deste ano, atingindo R$ 32 bilhões, superior à alta de 13% das vendas totais de alimentos no período. "Os pequenos estabelecimentos respondem por 70% das vendas do 'food service'", diz Rodrigo Vassimon, vice-presidente de "food solutions" da Unilever para a América Latina.
Para chegar aos pequenos, vale investir em geomarketing a fim de identificar os principais pontos de venda em cada bairro, fechar acordo com operadores logísticos exclusivos, apostar em material de merchandising para decorar as lojas e até ensinar os vendedores a preparar receitas. Esses vendedores têm a missão de convencer o dono da padaria, por exemplo, de que, ao levar um produto mais caro, a receita vai render mais e a venda vai aumentar.
"A rentabilidade oferecida pelos pequenos estabelecimentos, que nós chamamos de 'mercado não organizado', é mais interessante do que a obtida por meio dos atacadistas 'cash and carry', com os quais também trabalhamos", diz Ronan Toniolo, diretor de "food service" da Bertin. A empresa faturou R$ 820 milhões no primeiro semestre deste ano, apenas na divisão de "food service", que cresceu 39% sobre igual período de 2008. Na divisão, a fatia dos "não organizados" corresponde a 26%, mas deve crescer para 35% dentro de um ano, com ações para aumentar o número de estabelecimentos atendidos e o mix de produtos. Hoje, só os pequenos pontos de venda do Estado de São Paulo são atendidos pela Bertin.
"Atualmente, chegamos aos pequenos estabelecimentos por meio de 120 representantes comerciais autorizados (RCAs), que são distribuidores exclusivos para industrializados de carne e produtos lácteos", diz Toniolo. Agora, a Bertin, que comprou a Vigor no ano passado, começa a oferecer também massas e pratos prontos sob a marca Vigor. "Vamos ocupar o espaço no mercado deixado por outras marcas, como a Frescarini, e atender os pequenos estabelecimentos que não querem ficar dependentes de Sadia e Perdigão, depois da criação da BR Foods", diz.
A Bertin já começou a atuar com 60 RCAs no Rio e, até o final do ano, chegará a Minas Gerais (50) e Paraná (40). Além dos RCAs, a empresa trabalha com a figura do "empreiteiro", operadores logísticos que são, ao mesmo tempo, motoristas, entregadores e vendedores, com atuação restrita à Grande São Paulo. "Os empreiteiros atendem o empreendedor individual, como os 'dogueiros' (vendedores de cachorro-quente) e as doceiras", diz Toniolo. Entre os pequenos estabelecimentos atendidos, estão cerca de 300 "padarias restaurantes", visitadas três vezes por semana pelos RCAs. Esses pontos de venda vão receber material de merchandising da Bertin, como relógios e um saquinho próprio para pão.
"Também estamos capacitando a nossa equipe de vendas para trabalhar como 'especialistas culinários'", diz Toniolo. Eles aprendem truques para ensinar aos varejistas para convencê-los a ficar com os produtos da Bertin.
Quem também levou a sua equipe de vendas a por a mão na massa foi a Unilever. "Nós desenvolvemos produtos específicos para esse segmento, como o purê de batata desidratado que fica pronto em cinco minutos, e damos dicas de como montar pratos e cardápios", diz Vassimon. Para chegar aos pontos de venda em potencial, a multinacional faz uso de técnicas de geoprocessamento. "Junto com algum dos nossos 30 distribuidores exclusivos, mapeamos o mercado e identificamos o potencial do estabelecimento". Treinamento sobre o uso dos produtos da empresa, dona de marcas como Knorr, Hellmann's e Carte D'Or, assim como dicas sobre o gerenciamento do negócio, são oferecidos em parceria com grandes atacadistas, como Makro, Assai e Atacadão.
Este ano, a Unilever pretende aumentar em 50% os seus investimentos para atender o público dos pequenos estabelecimentos - o que envolve verba de treinamento, campanhas promocionais e incentivos aos distribuidores. "Também vamos aumentar nossa equipe de vendas em 40%", diz Vassimon.
A Sara Lee está disposta a convencer os donos de padarias de que o café é algo estratégico para o negócio e não pode ser tratado como uma commodity, algo que seja simplesmente "preto e quente", diz o diretor da multinacional Pedro Leite. "Vamos investir R$ 48 milhões para chegar a 600 padarias do Rio e de São Paulo, com a ambientação de um espaço próprio para o café", diz o executivo.
Veículo: Valor Econômico