Comportamento: Varejistas e fabricantes se voltam à primeira infância, à medida que mais velhos brincam menos
No conto "O curioso caso de Benjamin Button", do americano F. Scott Fitzgerald - que ganhou as telonas com Brad Pitt no papel-título e acumulou 13 indicações ao Oscar 2009 -, uma criança nasce velhinha, sofrendo todas as limitações físicas da idade e, quanto mais velha fica, mais jovem aparenta ser, vindo a conhecer a morte como recém-nascido. Esse relógio biológico às avessas, que rege a vida de Button e lhe reserva para a segunda metade da existência os melhores momentos, também vem funcionando para a indústria de brinquedos. Tanto fabricantes quanto varejistas reclamam do "achatamento" da faixa etária do público infantil, que estaria deixando de lado mais cedo os brinquedos por conta da agenda apertada entre escola, os mais variados cursos e a participação em redes sociais na internet. Fora isso, o apelo irresistível de videogames como o Wii, da Nintendo, e o Playstation, da Sony, desbancariam os tradicionais carrinho e boneca, por mais inovadoras que as versões atuais sejam. Diante desse amadurecimento precoce, o setor investe em quem ainda tem pouca chance de escolha.
"Criança não quer mais brinquedo, só pensa em celular e jogos eletrônicos, por isso vamos investir em puericultura", afirma Carivaldo Souto, dono da rede BMart Brinquedos, com 18 lojas em São Paulo, Minas Gerais e Bahia. Segundo o empresário, o faturamento da rede, em torno de R$ 35 milhões, deve cair cerca de 20% este ano. Não bastasse a mudança de comportamento, que se intensifica a cada ano, o medo de contágio por gripe suína na segunda metade deste ano fez as mães diminuírem as festas em buffets infantis, o que afetou as vendas. "Vendi 15% menos em agosto e 10% menos em setembro", afirma Souto, que ainda assim inaugurou a 18ª loja semana passada no bairro do Itaim Bibi, zona oeste de São Paulo.
Mas sua maior aposta daqui para frente não está nos brinquedos. A rede lança este mês o selo "BMart Baby", reservando um espaço nas lojas para venda de itens para bebês, como cadeirões, carrinhos, chupetas e mamadeiras. "Não é uma venda tão sazonal, como a de brinquedos, concentrada em Dia das Crianças e Natal", afirma Souto, que acredita que o novo negócio tenha capacidade para responder por 20% das vendas da rede dentro de um ano. Até janeiro, oito lojas da BMart vão receber o selo. Para o empresário, a maior mudança de comportamento é observada nas meninas. "Elas não gostam mais de boneca", declara.
A Estrela, maior fabricante brasileira do setor, discorda que as pequenas estejam entediadas das bonecas. Mas admite que o brinquedo significa cada vez menos das vendas totais da empresa, que nasceu em 1937 produzindo bonecas de pano e marcou gerações com a Susi, lançada na década de 60. "As bonecas hoje representam 35% do nosso faturamento, mas há cinco anos essa fatia estava em torno de 45%", diz o diretor de marketing da Estrela, Aires Leal Fernandes. Em todo o mercado de brinquedos, segundo o executivo, as bonecas hoje somam 38% das vendas.
Para Fernandes, quando a criança atinge os 10 anos, há toda uma pressão social para que ela abandone de vez o mundo infantil. É nesse momento que os jogos entram como ferramenta de socialização e mesmo de aproximação com o sexo oposto, diz o executivo. "Mas, com os novos apelos dessa faixa etária, estamos diminuindo o 'target' dos jogos", afirma. Assim, a Estrela lança títulos clássicos, como Banco Imobiliário, em versões para crianças a partir de cinco anos - como o Cocoricó, inspirado na série infantil homônima, transmitida pela TV Cultura. Outro jogo antes dedicado aos pré-adolescentes, o Detetive, chega agora também nas versões Scooby-Doo e Turma da Mônica.
A fabricante lançou, há quatro anos, a linha Pim Pam Pum, voltada à primeira infância (faixa que compreende até os seis anos de idade). A linha, que envolve itens para promover o desenvolvimento intelectual e motor dos pequenos, como massas de modelar, já representa mais de 10% das vendas.
O foco nos ainda mais novos também passou a fazer parte da estratégia da PB Kids. A rede varejista, dona de 48 lojas no país, já soma 21 unidades com o espaço PB Kids Baby, criado há três anos. "Oferecemos tudo o que uma criança de 0 a 3 anos precisa, com marcas nacionais e estrangeiras, com exceção das fraldas", diz o diretor Celso Pilnik. A ideia, afirma, é fidelizar as mães, que são quem decidem as compras das crianças nessa faixa etária, sem a participação dos pequenos. Hoje, a PB Kids Baby já significa 15% da receita. Em compensação, afirma Pilnik, as bonecas, que já foram um quarto das vendas, hoje representam 12%.
Tanto PB Kids, quanto BMart e Ri Happy (a maior varejista do setor, dona de 92 lojas no país) não se interessam pela venda de jogos eletrônicos, como Wii e Playstation. Segundo um executivo do setor, há muita concorrência com o mercado informal. "Os ilegais apresentam um preço muito inferior ao nosso", diz. Assim, fica difícil brincar.
Veículo: Valor Econômico