No último dia 21, foi publicada pelo Ministério do Trabalho e Previdência a Portaria Interministerial MTP/ME nº 2/2021, com a disponibilização do fator acidentário de prevenção (FAP) do ano de 2021, que deverá ser utilizado pelas empresas a partir de janeiro de 2022.
Conforme determinado pela portaria, o resultado do índice FAP calculado neste ano foi disponibilizado conjuntamente nos sites da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e da Previdência Social em 30 de setembro, bem como as demais informações que permitam a determinada empresa (com dados por estabelecimento) verificar seu desempenho, considerando a subclasse CNAE em que se enquadra.
Nesse ponto, é válido recordar que a alíquota da contribuição ao seguro acidente do trabalho (SAT), que varia de 1% a 3%, a depender do grau de risco da atividade desenvolvida pela empresa, será, então, ajustada pelo FAP, índice que varia entre 0,5 e 2. Em suma, o índice do FAP pode reduzir pela metade ou dobrar a carga desse tributo que incide mensalmente sobre a folha de salários ("contribuição ao SAT ajustada pelo FAP").
O FAP é calculado levando em consideração o número de acidentes de trabalho, óbitos, invalidades ou doenças ocupacionais nos estabelecimentos da empresa. Essas ocorrências são registradas por meio de comunicado de acidente de trabalho (CAT), de emissão obrigatória por parte da empresa, ou de nexo técnico epidemiológico (NTEP), registro feito pelo médico perito do INSS vinculando a enfermidade ao ambiente laboral.
De acordo com a metodologia de cálculo do FAP, devem ser levadas em consideração as ocorrências registradas nos dois anos antecedentes, de modo que o FAP 2022 será o primeiro a sofrer impacto dos efeitos da pandemia da Covid-19 iniciada em 2020.
Diante desse cenário, a indagação é: a Covid-19 poderá ser considerada uma doença relacionada ao trabalho por parte da Previdência Social?
Inicialmente, destaca-se que doenças ocupacionais são aquelas desencadeadas pelo exercício de determinada atividade laboral, constando em listas previstas em legislação específica (artigo 20, inciso I da Lei 8.213/1991). Na seara tributária, empresas são penalizadas quando da ocorrência de doenças ocupacionais com a majoração da carga tributária incidente sobre a folha de salários. A recíproca também é verdadeira, já que as empresas são bonificadas, mediante redução de tributos, quando da redução das doenças profissionais.
Ora, em se tratando da transmissão pandêmica de uma doença altamente contagiosa que não guarda qualquer relação com o trabalho (na grande maioria dos casos), a imputação automática de responsabilidade às empresas não aparenta ser a compreensão mais adequada.
A Portaria nº 2.309 do Ministério da Saúde, publicada em 28/8/2020, incluiu o coronavírus (Covid-19) na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT). Com isso, coronavírus passou a ser classificado expressamente como doença ocupacional. Contudo, em 2/9/2020, a Portaria nº 2.345 do Ministério da Saúde foi publicada para "tornar sem efeito a Portaria nº 2.309/GM/MS, de 28 de agosto de 2020, publicada no Diário Oficial da União nº 168, de 1º de setembro de 2020".
Ainda, faz-se necessário ressaltar que o artigo 29 da Medida Provisória (MP) nº 927/2020 dispunha que "casos de contaminação pelo coronavírus (Covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal" e teve sua eficácia posteriormente suspensa em caráter liminar por decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 6344, 6346, 6348, 6349, 6352 e 6354. Em seguida, a vigência da MP nº 927/2020 foi encerrada sem a sua conversão em lei e as referidas ADIs perderam objeto.
Nesse diapasão, foi formalizada a Nota Técnica SEI nº 56376/2020/ME por parte do Ministério da Economia, com o intuito de esclarecer a análise do nexo entre o trabalho e a Covid-19. Segundo o entendimento exarado em tal nota de cunho orientativo, não se pode presumir que a Covid-19 configura doença ocupacional, devendo ocorrer perícia médica federal que caracterize tecnicamente a identificação do nexo causal entre o trabalho e a referida moléstia.
Outrossim, o Ministério da Economia reforça que a transmissão comunitária em todo o território nacional "dificulta sobremaneira a definição se um trabalhador teve contato com o vírus na própria residência, no transporte público, no ambiente de trabalho ou em outro local que tenha frequentado".
Quanto ao entendimento jurisprudencial, por sua vez, verifica-se que inexiste compreensão consolidada. À guisa de exemplo, citam-se duas recentes decisões do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) no sentido de que é necessário que se caracterize o nexo causal entre o desempenho das atividades profissionais e a infecção pelo coronavírus para que a Covid-19 seja reconhecida como doença ocupacional [1].
Entretanto, o mesmo TRT-2 confirmou a obrigação de empresa expedir comunicações de acidente de trabalho (CATs) relativas aos empregados que contraíram Covid-19 [2], contrariando a necessidade de comprovação do nexo causal. No momento atual, tal caso aguarda julgamento por parte do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Sendo assim, haja vista a ausência de entendimento consolidado sobre o tema, é possível que a Previdência Social interprete a situação de forma equivocada e inclua os dados dos empregados contaminados pela Covid-19 automaticamente para fins de apuração do índice FAP de 2022, aumentando significativamente o montante a ser recolhido pela empresa a título de contribuições sobre a folha de salários.
Logo, faz-se necessário que as companhias se atentem ao resultado do FAP para cada estabelecimento inscrito em CNPJ próprio, uma vez que será possível apresentar impugnação/contestação em caso de erro de processamento e/ou de inconsistências na apuração do índice FAP através do preenchimento de formulário eletrônico entre 1º e 30 de novembro deste ano.
[1] Processos nº 1000396-57.2021.5.02.0061 e 1001350-68.2020.5.02.0084.
[2] Processo nº 1000708-47.2020.5.02.0391.
Cristiane I. Matsumoto é sócia do Pinheiro Neto Advogados.
Lucas Barbosa Oliveira é associado do Pinheiro Neto Advogados.
André Arabicano Valente é associado do Pinheiro Neto Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 18/10/2021