Lei estadual que impõe alíquota de ICMS para os serviços de energia elétrica e telecomunicações superior à geral é inconstitucional, por violar os princípios da seletividade e da essencialidade.
Esse foi o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, por sete votos a três, ao formar maioria para declarar a inconstitucionalidade do artigo 19, inciso II, alíneas "a" e "c", da Lei estadual 10.297/1996 de Santa Catarina. A norma estabeleceu alíquota de ICMS de 25% para os serviços de energia elétrica e telecomunicação, superior aos 17% aplicáveis à maioria das atividades econômicas. O julgamento, que ocorre no Plenário virtual, será encerrado às 23h59 desta segunda-feira (22/11).
Com isso, a Corte aprovou o Tema 745 de repercussão geral, com a seguinte tese: "Adotada, pelo legislador estadual, a técnica da seletividade em relação ao ICMS, discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços".
Prevaleceu o entendimento do relator, ministro aposentado Marco Aurélio. Em seu voto, ele destacou a indispensabilidade dos setores de energia e telecomunicações. "O acréscimo na tributação não gera realocação dos recursos, porquanto insubstituíveis os itens. Daí a necessária harmonia com o desenho constitucional, presente a fragilidade do contribuinte frente à elevação da carga tributária. Conforme fiz ver no julgamento do recurso extraordinário 1.043.313, Pleno, relator ministro Dias Toffoli, 'a corda não pode arrebentar do lado mais fraco'", disse.
Segundo o ministro, o desvirtuamento da técnica da seletividade, considerada a maior onerosidade sobre bens de primeira necessidade, não se compatibiliza com os fundamentos e objetivos contidos no texto constitucional, nos artigos 1º e 3º, seja sob o ângulo da dignidade da pessoa humana, seja sob a perspectiva do desenvolvimento nacional.
"Levando em conta a calibragem das alíquotas instituídas pela norma local, impõe-se o reenquadramento jurisdicional da imposição tributária sobre a energia elétrica e os serviços de telecomunicação, fazendo incidir a alíquota geral, de 17%. Não se trata de anômala atuação legislativa do Judiciário. Ao contrário, o que se tem é glosa do excesso e, consequentemente, a recondução da carga tributária ao padrão geral, observadas as balizas fixadas pelo legislador comum", completou.
Para ele, a decisão assegura os direitos e garantias do contribuinte e preserva a moldura desenhada pelo constituinte de 1988. "É hora de perceber que não há espaço para a sanha arrecadatória dos entes federados no que se sobreponha aos limites previstos no ditame maior". O objetivo da decisão, afirmou o ministro, é buscar justiça fiscal.
Assim, Marco Aurélio deu parcial provimento ao recurso para reformar o acórdão recorrido, deferir a ordem e reconhecer o direito da impetrante ao recolhimento do ICMS incidente sobre a energia elétrica e serviços de telecomunicação, considerada a alíquota geral de 17%, conforme previsto na Lei estadual 10.297/1996.
O voto do relator foi seguido pelos ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux.
O julgamento foi iniciado e suspenso em fevereiro devido a pedido de vista de Toffoli. Em voto apresentado em junho, o ministro acompanhou Marco Aurélio e propôs a modulação dos efeitos da decisão, "estipulando que ela produza efeitos a partir do início do próximo exercício financeiro, ressalvando as ações ajuizadas até a véspera da publicação da ata do julgamento do mérito".
Após o voto de Toffoli, o julgamento foi novamente interrompido, dessa vez por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Votos divergentes
Ao apresentar voto-vista na sessão virtual de 12 a 22 de novembro, Gilmar seguiu a divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes — mesmo posicionamento do ministro Luís Roberto Barroso.
Alexandre de Moraes abriu divergência, dando parcial provimento ao recurso extraordinário, mas afastando alíquota de 25% incidente sobre os serviços de comunicação, "aplicando-se a mesma alíquota do ICMS adotada pelo Estado de Santa Catarina para as mercadorias e serviços em geral (artigo 19, I, da Lei 10.297/1996)."
Ele propôs a fixação de uma tese em três partes: "I. Não ofende o princípio da seletividade/essencialidade previsto no artigo 155, parágrafo 2º, III, da Constituição Federal a adoção de alíquotas diferenciadas do ICMS incidente sobre energia elétrica, considerando, além da essencialidade do bem em si, o princípio da capacidade contributiva. II. O ente tributante pode aplicar alíquotas diferenciadas em razão da capacidade contributiva do consumidor, do volume de energia consumido e/ou da destinação do bem. III. A estipulação de alíquota majorada para os serviços de telecomunicação, sem adequada justificativa, ofende o princípio da seletividade do ICMS".
Ação contra SC
O caso começou quando as Lojas Americanas contestaram a alíquota de 25% no ICMS de serviços de energia elétrica e telecomunicações de consumidores de grande porte. De acordo com a empresa, esse percentual não respeita os princípios constitucionais da seletividade e da essencialidade. Para a varejista, é desproporcional que a tributação de energia e telefonia seja percentualmente superior à de mercadorias como cosméticos, armas, bebidas alcoólicas e fumo.
Por isso, a empresa pediu, em mandado de segurança, o reconhecimento do seu direito líquido e certo de pagar o ICMS sobre energia e telecomunicações com base na alíquota geral do estado de Santa Catarina, que é de 17%. Além disso, a varejista requereu a restituição dos dez anos cobrados em excesso.
Em sua defesa, o estado de SC argumentou que incidência de alíquota mais elevada sobre a energia elétrica não viola o princípio da seletividade, uma vez que tem o objetivo de desestimular o consumo abusivo e o desperdício. Os procuradores estaduais também sustentaram que a Lei 10.297/1996 não fere a isonomia por ter levado em consideração a capacidade econômica de cada contribuinte.
O mandado de segurança foi negado em primeira e segunda instâncias, o que forçou a empresa a recorrer ao STF, que reconheceu a repercussão geral do caso a autorizou o ingresso, como amici curiae, de todos os estados da federação.
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RE 714.139
Sérgio Rodas – Correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 22/11/2021