Não aceitaremos diminuir a Justiça do Trabalho, diz novo presidente do TST

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No cargo há pouco mais de duas semanas, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Emmanoel Pereira, já definiu dois princípios para sua gestão, que se estenderá até outubro deste ano, quando completará 75 anos.

 

Ele é taxativo na defesa da Justiça do Trabalho. "Não teremos tabus e não nos fecharemos a aprimoramentos. Mas não aceitaremos qualquer discurso que pretenda diminuir a importância da Corte Trabalhista ou que defenda sua extinção", disse, em entrevista à ConJur.

 

Sua segunda tarefa será defender políticas públicas que sejam inclusivas, que respeitem a diversidade e a pluralidade dos trabalhadores. "Temos que oferecer o acesso ao emprego, mas, também, as condições que garantam um ambiente saudável, com respeito e liberdade", afirmou.

 

Uma de suas primeiras providências no cargo foi formar uma comissão destinada a estudar os impactos da reforma trabalhista, de 2017, na Justiça do Trabalho. Quase cinco anos após sua aprovação, a reforma, no seu entender, ainda precisa ser discutida. "O texto de uma lei nunca está pronto e não deve se fechar a possíveis aprimoramentos. Precisa avançar junto com os anseios e as necessidades sociais", avalia.

 

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

 

ConJur — Quais os principais desafios da gestão? Como o senhor pretende conduzir os trabalhos no TST?
Emmanoel Pereira — O principal desafio de minha gestão será fazer valer o cumprimento das leis trabalhistas, com respeito às condições dignas de trabalho, observando normas de saúde e de segurança. Frente à retração econômica causada pela pandemia, também temos que voltar nosso foco em resguardar as vagas de emprego e manter a saúde das empresas, a partir do papel conciliador inerente à Justiça do Trabalho. Além disso, o momento requer que a legislação trabalhista seja uniformizada, especialmente após a reforma trabalhista e as mudanças naturais nas relações de trabalho trazidas pela pandemia.

 

ConJur — Quais os projetos que o senhor pretende implementar ao longo do mandato?


Emmanoel Pereira — Tenho duas prioridades à frente do Tribunal. A primeira é valorizar e fortalecer a Justiça do Trabalho. Não teremos tabus e não nos fecharemos a aprimoramentos. Mas não aceitaremos qualquer discurso que pretenda diminuir a importância da Corte Trabalhista ou que defenda sua extinção. A segunda prioridade é defender políticas públicas que sejam inclusivas, que respeitem a diversidade e a pluralidade de nossos trabalhadores. Temos que oferecer o acesso ao emprego, mas também as condições que garantam um ambiente saudável, com respeito e liberdade.

 

ConJur  — Como o senhor avalia a estrutura da Justiça do Trabalho? A quantidade de magistrados é suficiente para atender à população e julgar a grande quantidade de processos que chegam aos tribunais?


Emmanoel Pereira — O problema da quantidade de processos que chegam aos tribunais trabalhistas não se revolve com o aumento numérico de juízes, desembargadores ou ministros. O número elevado de ações nada mais é do que um reflexo das dificuldades sociais enfrentadas pela população. Então, a redução da sobrecarga de trabalho hoje enfrentada pelos tribunais trabalhistas perpassa, necessariamente, por uma alteração cultural, capaz de fomentar na sociedade o verdadeiro respeito às normas legais que disciplinam as relações de trabalho. O aprimoramento da utilização de instrumentos que favoreçam a autocomposição das partes, a exemplo da conciliação, também se apresenta como medida possível a alcançar esse objetivo.

 

ConJur — É possível dizer que houve precarização do trabalho por causa da pandemia?


Emmanoel Pereira — 
Essa situação requer o acompanhamento da Justiça do Trabalho para formar entendimentos e apontar quais mudanças nas relações de trabalho são abusivas e quais representam adequações naturais, já previstas a partir da reforma trabalhista, como o teletrabalho e a jornada híbrida. Nosso papel é o de assegurar que as leis sejam cumpridas, além da busca pela redução de desigualdades regionais, o combate à pobreza, o respeito aos direitos dos trabalhadores e das empresas, dentro do papel pacificador que compete à Justiça Trabalhista.

 

ConJur — Nas novas relações de trabalho, como fica a discussão sobre as plataformas digitais (Uber, iFood etc.)? Deve haver reconhecimento de vínculo de trabalho? Estes trabalhadores podem ficar desprotegidos?


Emmanoel Pereira — É um tema que está e seguirá no radar da Justiça do Trabalho, em especial, pelo seu caráter de rápida transformação. A pandemia acabou antecipando muitas discussões sobre essas novas formas de contratação, que também entraram no foco da reforma trabalhista de 2017. Vamos avaliar as questões priorizando o trabalho com dignidade de homens e mulheres, de todas as idades, considerando a manutenção dos postos de emprego e a produtividade. No âmbito da lei trabalhista, reconhecer ou não o vínculo de emprego sempre estará condicionado ao exame das particularidades de cada processo. Não posso generalizar ou antecipar posição pessoal de casos que ainda serão discutidos.

 

ConJur — É da Justiça do Trabalho a competência para julgar estas novas relações? Ela está preparada para isso?


Emmanoel Pereira — Todos os órgãos da Justiça do Trabalho estão preparados e aptos para avaliar qualquer situação envolvendo o tema. As divergências serão submetidas ao Tribunal Superior do Trabalho para a uniformização de jurisprudência.

 

ConJur — Os magistrados da primeira e segunda instâncias respeitam a jurisprudência firmada pelo TST? O que pode ser feito para evitar que temas mais simples cheguem à instância superior?


Emmanoel Pereira — Cabe à Justiça do Trabalho a análise, a discussão de pontos de vista diferentes, a pacificação dos entendimentos e a uniformização de jurisprudência. Nós, magistrados, partimos de um ponto comum, que é a legislação trabalhista, e chegamos a um ponto comum, que é a decisão que passa a ser seguida. Cabe a nós garantir o acesso do cidadão a seus direitos e a segurança jurídica necessária para que se possa julgar de forma consonante aos ideais da Justiça.

 

ConJur — Qual a avaliação do senhor sobre a aplicação do princípio da transcendência e como ele tem contribuído para os trabalhos da corte?


Emmanoel Pereira — Entendo salutar o estabelecimento de regras que evitem o ajuizamento de demandas temerárias ou meramente protelatórias. Esse também é o fundamento que norteia a criação do instituto da transcendência como pressuposto de admissibilidade de recurso de revista para o Tribunal Superior do Trabalho, cuja natureza extraordinária admite tal restrição. Com isso, busca-se maior eficácia e celeridade no julgamento das demandas trabalhistas.

 

ConJur — O Brasil vive com a epidemia do coronavírus há dois anos. Já chegaram casos sobre o tema ao TST? Se sim, quais os principais e como o TST tem se manifestado? Se não, como tem se preparado para a chegada desses assuntos?


Emmanoel Pereira — As ações relacionadas às questões envolvendo o retorno ao trabalho presencial e à apresentação do comprovante de vacina ou a exigência de teste PCR negativo já são realidade na Justiça do Trabalho. Não só o TST, como todos os demais órgãos jurisdicionais trabalhistas estão aptos a examinar tais demandas segundo o contexto social atual e as particularidades de cada caso. Eventuais divergências poderão ser submetidas ao TST para fins de uniformização da jurisprudência, não cabendo, contudo, generalizações de matéria, em tese, tampouco antecipação de posicionamento pessoal.

 

ConJur — O senhor acredita que a vacinação contra a Covid-19 deve ser obrigatória? O funcionário pode ser demitido por justa causa caso não apresente o comprovante de vacinação?


Emmanoel Pereira — O impacto da vacinação nas relações de trabalho é um tema novo no meio jurídico. O STF está em meio a análise da validade da portaria do Poder Executivo que impede a dispensa por justa causa de funcionário que decidir não se vacinar. Ainda assim, é importante pontuar que a atitude de se negar a tomar a vacina é reprovável, já que temos excelentes resultados comprovados em estudos científicos. E as empresas têm a obrigação de adotarem medidas de segurança sanitária aos funcionários por força de lei. Assim, defendo que regras que estimulem a imunização contra a Covid sejam prestigiadas em prol da coletividade.

 

ConJur — Existe algum tema da Justiça do Trabalho em discussão que o senhor priorizará para ser discutido no STF e garantir que seja firmada uma jurisprudência? Quais?


Emmanoel Pereira — A ordem de discussão, deliberação e julgamento das matérias submetidas a exame do Supremo Tribunal Federal é de restrita competência daquele órgão, não cabendo interferência externa sobre tais questões.

 

ConJur — Está em tramitação no Congresso a PEC 18, que busca reduzir a idade do trabalho infantil de 16 para 14 anos. Qual o seu posicionamento sobre essa PEC? Caso a aprovação aconteça, de que forma a regra pode interferir na JT?


Emmanoel Pereira — Em um Estado de Direito é imprescindível o respeito à institucionalidade e à competência de cada Poder. À exceção do Supremo, quando provocado, não cabe a qualquer outro órgão do Judiciário a avaliação de Projeto de Emenda Constitucional em regular tramitação no Legislativo. Ademais, qualquer alteração no texto da Constituição precisa necessariamente passar pelo crivo de ambas as Casas do Congresso, em quórum qualificado, justamente para viabilizar profundo debate político e social sobre as questões colocadas em pauta e seus eventuais pontos positivos e negativos pelos órgãos institucionais com competência para tanto.

 

ConJur — O que lhe pareceu a crítica do ex-presidente Lula à reforma trabalhista e a intenção de revogá-la, caso seja eleito?


Emmanoel Pereira — Temos compromisso com a segurança jurídica e a reforma trabalhista será amplamente discutida no TST neste ano. Assinei a criação de uma comissão para discutir eventuais avanços e retrocessos. O objetivo é buscar base empírica para nos proteger de qualquer contaminação ideológica no debate. As alterações promovidas pela reforma foram profundas. Agora, a avaliação será condizente com seus resultados e com seus reais impactos na sociedade. O texto de uma lei nunca está pronto e não deve se fechar a possíveis aprimoramentos, precisa avançar junto com os anseios e as necessidades sociais.

 

ConJur — Qual avaliação do senhor sobre a reforma trabalhista? Ela precisa de modificações?


Emmanoel Pereira — A comissão irá colher elementos empíricos e agregar números e estatísticas com a missão de avaliar e apontar eventuais avanços e prejuízos, destacando quais as áreas foram mais impactadas positiva ou negativamente. No momento, considerando as discussões na Corte Trabalhista, mas também no STF, penso que é prematura qualquer conclusão definitiva sobre o atendimento ou não das expectativas criadas. Mas, ainda assim, vejo como gesto importante a criação do instituto da transcendência para atuação do TST no julgamento dos recursos de revista, assim como o estabelecimento de regras que evitam o ajuizamento de demandas temerárias.

 

ConJur — Se as leis no Brasil protegem o trabalhador, por que tantos brasileiros tentam entrar nos Estados Unidos ou no Japão, onde não há nada parecido com a CLT?


Emmanoel Pereira — Cada pessoa é movida por um anseio particular, e é difícil, em um comentário genérico, avaliar o que leva indivíduos a deixarem o país. Mas posso afirmar que o trabalhador brasileiro possui um lastro de proteção importante que defende condições dignas de trabalho. E, enquanto magistrados trabalhistas, nosso papel é fazer cumprir a lei, combatendo qualquer desrespeito aos textos que norteiam as relações entre trabalhadores e empregadores.

 

ConJur — Levantamentos demonstram que, do montante de recursos movimentados pela JT, a fatia maior vai para advogados, para a própria justiça e para o MPT. A menor fatia vai para o reclamante. Não há algo errado nessa conta?


Emmanoel Pereira — Não há dúvida de que o sistema de Justiça brasileiro, como um todo, possui questões que merecem avaliação. E tais dificuldades não são restritas à Justiça do Trabalho. Pelo contrário, desde a sua criação, a Justiça do Trabalho tem a árdua e ininterrupta tarefa de pacificar as controvérsias que surgem durante as relações de trabalho, empenhando-se em reduzir o tempo do andamento processual por meio da conciliação e, assim, reduzir os eventuais entraves e custos desnecessários. Do resultado da apuração do CNJ no ano de 2021, publicado no periódico "Justiça Em Números", a conciliação trabalhista foi ponto de destaque, sendo o segmento que mais solucionou casos por autocomposição. Houve Tribunal Trabalhista que chegou a alcançar o índice de 96% de sentenças homologatórias de acordo. Então, podemos afirmar que a JT é quem mais concilia e com isso reduz o número e o custo das demandas.

 

ConJur — Parecem razoáveis as estimativas de que o processo trabalhista custa mais que as indenizações?


Emmanoel Pereira — Penso que debates sobre uma entrega da prestação jurisdicional mais célere, justa e menos onerosa são essenciais ao desenvolvimento do Poder Judiciário na sua missão constitucional de pacificador de conflitos. Entretanto, é equivocada qualquer ideia de que a absorção da Justiça Especializada do Trabalho pela Justiça Comum implicaria em menos custos e uma melhora da entrega da prestação jurisdicional. As demandas não deixariam de existir, já que são inerentes aos contratos de trabalho firmados diariamente, ainda que apenas de forma verbal ou até mesmo sem anotação da Carteira de Trabalho. De outra parte, causaria um congestionamento de demandas, sem perder de vista que a existência da Justiça do Trabalho parte do pressuposto que nosso ramo especializado do Direito possui princípios jurídicos próprios que o distinguem dos demais segmentos da Justiça, o que inclui as matérias examinadas pela Justiça Comum.

 

Severino Goes - correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

 

Rayane Fernandes - repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 27/02/2022

 

 


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