É possível a intervenção do Poder Judiciário para recompor o equilíbrio financeiro de um contrato e para a preservação do negócio. Com esse entendimento, o juiz Gabriel Albieri, da Vara Única de Granada (SP), determinou a revisão de um contrato para alterar o índice de correção monetária do IGP-M para o IPCA, em razão da extrema onerosidade que estava recaindo nas parcelas do financiamento.
O magistrado reconheceu que a relação jurídica existente entre os dois clientes e a financiadora é de natureza consumerista e, portanto, é permitida a revisão dos contratos na forma dos artigos 6º, V, e 51, IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor.
Segundo o juiz, os contratos podem ser alterados diante da ocorrência de situações excepcionais e extraordinárias que causem um desequilíbrio nas obrigações, como é o caso, por exemplo, da pandemia da Covid-19, que também foi citada na inicial.
"O Judiciário só deve interferir na liberdade contratual em situações excepcionais, já que a regra é a intangibilidade do contrato. A teoria da imprevisão, prevista no artigo 317 do CC, permite a revisão do contrato nos casos em que, em decorrência de acontecimentos imprevisíveis, se verificar desproporção manifesta entre o valor da prestação no momento da celebração do contrato e no da execução", disse.
Albieri também lembrou que os artigos 478 e 479 do Código Civil permitem a resolução ou alteração da condições dos contratos de execução continuada ou diferida quando "a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis".
No caso dos autos, o juiz considerou que houve um aumento desproporcional no índice inicialmente acordado entre as partes para o reajustes das parcelas (IGP-M), por força de um evento extraordinário e imprevisível, que foi a pandemia da Covid-19.
"Não há dúvidas de que a atual conjuntura econômico-social, decorrente da pandemia relacionada ao Sars-Cov-2, constitui situação excepcional, externa ao negócio e alheia à vontade das partes, que impõe aos contratantes a adoção de medidas objetivando o enfrentamento da crise, o que se aperfeiçoará mediante a alteração das condições originalmente pactuadas", explicou Albieri.
Assim, conforme o juiz, uma vez que o negócio firmado entre as partes se sujeita à Lei 8.078/90, por tratar de relação de consumo, se justifica a intervenção do Poder Judiciário para preservar o equilíbrio contratual, tal como se extrai do artigo 6, inciso V, do CDC.
"Houve alteração relevante da base econômica objetiva do contrato em razão de fato absolutamente imprevisível, já que a aplicação do IGP-M como fator de reajuste no ano de 2021 desvirtua a finalidade precípua da cláusula, de recompor o poder aquisitivo da moeda. O aumento excessivo do índice representa verdadeiro aumento do valor das parcelas do contrato por via transversa, acarretando enriquecimento anormal à requerida em detrimento dos autores", completou.
O magistrado aplicou ao caso a teoria da imprevisão por constatar a excessiva onerosidade aos clientes em razão de uma situação imprevisível e extraordinária: "Justifica-se a excepcional interferência do Judiciário na liberdade contratual para determinar a substituição do índice que se mostrou desproporcional por um que reflete de melhor maneira a recomposição do poder aquisitivo da moeda, o IPCA".
Os clientes foram representados pelo advogado Rafael Henrique Boselli, do escritório Cleber Puglia Gomes Advogados Associados.
Clique aqui para ler a sentença
1001206-94.2021.8.26.0390
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 25/03/2022