Não houve prova no processo de que o empregador tenha praticado um ato ilícito ou que o trabalhador tenha sofrido algum dano.
A Justiça do Trabalho mineira isentou uma rede de supermercados de indenizar por danos morais e materiais um adolescente que deixou de ser contratado como aprendiz após a deflagração da pandemia de Covid-19. A decisão é do juiz Júlio Correa de Melo Neto, titular da Vara do Trabalho de Santa Luzia.
O jovem contou que se inscreveu no programa de aprendizagem em fevereiro de 2020, mas não foi chamado para iniciar o trabalho, mesmo já tendo feito exame admissional, recebido uniforme e até entregado a carteira de trabalho. Alegou que procurou a empresa diversas vezes, mas nada foi feito. Somente em novembro de 2020, foi informado de que não seria contratado e a carteira lhe foi devolvida.
O jovem ainda relatou que perdeu duas oportunidades de emprego. O pedido de reparação por danos morais e materiais foi fundamentado na expectativa de contratação frustrada, bem como na perda de oportunidades de emprego. O caso envolveu a chamada teoria da “perda de uma chance”.
No entanto, o juiz não acatou a pretensão. Testemunha confirmou a tese da defesa de que, apesar da aprovação para ser menor aprendiz, o jovem não foi contratado por orientação do Ministério do Trabalho e comunicado do Senac a respeito do cancelamento do processo seletivo diante da pandemia. A defesa indicou que os documentos, inclusive, foram devolvidos pela instituição.
A testemunha disse que, para a contratação do menor aprendiz, é obrigatória a matrícula nos cursos do Senac. E, segundo relatou, a carteira de trabalho só não foi entregue imediatamente porque a empresa não conseguiu entrar em contato com o responsável legal pelo rapaz, por meio do contato informado. A representante legal levou meses para procurar o departamento pessoal da empresa, quando, então, o documento foi devolvido ao jovem.
Na avaliação do magistrado, o jovem não provou os requisitos legais para receber indenização. Não houve prova no processo de que “o empregador tenha praticado um ato ilícito, que o empregado tenha sofrido um dano e que exista um nexo de causalidade entre o primeiro e o segundo”. O julgador pontuou que a mera aprovação em processo seletivo não leva à contratação e que a decisão de contratar ou não candidatos está inserida no poder diretivo da empresa, a depender da existência de vagas e de diversos outros fatores.
No caso, considerou que a paralisação do processo de contratação se deu por motivo ainda maior, visando, sobretudo, à preservação da saúde dos próprios aprovados, com orientação da Superintendência Regional do Trabalho de Minas Gerais, inclusive, no sentido de interrupção das atividades práticas de aprendizes com idade inferior a 18 anos.
Nesse contexto, a responsabilidade da empresa foi afastada. “É de se considerar que a atitude empresária não implicou ofensa a princípios afetos à responsabilidade das partes nos contratos em geral, sobretudo quanto ao dever de atenção esperado na sua conclusão também, não restando configurada a culpa da reclamada hábil a configurar ato ilícito, nos termos do artigo 186 do Código Civil”, constou da sentença.
Perda de uma chance
Quanto à teoria da perda de uma chance, o juiz explicou que a indenização pelos danos causados se faz devida se alguém, praticando um ato ilícito, faz com que outra pessoa perca uma oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo.
Registrou que o STJ, em algumas oportunidades, tem adotado a referida teoria, exigindo que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não mera possibilidade, “A chance deve ser real e séria, de tal modo a proporcionar ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada”, enfatizou o magistrado, acrescentando que o Tribunal da Cidadania consignou que a teoria da perda de uma chance visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas, precisamente, a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa, que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado (STJ. 4ª Turma, REsp 1190180/RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 16/11/2010).
De acordo com a decisão, para a aplicação da teoria, deve haver prova cabal de que a parte, em razão do ato ilícito praticado pelo agente, perdeu a oportunidade de obter uma situação futura melhor. Não foi o caso, uma vez que não houve a perda de uma chance real e séria pelo adolescente, em razão de a carteira estar na posse da rede de supermercados.
O juiz observou que ele sequer declinou qual seria a oportunidade perdida, limitando-se a postular o pedido genericamente, afirmando que perdeu duas oportunidades de emprego, sem, contudo, trazer qualquer elemento de prova para atestar sua pretensão.
Por fim, ressaltou que, muito embora haja presunção relativa de veracidade no sentido de que o extravio ou retenção da carteira de trabalho por tempo superior ao que a lei determina é ato ilícito apto a ensejar dano moral, no caso, a pretensão foi satisfatoriamente afastada com a entrega da carteira no momento em que a representante legal do jovem procurou a empresa. O documento só não foi devolvido anteriormente por impossibilidade de se comunicar com o adolescente por meio dos contatos por ele fornecidos.
Diante disso, por não identificar conduta antijurídica suficiente para reconhecer os alegados danos moral e material, em razão de ofensa aos direitos da personalidade do adolescente (CR, artigo 5º, V e X), o magistrado julgou improcedentes os pedidos de indenização por danos morais e materiais. A decisão foi confirmada em grau de recurso pelo TRT de Minas. Não houve recurso ao TST. O processo já foi arquivado definitivamente.
Processo
PJe: 0010452-37.2021.5.03.0095
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Fonte: TRT 3ª Região – 09/08/2022