A citação judicial feita por Whatsapp, apesar de não prevista em lei, pode ser validada se cumprir sua finalidade: se a informação acerca da existência da ação for efetivamente entregue ao receptor por meio de conteúdo límpido e inteligível, de modo a não suscitar dúvida.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça indicou balizas a serem adotadas pelo Poder Judiciário no uso de aplicativos de mensagem para atos judiciais, possibilidade que tem sido admitida no Brasil, apesar de não estar regulada por lei.
O tema foi apreciado em recurso especial ajuizado por uma mãe que foi julgada à revelia em ação em que foi destituída do poder familiar, por não reunir as condições socioeconômicas e psicológicas necessárias para cuidar das duas filhas. Ela foi representada pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
O oficial de Justiça entrou em contato com uma das menores por ligação telefônica, quando leu o texto da citação judicial. Na sequência, enviou o documento por WhatsApp, em formato PDF. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou o procedimento plenamente válido.
Relatora no STJ, a ministra Nancy Andrighi observou que não há comprovação de que o conteúdo alcançou a mãe da menor, efetivamente a pessoa alvo do processo. E acrescentou que a pessoa que recebeu o documento por WhatsApp é analfabeta.
Para a ministra, a impossibilidade de compreender o documento torna possível equiparar o analfabeto ao incapaz. E nos termos do artigo 247, inciso II do Código de Processo Civil, a citação será feita por meio eletrônico não cabe quando o citando for incapaz.
“O prejuízo experimentado pela recorrente é absolutamente evidente, eis que foi revel, não apresentou contestação tempestiva e teve contra si julgado procedente o pedido de destituição do poder familiar em relação às filhas”, concluiu a relatora, ao dar provimento ao recurso. A votação foi unânime.
Como saber?
O voto da ministra Nancy Andrighi trata de mensurar a dificuldade enfrentada pelo Judiciário para lidar com atos processuais praticados por aplicativos de mensagem. Há no Brasil inúmeras portarias, instruções normativas e regulamentações internas com diferentes e desiguais procedimentos e requisitos de validade.
Fato é que não há previsão legal para tanto. A Lei 14.195/2021, que alterou o CPC para prever a citação por meio eletrônico, resumiu-se a tratar do endereço eletrônico (e-mail) cadastrado pela parte, com detalhado procedimento de confirmação e de validação.
“A comunicação de atos processuais, intimações e citações por aplicativos de mensagens, hoje, não possui nenhuma base ou autorização da legislação e não obedece às regras previstas atualmente, de modo os atos processuais dessa forma comunicados são, em tese, nulos”, afirmou.
Ainda assim, a citação por WhatsApp pode ser validada se ficar comprovado que o ato praticado sem as formalidades legais atingiu o seu objetivo: a ciência pelo destinatário acerca da existência da ação, isto é, de um ato processual que se pretende seja comunicado.
“É imprescindível que se certifique, em primeiro lugar, que a informação foi efetivamente entregue ao receptor e que seu conteúdo é límpido e inteligível, de modo a não suscitar dúvida sobre qual ato ou providência deverá ser adotada a partir da ciência e no prazo fixado em lei ou pelo juiz”, explicou a relatora.
“Se a citação for realmente eficaz e cumprir a sua finalidade, que é dar ciência inequívoca acerca da ação judicial proposta, será válida a citação efetivada por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp, ainda que não tenha sido observada forma específica prevista em lei, pois, nessa hipótese, a forma não poderá se sobrepor à efetiva cientificação que indiscutivelmente ocorreu”, concluiu.
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REsp 2.045.633
Danilo Vital – Correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 14/08/2023