Se a decretação da falência ou da liquidação extrajudicial não tem qualquer impacto para que a massa falida ou liquidante conteste atos anteriores praticados pelos gestores, então os credores precisam ter um senso de urgência maior de atuação e apuração de ativos.
Esse é o principal impacto apontado por advogados entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico quanto à mudança de posição da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.
Em setembro, o colegiado concluiu que a quebra da empresa não é o que faz nascer a pretensão de ação em benefício da massa falida. A prescrição tem como termo inicial o dia em que o processo poderia ser ajuizado, sem ser impactado pela falência.
A conclusão será a mesma no caso da liquidação extrajudicial, o regime específico para as instituições financeiras. Em vez de simplesmente quebrar, elas são retiradas de maneira organizada do Sistema Financeiro Nacional.
Tanto na falência quanto na liquidação extrajudicial, forma-se uma massa gerida por um administrador judicial (AJ) indicado pelo juiz, com a função de representar o interesse dos credores na arrecadação de capital e quitação de passivos.
Até então, o colegiado vinha entendendo que, nesses casos, a prescrição não poderia ser contada antes da quebra, pois a pretensão só nasceria com a formação da massa falida ou da massa liquidante.
A reviravolta de posição foi confirmada por 3 votos a 2 e ainda pode gerar debate na 4ª Turma, que também julga temas de Direito Privado, e na 2ª Seção, que une os integrantes dos dois colegiados.
Urgência do credor
Para Karen Cruz Alves, advogada do escritório Donelli, Abreu Sodré e Nicolai Advogados — DSA Advogados, a 3ª Turma acertou na revisão porque a massa falida ou em liquidação sucede a instituição sem qualquer quebra nas relações jurídicas já consolidadas.
Com isso, as ações precisam ser tomadas levando em consideração o marco prescricional existente na época em que o negócio jurídico foi firmado.
“Isso certamente dará um maior senso de urgência para verificação dessas questões pelos credores e demais interessados na apuração dos ativos da massa”, diz.
Caio Fink, sócio do Machado Associados, também destaca que o fato de a prescrição poder ser anterior à falência ou liquidação extrajudicial exige atenção dos credores. Isso deve evitar a reabertura indiscriminada de prazos e facilitar a liquidação dos bens da massa falida.
“Essa posição equilibra a proteção da massa falida com a necessidade de previsibilidade nas relações jurídicas”, diz o advogado. Esse foi um dos pontos ressaltados durante o julgamento da 3ª Turma.
Autor do voto vencedor, o ministro Moura Ribeiro destacou que dar à massa falida um novo marco da prescrição permitiria questionar situações já consolidadas, gerando “verdadeiro efeito repristinatório de um prazo prescricional eventualmente já consumado, sem nenhum amparo legal expresso”.
Alves e Fink apontam ainda que essa posição confere segurança jurídica à questão. Com um importante adendo: nos casos em que eventualmente se conteste fraudes praticadas pelos gestores antes da quebra, não haverá prejuízo.
Isso porque a prescrição para cobrar os prejuízos dependerá da anulação do negócio jurídico. E as ações declaratórias de nulidade não prescrevem. Foi exatamente o caso julgado na 3ª Turma, que discutiu a venda de um imóvel do banco por preço abaixo do valor de mercado, em negócio eivado de nulidade pela simulação.
“Essa visão garante maior segurança jurídica, evitando que atos passados sejam indefinidamente contestados. A posição vencida, embora focada em fraudes, ampliaria o prazo de forma excessiva, gerando incerteza e instabilidade”, diz Fink.
Insegurança jurídica, parte 2
A necessidade de segurança jurídica foi exatamente o que levou o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva a defender, no voto vencido, que a prescrição seja contada a partir da falência ou da decretação da liquidação extrajudicial nos casos em que a pretensão derivar de atos fraudulentos praticados na gestão.
Para ele, a contagem da prescrição a partir do trânsito em julgado da sentença declaratória de nulidade gera ainda mais insegurança, pois estende indefinidamente o início desse prazo.
Marcelo Godke, sócio do Godke Advogados, avalia que a insegurança jurídica está na discussão sobre a prescrição no momento em que houver a quebra da empresa e a massa falida puder exercer sua legitimidade para contestar negócios anteriores.
Isso porque, se houve alguma simulação praticada pelos gestores antes da quebra, nenhuma das partes envolvidas estaria interessada em uma declaração de nulidade para obter indenização por conta disso. Essa pretensão só surge com a formação da massa falida.
“Na prática, muitas falências decorrem de fraude, de esvaziamento patrimonial etc. Esse tipo de posição pode gerar um enorme impeditivo para que se possa reaver um patrimônio que foi retirado ilegalmente do ativo da empresa ou para que a massa falida possa exercer determinados direitos que só seriam exercidos a partir da falência.”
Filipe Denki, sócio do Lara Martins Advogados, também diz que a nova posição do STJ gera insegurança jurídica. “O entendimento que defendemos é de que a prescrição deveria começar a partir do deferimento da falência ou da liquidação extrajudicial.”
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REsp 2.071.492
Danilo Vital – Correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 22/10/2024