Lei do consumidor: A era do diálogo começa agora

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A história dos primeiros 20 anos do Código de Defesa do Consumidor é marcada por conflitos com as empresas. Mas os próximos 20 devem ser dedicados à busca de soluções. A avaliação é de Ricardo Morishita, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça.

 

Responsável pela coordenação da política nacional de defesa do consumidor, Morishita começou a carreira como estagiário do Procon de São Paulo, em 1988. "Fiquei seis meses no atendimento pessoal. Eu dizia: 'Procon, boa tarde'."

 
 
Hoje, ele é mais do que a principal autoridade de defesa do consumidor. A vida profissional de Morishita se confunde com a trajetória da aplicação do CDC, como é conhecida a Lei nº 8.078. Ele atuou em praticamente todos os grandes conflitos entre empresas e consumidores desde antes da aprovação do código, em 11 de setembro de 1990.

 

O CDC ainda não existia e o Procon, onde Morishita estagiava, tinha que aplicar o Código Penal em ações de defesa dos consumidores. "Como não havia um documento único, sistematizado, com as várias disposições legais de proteção ao consumo, tínhamos de fazer um grande exercício para buscar nas leis existentes o que poderia ser aplicado para defender o consumidor", recorda. Ao fim, o Procon acabava aplicando o Código Penal, que incriminava as empresas.

 

Hoje, Morishita defende um novo pacto entre as companhias e seus clientes. Ele avalia que a fase do "porrete nas empresas" durou mais de 20 anos. Agora, ela deveria ser substituída por um novo período de negociação. "Não é razoável que um consumidor com um problema de aparelho celular que custa R$ 200 tenha que entrar com reclamação para resolvê-lo. Temos que aprimorar o diálogo com essas companhias."

 

Esse diálogo é, de fato, difícil. No ano passado, o DPDC ingressou com duas grandes ações no Judiciário para cobrar R$ 295 milhões e R$ 301 milhões da Oi e da Claro, respectivamente, por descumprimentos nas regras do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). Foi um momento extremo. Como a multa máxima prevista no CDC é de R$ 3,2 milhões e o Ministério da Justiça não estava obtendo respostas das companhias para melhorar os serviços, a decisão foi a de partir para um ataque sem precedentes.

 

O DPDC calculou o número de clientes dessas empresas e multiplicou pelo preço que eles pagariam para obter um atendimento. Com isso, chegou a valores cem vezes mais altos do que a multa máxima. Essas foram as maiores ações já propostas por descumprimento do CDC.

 

Até o ingresso dessas ações, no fim de julho de 2009, o que prevaleceu foi a fase do enfrentamento entre empresas e autoridades de defesa do consumidor. Morishita lembra que os planos econômicos representaram um dos primeiros desafios para o sistema dos Procons, no período anterior à aprovação do CDC. Os atendimentos dispararam, a partir do Plano Cruzado, em 1986, principalmente por questões imobiliárias, como prestações e aluguéis. De 1,5 mil atendimentos em 1976, o Procon de São Paulo passou a mais de cem mil por ano - um patamar que nunca mais foi reduzido.

 

Logo após a aprovação do CDC pelo Congresso, o primeiro grande debate foi sobre os produtos com validade vencida. "Era comum os saquinhos de leite com a inscrição 'válido até quinta-feira'. As pessoas perguntavam se era leite do dia."

 

Para Morishita, a falta de previsão da validade indicava que a relação de consumo não tinha um padrão de qualidade. "Numa fiscalização no litoral de São Paulo, descobrimos um sujeito que congelava os leites que ele não vendia num dia para vendê-los na semana seguinte."

 

Com a entrada em vigor do CDC, a rotulagem dos produtos começou a ser debatida nacionalmente. "Essa foi uma etapa muito importante para fazer valer o código." Hoje, é difícil achar um produto que não tenha rotulagem, mas, naquela época, havia regras mínimas que nem sempre eram cumpridas.

 

No aniversário de 20 anos do CDC, a ótica do enfrentamento foi alterada. No início do ano, Morishita convocou as companhias líderes em reclamações para reuniões individuais em seu gabinete. Ele mostrou os números negativos de cada uma delas e perguntou: "Como fazemos para melhorar isso?"

 

A lista das 15 empresas campeãs do ranking envolve apenas três setores da economia: telefonia, bancos e redes do varejo. O DPDC pediu que cada companhia indique metas tanto para a solução de reclamações dos consumidores quanto para a realização de acordos. Os acordos são importantes, pois evitam a proliferação de ações no Judiciário e nos Procons.

 

Muitas empresas já enviaram as suas respostas. Na telefonia, por exemplo, a Claro informou que pretende aumentar o índice de solução de problemas antes de abertura de processo administrativo de 52,2% para 62,2%. A TIM pretende sair de 59% para 67% e a Vivo, de 74,6% para 80%. No setor financeiro, o Banco do Brasil e o Bradesco informaram que pretendem reduzir em 10% as reclamações, enquanto o Citibank e o Santander definiram a meta em 15%.

 

"Neste aniversário, é importante olharmos para os próximos 20 anos e entender que o eixo de conflito não deve mais ser predominante. O porrete não deve ser abandonado, pois as punições devem continuar, mas temos que buscar cada vez mais o eixo da solução", conclui Morishita.
 

 

Veículo: Valor Econômico


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