Afinal, sozinho se vai mais rápido, mas junto se vai mais longe.
Era 1978 quando, pela primeira vez, uma empresa abriu no país um canal permanente de diálogo com o consumidor, que mais tarde originaria o que hoje chamamos de Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). A iniciativa, até então, era inovadora e chamava atenção. Com o passar do tempo, no entanto, a sociedade e as relações de consumo passaram por transformações que mudaram a visão das empresas e o perfil dos clientes. Assim, abrir diálogo deixou de ser um diferencial para se tornar uma obrigação.
Hoje, de um lado, o consumidor exige seu direito e cobra transparência, respeito, atendimento bem feito e coerência entre discurso e prática. Ao mesmo tempo, ele quer ser compreendido e se relacionar com uma organização que entenda seus desejos, seus sonhos, suas vontades. Do outro lado do balcão, as empresas sentem a necessidade de se conectar às demandas da sociedade e assimilam a satisfação do cliente como parte essencial de suas estratégias de marca.
Nesses 32 anos, essa transformação na maneira como as organizações enxergam o consumidor trouxe avanços sem volta. Mas o desafio de todos os que vivem o mundo dos negócios não está completo: não se pode deixar a roda parar e nem mesmo desacelerar. Afinal, ainda há muito a melhorar. Importante celebrar os progressos, mas sem perder do horizonte que é preciso mais.
As novas mídias deram aos clientes condições de tornar público o seu ponto de vista e exigir o atendimento esperado
O que é obrigação passa a ser também diferencial competitivo. Alguns fatores que influenciam diretamente nas relações de consumo não param de passar por revoluções e, por consequência, impedem qualquer inércia nos modelos de gestão. Esse é o caso especialmente das comunicações. A ampliação na imprensa dos espaços dedicados aos direitos do consumidor verificada nos últimos anos e, principalmente, a chegada das novas mídias propiciaram aos clientes uma oportunidade de tornar seu ponto de vista público e exigir com mais força o atendimento esperado.
A possibilidade de qualquer pessoa alcançar um grande público por meio de ferramentas como blogs, Twitter e as redes sociais diversas não passou despercebida pelas empresas - o que manteve a roda em movimento. Algumas viram nessa nova situação um risco às suas marcas; outras detectaram uma oportunidade de alcançar seus públicos com mais facilidade e de estabelecer um relacionamento mais próximo, mais humano. Esse segundo grupo sabe que é "fora das quatro linhas", onde tradicionalmente se joga o jogo, que se pode transformar a experiência com o cliente em algo mais leve, mais humanas e menos exatas, mais coração e menos planilha de Excel, mais conversa e menos gravador.
Foi a partir dessa percepção que caiu a ideia de que a interação via mídias sociais é sinônimo de autopropaganda. Falar bem de si mesmo nesse ambiente com características tão particulares é o famoso "tiro no pé". O pouco tempo de vida desses meios já mostrou ser muito mais útil e estratégico usar as novas ferramentas para agregar valor à pessoa que está do outro lado, seja cliente ou não. Afinal, a experiência com a marca não começa no ponto de atendimento. As empresas demonstram que evoluíram nas relações de consumo ao se apropriar das novas possibilidades de comunicação para ouvir e assimilar opiniões e sugestões; trocar experiências; orientar; solucionar demandas; e até ao informar sobre outros assuntos relevantes, como sustentabilidade e consumo consciente.
O modelo de estabelecer um relacionamento em vez de se limitar à antiga relação de consumo, que se esgota no processo de compra e venda, tem se mostrado também uma estratégia inteligente e mais conveniente para o consumidor. Quando uma organização desenvolve um relacionamento de longo prazo e abre as portas e os ouvidos para quem está fora, não é só o cliente que sai ganhando. As empresas, além de fidelizarem seu público, constroem atratividade de marca e ficam mais sintonizadas às necessidades das pessoas. É o foco no foco do cliente. Como resultado desse diálogo, muitas vezes ideias de produtos e serviços inovadores saem do SAC, da Ouvidoria e de outros canais de interação.
Essa característica do consumidor de contribuir com a empresa por meio das suas experiências, aliás, sugere uma nova transformação nas relações de consumo. No momento, a visão dominante é a de que o cliente está no centro e isolado num patamar próprio, o que gerou por parte das empresas a chamada "cultura do servir". Mas, aqui e ali, essa perspectiva, um avanço em relação ao que se praticava no passado, começa a mudar. É a mais recente evolução nessa linha do tempo iniciada em 1978. Agora, o consumidor, para alguns, passa a ser tão importante e respeitado que, em vez de apenas ser "servido", é convidado a construir junto o futuro da organização. E, no caso de haver problemas (eles sempre existem, afinal, nossa imperfeição é natural), é chamado a ajudar a transformá-los em oportunidades. Quando as intenções são verdadeiras, o cliente é visto como um aliado, o que anula qualquer tabu de lidar com as próprias fraquezas e buscar soluções.
Por tudo isso, temos motivos para ficar otimistas, independentemente de qual lado do balcão estejamos. E fica a certeza de que há muito trabalho pela frente - afinal, o mercado não para de se expandir e de se transformar. Só nos últimos cinco anos, 30 milhões de pessoas chegaram à classe média. Some-se a isso a perspectiva de o país continuar crescendo, com Copa do Mundo e Olimpíada pela frente, e o rápido processo de inclusão digital que já está em curso. Junto do número de consumidores, cresce a sua exigência e as suas possibilidades de comunicação.
Que sejam bem-vindos os próximos anos de segura evolução nas relações de consumo e parabéns pelo aniversário de 20 anos do Código de Defesa do Consumidor. O cliente já se tornou parte integrante e fundamental de um admirável mundo novo no qual estamos todos conectados e no qual somos todos interdependentes. Melhor para quem perceber essa condição e der a ele a oportunidade de falar e de fazer junto. Sairão ganhando as duas partes. Afinal, sozinho se vai mais rápido, mas junto se vai mais longe.
Veículo: Valor Econômico