A lentidão da Justiça de São Paulo, que tem hoje quase 20 milhões de processos em tramitação, tem causado uma situação curiosa nos contratos entre empresas firmados no estado: as partes escolhem resolver eventuais conflitos no Judiciário do Rio de Janeiro, que costuma ter soluções mais rápidas e às vezes até mais especializadas para as demandas empresariais.
"As empresas evitam litigar em São Paulo e a escolha pelo Rio tem aumentado", afirma o advogado Newton Marzagão, do escritório Demarest & Almeida Advogados. Ele ressalta que não há uma cláusula contratual de estilo do escritório nesse sentido, mas a busca por outros estados, como o Rio Grande do Sul, é comum.
Segundo ele, as companhias muitas vezes ainda buscam maneiras "tortuosas" para forçar que um processo seja levado para o Rio de Janeiro. Ele cita um caso em que o réu de um processo era um banco e que, por ter agência no estado, o processo foi levado para lá. "Na parte contratual, há a busca para levar casos futuros para o Rio. E no Judiciário, procuram-se motivos para transferir o processo para lá e obter um desfecho mais rápido", diz.
Segundo ele, a tendência vem crescendo pelo menos nos últimos quatro anos. Em regra geral, não há vedação jurídica para que, por exemplo, um contrato entre empresas de São Paulo e de Minas Gerais eleja o foro do Rio em caso de briga judicial. "Mas é difícil de acontecer: o que vemos com maior frequência é a escolha pela justiça fluminense quando uma das empresas é de lá". Mas o advogado cita caso em que uma empresa de São Paulo contratando outra de Nova York escolheu dirimir suas lides no Rio.
O presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Luiz Flávio D'Urso, confirma que tem sido constante essa busca de alternativa fora de São Paulo. "Especialmente por empresas que já litigaram nos estados e sabem a diferença", diz.
Cristiano Zanin Martins, sócio do Teixeira, Martins & Advogados, afirma que, além da arbitragem, muitos contratos já preveem deixar a disputa fora de São Paulo. "O acúmulo de trabalhos, somados a greves dos servidores, implica em tempo maior de litígio", diz. Nesse ano, houve paralisação recorde de quatro meses.
O advogado acrescenta outro motivo para a preferência pelo Rio de Janeiro: a presença de varas empresariais especializadas, em que os juízes têm grande vivência nesse tipo de conflito entre companhias - o que ainda não existe em São Paulo. Martins lembra ainda que mesmo os contratos que preveem a arbitragem elegem o Rio para possíveis medidas urgentes.
O presidente da OAB-SP ressalta que um levantamento feito pela entidade há dois anos indicou que um processo demora cerca de oito anos para ser julgado nas duas instâncias do Judiciário paulista. No Rio, esse tempo cai pela metade: são quatro anos em média. O prazo é ainda menor ao analisar apenas os processos julgados na segunda instância, no Tribunal de Justiça do Rio. De acordo com o Anuário da Justiça do Rio de Janeiro 2010, um recurso leva em média 80 dias para ser julgado.
Segundo a publicação, lançada ontem, o TJ-RJ julgou, de julho de 2009 a junho de 2010, 215 mil recursos. No mesmo período deram entrada 170 mil recursos, ou seja, foram solucionados recursos que estavam em estoque.
Maurício Cardoso, editor executivo do Anuário, explica que o Rio tem um tribunal focado na eficiência, na gestão administrativa, na autonomia financeira e na tecnologia. "Existem práticas administrativas modernas. É como uma empresa, com cobranças por metas e desempenhos. O resultado é que o tribunal, o mais rápido entre os de grande porte do Brasil, dá respostas efetivas para a sociedade. É uma postura e mentalidade diferentes", diz.
D'Urso destaca que os recursos do Tribunal de Justiça paulista são precários. "O TJ-SP não tem autonomia financeira: o dinheiro das custas não fica no tribunal e o orçamento depende de aprovação do Legislativo. O tribunal não tem dinheiro e informatização efetiva, o que leva à morosidade que prejudica cidadão e empresas".
Rodrigo Giordano de Castro, da área cível do Peixoto e Cury Advogados, ressalta que a transferência dos conflitos que poderiam estar em São Paulo para outros lugares do País pode acabar "espalhando a morosidade". "As despesas podem aumentar e a distância contribuir para a lentidão. A citação judicial, por exemplo, pode levar mais tempo", completa o especialista.
O sócio do Fragata e Antunes Advogados Alexandre Nassar afirma que o tribunal do Rio é mais rápido em ações de massa, já consolidadas. "Para questões específicas, não acredito que haja vantagem", analisa.
Veículo: DCI