Apesar dos excelentes resultados que produziu, em vinte anos de vigência, completados no segundo semestre do ano passado, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) vai ser reformado para se adaptar à evolução da tecnologia, à diversificação da economia e à expansão do mercado financeiro. Quando entrou em vigor, em 1990, o comércio eletrônico não existia e os problemas de superendividamento das famílias eram incipientes.
Previsto pela Constituição de 88, o CDC foi promulgado com atraso de 10 anos, por causa da oposição de entidades empresariais. Mas, com o tempo, as resistências foram diminuindo, a indústria e o comércio se adaptaram aos seus dispositivos e ele se tornou um marco na história da iniciativa privada e uma revolução no direito econômico brasileiro. Inspirado nas legislações alemã, sueca e americana e formulado com base num projeto preparado por promotores de Justiça, engenheiros de produção, dirigentes do Procon de São Paulo e professores da USP, o CDC modernizou as relações entre produtores e consumidores, estabelecendo responsabilidades mínimas para fabricantes e vendedores e acabando com contratos redigidos em letras miúdas para iludir compradores de mercadorias e serviços.
Entre os juristas que o Senado escolheu há um mês para integrar a comissão de reforma, vários participaram da redação do CDC, no final da década de 1980. É o caso do presidente da comissão, Herman Benjamin, que é ministro do STJ; da relatora Cláudia de Lima Marques, que já trabalhou em organismos multilaterais e assessorou a Secretaria de Direito Econômico, em matéria de proteção ao consumidor; e da professora Ada Grinover, da USP. Além de serem especialistas respeitados no País e no exterior, os integrantes da comissão trabalham juntos há anos, tendo criado o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - o mais respeitado do setor.
Por isso, a comissão sabe quais são os pontos que precisam ser atacados, o que vai ajudar a preservar a essência do CDC. Como tramitam no Senado e na Câmara 224 projetos e emendas propondo as mais variadas alterações no CDC, os especialistas temiam que, sem a nomeação de uma comissão de juristas, a legislação de defesa do consumidor corria o risco de ser desfigurada. Nomeada em dezembro e tendo apenas 180 dias para concluir seus trabalhos, a comissão já compilou todos esses projetos, analisou as mudanças que o Congresso aprovou em matéria de direito do consumidor nos últimos anos, decidiu que as inovações mais técnicas serão implementadas por meio de lei complementar - a fim de que o CDC não desça a minúcias - e anunciou que suas propostas serão submetidas a audiências públicas, antes de serem enviadas à presidência do Senado.
A comissão também já fixou os temas prioritários, dentre os quais se destacam o fortalecimento dos Procons e a regulamentação das operações comerciais pela internet. O tema mais importante é o superendividamento das famílias, que não foi tratado na época em que o CDC foi promulgado por causa da inflação e da resistência dos bancos. Com a estabilização da moeda, o ingresso de 50 milhões de consumidores no mercado financeiro e a expansão do crédito, diz o ministro Herman Benjamin, já era hora de estabelecer regras claras para disciplinar o consumo de serviços financeiros. Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio, 59,4% de um total de 17,8 mil famílias entrevistadas estão endividadas - desse porcentual, 22% estão com as contas em atraso e 7,9% não têm como quitar as dívidas. A comissão quer introduzir no País as mesmas regras já adotadas na União Europeia e nos Estados Unidos para ampliar a transparência das operações de crédito e aumentar o grau de conscientização e o volume de informação dos consumidores.
As iniciativas tomadas pela comissão foram bem recebidas no Judiciário, no Ministério Público, nas Defensorias Públicas, nos Procons e em órgãos da sociedade civil. O único foco de resistência está no sistema financeiro - que sempre se opôs à expansão da legislação de defesa do consumidor no País.
Veículo: O Estado de S.Paulo