Pela primeira vez no Brasil, executivos foram condenados à prisão por uso de informação privilegiada. Os ex-executivos da Sadia Luiz Gonzaga Murat Filho e Romano Ancelmo Fontana Filho receberam penas de 1 ano e 9 meses e de 1 ano e 5 meses, respectivamente, por negociarem irregularmente ações da Perdigão antes da oferta de compra da empresa feita pela Sadia, em 2006.
Apesar da sentença histórica, que também inclui multas de mais de R$ 700 mil, porém, os executivos não vão efetivamente cumprir pena atrás das grades. Eles tiveram o benefício de poder converter suas penas em prestação de serviços à comunidade. Como pena alternativa, também foi estabelecido que abram mão de cargos de administrador e de conselheiro fiscal de companhias abertas.
Os dois ainda vão recorrer do processo em liberdade, e, enquanto não houver decisão final, não precisam prestar serviços à comunidade e podem continuar trabalhando normalmente. "No mundo inteiro, em Estados de direito como o nosso, deixa-se a prisão efetiva para situações que realmente reclamem esse tipo de penalidade. A possibilidade de suavizar a pena não é usada só no Brasil. Mas isso não significa que não vamos recorrer da decisão", diz Alexandre Pinheiro, chefe da Procuradoria Federal Especializada da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Mesmo assim, a condenação é considerada uma sinalização de novos tempos em julgamentos desse tipo. "É um marco histórico, um divisor de águas", diz Pinheiro. "Mostra que esse tipo de crime tem uma resposta estatal em todas as esferas (não apenas administrativa, mas também criminal). Completa-se um ciclo."
A prática de uso de informações privilegiadas para lucrar no mercado de ações é considerada crime no País desde 2002 pela Lei das S/A, por ferir o princípio básico de que todos os participantes do mercado têm direito às mesmas informações.
De acordo com o processo, Murat, que era diretor de Finanças e Relações com Investidores da Sadia, e Fontana, que era membro do Conselho de Administração, usaram as informações que tinham da proposta hostil de compra da Perdigão pela Sadia para lucrar na Bolsa. Juntos, os dois executivos ganharam cerca de US$ 197 mil com as operações com papéis da Perdigão negociados na Bolsa de Valores de Nova York (ADRs). Segundo a denúncia, Murat cometeu o crime duas vezes, e Fontana, outras quatro.
Parceria. O Ministério Público Federal (MPF), representado pelo procurador Rodrigo de Grandis, e a CVM fizeram a acusação inicial em parceria e já recorreram da decisão da primeira instância, tomada pela 6.ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Os órgãos pleiteiam, entre outras alterações, uma pena maior de prisão para os acusados.
Isso significa que este mesmo caso, em tese, ainda pode levar os executivos à cadeia em outras instâncias. O processo vai para o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3.ª Região e, posteriormente, caso haja recurso, pode chegar aos tribunais superiores. A defesa dos dois condenados vai recorrer, pedindo absolvição, e afirma que há inconsistências na acusação.
"Eles consideraram, por exemplo, uma reunião embrionária em que se cogitou o assunto (fusão da Sadia e da Perdigão) como informação privilegiada", alega o advogado de Murat, Celso Vilardi. Um terceiro acusado foi citado nos casos no Brasil e nos EUA, Alexandre Ponzio de Azevedo, então superintendente na instituição financeira que prestou assessoria à Sadia na montagem da oferta hostil que a companhia fez para comprar o controle da Perdigão. Ele fez acordo com as duas autarquias. Pagou US$ 135 mil à SEC e R$ 238 mil à CVM.
Veículo: O Estado de S.Paulo