Consumidores têm muitas interrogações sobre medida que deverá ser sancionada em breve pela Presidente da República, Dilma Rousseff.
O consumidor que quiser fazer parte do Cadastro Positivo – também conhecido como o cadastro do bom pagador – já pode assinar um termo de autorização em um birô de crédito desde o dia 18 de maio, quando o projeto foi aprovado pelo Senado Federal.
Mesmo assim, o Cadastro Positivo é pouco conhecido pela população. Até profissionais do setor financeiro ouvidos pela reportagem do Diário do Comércio na Avenida Paulista, em São Paulo, disseram não ter muito conhecimento sobre o assunto. De dez entrevistados, seis afirmaram ter alguma informação sobre o projeto, por jornal, TV ou internet. E quatro tiveram de ouvir uma explicação da reportagem para emitir uma opinião. Uma percepção comum entre os entrevistados é a de que o Cadastro Positivo pode diferenciar as pessoas e até mesmo comprometer a privacidade.
O bancário Délcio Miyashiro, de 54 anos, disse ter conhecimento sobre o cadastro, mas não muito. "Parece um projeto bom porque hoje todos pagam por causa de alguns", disse.
De fato, o cálculo das taxas de juros inclui o risco, ou seja, a probabilidade de uma parte dos consumidores não pagarem um empréstimo ou financiamento. "É como o consumo de água em um edifício. No rateio da conta, o morador solteiro paga pela média dos outros, ou seja, o mesmo valor que uma família inteira paga por mês. Com o hidrômetro, que mede o consumo individual, cada um paga conforme seu comportamento. Assim ocorre com o Cadastro Positivo", afirmou o economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Marcel Solimeo.
Mesmo assim, o auxiliar de zoonoses Jorge Penteadura da Costa, 43 anos, que pesquisou sobre o Cadastro Positivo na internet, considerou a medida discriminatória. "Eu tenho o nome limpo, mas acho injusto ter privilégio por isso. Não é certo diferenciar as pessoas", afirmou. Para Costa, a sociedade precisa de mais informação sobre o assunto para opinar.
Quem compartilha dessa opinião é a estudante de Ciências Sociais Natame Diniz, de 21 anos. "Não sei se é bom separar as pessoas porque a pessoa pode ser uma boa pagadora hoje, mas ter um problema e ir para a lista de maus pagadores", disse.
Histórico –O diretor de produtos e soluções da Boa Vista Serviços (da ACSP, que publica este Diário do Comércio), Leonardo Soares, afirmou que com o Cadastro Positivo ocorrerá justamente o oposto. "Hoje é assim: o mercado pune demais o consumidor que teve um problema e deixou de pagar em dia no mês passado, mesmo que foi pontual nos últimos 30 anos. Com o Cadastro Positivo, a tendência é que o credor analise o histórico", afirmou Soares. Além disso, o consumidor pode organizar as contas e voltar a ser bom pagador.
O pedreiro Ariovaldo Gomes, de 26 anos, não sabia do projeto, mas gostou. "Parece bom. Se realmente baixar o juro, eu colocaria meu nome no Cadastro, desde que não tenha custo", disse. Gomes prefere ter uma redução nos juros, já que costuma usar bastante o crédito para fazer compras.
A vendedora Aline Carmo, de 19 anos, parcela pouco suas compras, em média em duas vezes, mas não colocaria o nome no cadastro. "Não tinha ouvido falar, mas acho que a informação sobre se eu pago ou não minhas contas em dia é muito pessoal", afirmou.
Essa é praticamente a mesma sensação relatada pelo bancário Alexandre Fernandes, de 28 anos, que se preocupa com a invasão de privacidade. "Acho que mesmo que haja uma redução nas taxas de juros, essa exposição não vale a pena. Me preocupo sobre como essa informação pode ser usada. Será preciso regras severas de confidencialidade", disse.
O ator Pedro Billó, de 23 anos, teme a utilização de suas informações por departamentos de marketing de empresas. "Acho o cadastro bem legal, mas precisa ser usado com consciência. Eu usaria apenas para conseguir crédito", afirmou.
Por causa do mesmo receio, a estudante de Artes Cênicas Yvie Tinoco, de 21 anos, disse que vai esperar para ver se os consumidores que optarem pelo Cadastro Positivo terão benefícios, como menor taxa de juros. "Quero saber o quanto vai ser e se haverá custo", afirmou.
Segundo Solimeo, da ACSP, algumas impressões do consumidor são fruto de falta de informação. A preocupação do ator Billó, por exemplo, é desnecessária, já que, por lei, o Cadastro Positivo só será acessado por motivo de concessão de crédito e não por departamentos de marketing. Além disso, o consumidor pode, a cada quatro meses, verificar os nomes das empresas que acessaram seus dados. A lei permite que o consumidor retire seu nome do cadastro a qualquer momento.
Segundo Soares, a Boa Vista Serviços oferecerá um plano de benefícios ao consumidor que optar pelo Cadastro Positivo da empresa. "Ele poderá fazer consultas, renegociar dívidas e obter orientações", afirmou.
Sobre a redução das taxas, a estimativa do mercado é que leve cerca de dois anos para que consumidores, varejo e financeiras estejam adaptados ao cadastro e passem a usá-lo para negociar juros menores.
O projeto do Cadastro Positivo aguarda a sanção da Presidente da República, Dilma Rousseff, que deve ocorrer até o dia 9 de junho.
Esclarecendo as dúvidas
O que é o Cadastro Positivo?
O Cadastro Positivo é um banco de dados que reúne informações sobre a pontualidade do consumidor no pagamento de contas e registra seus compromissos e hábitos. Esse banco de dados não é único. Cada birô de crédito poderá montar Cadastros Positivos. São tais empresas as responsáveis por transmitir essas informações aos bancos, lojas e demais instituições que oferecem crédito.
Como é hoje?
Atualmente, existe apenas o cadastro negativo, composto por informações referentes a dívidas que não foram pagas. As instituições financeiras e varejo usam essas informações para conceder crédito.
Para que serve?
O objetivo do cadastro é que o consumidor possa ser avaliado pelo seu histórico de pagamentos e, com ele, negocie condições melhores na obtenção de crédito, como uma taxa de juros menor, por exemplo.
Como aderir?
Basta preencher e assinar um termo de autorização de um birô de crédito. Ou por meio de uma cláusula à parte em um contrato de crédito (empréstimo, financiamento, cartão de loja, compra parcelada, por exemplo).
Quais informações constam no Cadastro Positivo?
Pagamentos efetuados, empréstimos ou financiamentos contratados, valores envolvidos, prazos de pagamento pactuados, número e valor das parcelas, saldo a pagar, garantias contratuais celebradas etc.
Por quanto tempo as informações ficam no banco de dados?
Por 15 anos.
Quem consulta as informações do Cadastro Positivo?
O consumidor que se cadastrou, a cada quatro meses, além de empresas que são clientes do gestor do banco de dados. As informações só podem ser acessadas para fins de concessão de crédito ou realização de venda a prazo ou outras transações comerciais e empresariais.
O que acontece a quem está no Cadastro Positivo e deixa de pagar uma conta?
O consumidor continua no Cadastro Positivo, mas a informação vai ficar registrada em seu histórico.
Por que o Cadastro Positivo pode ser bom?
Para negociação de taxa menor de juros em empréstimos e financiamentos, por exemplo. Cada empresa usará o cadastro de uma maneira. Ele pode ser usado para evitar que as famílias se exponham ao superendividamento. Hoje, por exemplo, um consumidor pode obter limites de créditos iguais em diversos bancos, com base apenas no valor do salário. Com o Cadastro Positivo, o banco X pode ver o quanto o consumidor utilizou do limite do banco Y e, assim, acompanhar a capacidade real de pagamento do correntista.
Em quais países existe Cadastro Positivo?
Estados Unidos, Canadá, Argentina, Panamá, México, Chile, Colômbia, África do Sul, Alemanha, Inglaterra, Itália, Austrália e China (pelo governo).
Veículo: Diário do Comércio - SP