Integrada por advogados, promotores, procuradores e juízes que se destacaram na defesa do Código de Defesa do Consumidor (CDC), desde sua entrada em vigor, há cerca de 20 anos, a comissão de especialistas constituída pelo Senado para atualizá-lo acaba de apresentar suas propostas. Constituída em dezembro de 2010, ela trabalhou em ritmo acelerado e buscou adequar o direito de defesa do consumidor aos avanços da internet, à diversificação da economia e à expansão do mercado financeiro.
Previsto pela Constituição de 88, o CDC foi sancionado com atraso de quase 10 anos, por causa da oposição de entidades empresariais. Mas, com o tempo, as resistências diminuíram, a indústria e o comércio se adaptaram aos seus dispositivos e ele se tornou um marco na história da iniciativa privada, ao promover uma revolução no direito econômico brasileiro. Inspirado nas legislações alemã, sueca e americana e formulado com base num anteprojeto preparado por promotores de Justiça, engenheiros de produção, dirigentes do Procon de São Paulo, procuradores do Estado e professores da USP, o CDC modernizou as relações entre produtores e consumidores.
O Código proíbe publicidade enganosa e a propaganda disfarçada nos meios de comunicação, estabelece responsabilidades mínimas para fabricantes e vendedores e acaba com contratos redigidos em letras miúdas para iludir compradores de mercadorias e serviços. Além disso, obriga fabricantes, vendedores e prestadores de serviços a fornecer assistência técnica aos consumidores e a incluir nas embalagens e contratos informações claras e didáticas sobre as especificações técnicas dos produtos.
Em termos institucionais, o CDC aumentou as prerrogativas do Ministério Público (MP) e obrigou os Estados a criar órgãos para receber reclamações dos consumidores, nos moldes do Procon paulista. Um dos pontos positivos do CDC foi a criação de mecanismos jurídicos que permitem substituir as ações judiciais por negociações e acordos conduzidos pelo MP e pelos Procons. Isso estimulou o aparecimento de novos mecanismos de resolução de conflitos, como a mediação e a arbitragem.
Mas, apesar desses avanços, o CDC sofreu o desgaste do tempo. Quando foi escrito, o comércio e a propaganda eletrônicas não existiam e os problemas de superendividamento das famílias, decorrentes da expansão da oferta de cartões de crédito e do crédito consignado, pelas instituições financeiras, ainda eram incipientes.
Entre as propostas de modernização do CDC apresentadas pela comissão de especialistas do Senado, destaca-se o enquadramento dos intermediários na concessão de crédito - as empresas que emprestam dinheiro, mas não são classificadas como instituições financeiras, não estando sujeitas à fiscalização do Banco Central. A comissão quer que elas sejam obrigadas a deixar claro o valor das taxas dos empréstimos e exige mais objetividade e precisão nas informações prestadas pelos bancos aos seus clientes. Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio, cerca de 60% de um total de 17,8 mil famílias entrevistadas estão muito endividadas - e 7,9% não têm como quitar as dívidas. "Bom para a economia é o crédito saudável. A democratização do crédito trouxe perigo às famílias. Deve haver regras para evitar a falência da pessoa física", diz a jurista Cláudia Marques, integrante da comissão.
Para assegurar a privacidade do consumidor, outra proposta importante é a que pune o envio de mensagens não autorizadas, seja pela internet ou por telefone. As empresas que vendem pela internet também terão de destacar nos sites seus endereços físicos, as formas de entrega e data de recebimento do produto pelos compradores e os critérios para a eventual devolução do bem comprado.
A partir do segundo semestre, as propostas serão submetidas a audiências públicas no Congresso. Vários órgãos de defesa dos direitos do consumidor reclamam que não foram ouvidos pela comissão de especialistas do Senado. As audiências serão uma oportunidade para isso.
Veículo: O Estado de S.Paulo