Consumidor teme cadastro positivo

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Além de convencer bancos, financeiras, concessionárias de serviços públicos e varejistas a buscarem, entre seus clientes, adesões ao chamado cadastro positivo, os tradicionais birôs de crédito terão também de vencer a falta de conhecimento e a resistência dos próprios consumidores.

 

Quase três meses depois de sancionada a lei que autoriza a inclusão do perfil de bons pagadores em bancos de dados - desde que com autorização expressa do tomador de crédito - com o objetivo de reduzir os juros para esses tomadores, tanto a desinformação sobre o tema como a hesitação demonstrada pelo consumidor na hora de assinar a autorização aparecem como fortes obstáculos à iniciativa.

 

Esses são alguns dos resultados da primeira pesquisa nacional sobre cadastro positivo, feita pela Boa Vista, administradora do Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC), e antecipada para o Valor. O objetivo é conhecer e entender a expectativa do brasileiro sobre a iniciativa, que demorou anos para ser aprovada e saiu com características criticadas por especialistas.

 

Da amostra de 1,3 mil entrevistados (representativa de 74% da população do país), 86% nunca tinham ouvido falar em cadastro positivo. Após a novidade ser apresentada aos "desinformados", a proposta do cadastro positivo conquistou a avaliação final ótima ou boa de 82%. Essa aprovação, no entanto, cai para 50% no momento que se toma ciência da necessidade de assinar a autorização de inclusão do CPF na lista de bons pagadores.

 

A ideia de ter o nome limpo e obter facilidades no momento da compra, vantagens atribuídas ao cadastro positivo, esbarra no desconhecimento de suas regras. O receio sobre as consequências envolvidas em caso de deslize do consumidor (leia-se inadimplência) é um dos principais fatores que desestimulam a autorização para a inclusão dos dados, de acordo com a pesquisa da Boa Vista.

 

"O cadastro positivo é uma mudança de paradigma em relação ao modelo atual de análise de crédito, baseado em restrições", explica Dorival Dourado, presidente da Boa Vista. "O consumidor tem hoje uma experiência ruim quando vai ao birô. Agora, ela pode ser boa", acrescenta diretor de produtos Leonardo Soares. Ao contrário do cadastro negativo, o famoso "nome sujo", o objetivo do cadastro positivo é listar os nomes dos consumidores e empresas que pagam suas contas em dia. A vantagem para os bons pagadores estaria em uma taxa de juro melhor nos empréstimos.

 

"Por ser um fato novo para a sociedade brasileira, no entanto, exige uma curva de aprendizado", diz Dourado. Esse amadurecimento, na opinião do executivo, pode levar até dois anos. Com a pesquisa de opinião sobre o tema em mãos, a Boa Vista espera ter subsídios para planejar os próximos passos da implementação de seu cadastro positivo.

 

A Boa Vista já começou a capturar autorizações para seu cadastro positivo por meio de acordos com alguns varejistas, segundo Soares. A quantidade de adesões, porém, não é revelada. "Vamos assinar acordos com duas instituições financeiras de peso para atuar de maneira mais massificada", diz. "A primeira etapa é cadastrar os participantes, a segunda, formar um banco de dados para, finalmente, discutirmos como operacionalizar o cadastro."

 

Mas, até lá, tanto a Boa Vista como outros birôs de crédito têm o desafio de aumentar o número de pessoas dispostas a participar da lista de bons pagadores. A grande questão é explicar em detalhes como funcionará esse modelo. A missão, segundo Dourado, passa pela educação financeira da população. "É preciso ter exposição de mídia, publicidade sobre os potenciais benefícios da iniciativa", diz.

 

Para participar do cadastro positivo, o consumidor vai ter que autorizar cada instituição com quem tem relacionamento de crédito para incluir suas informações, atuais ou históricas. A partir do ingresso do CPF num determinado birô, todos os outros passam a ter acesso automático àqueles dados. No cadastro vão constar todas as operações ativas (crédito), o prazo, o número de prestações pagas e se há parcelas em aberto.

 

Apesar das limitações apontadas pela pesquisa da Boa Vista para a implementação do cadastro positivo no país, os executivos da empresa de análise de crédito estão otimistas. "Se considerarmos que ainda não foi feita campanha com bancos e financeiras ou um programa de conscientização, o índice de aceitação da proposta é expressivo", diz Dourado.

 

Em maio deste ano, quando o cadastro positivo ainda não havia sido regulamentado, a Boa Vista realizou uma consulta popular que mostrava um desconhecimento sobre o tema por parte de 89% dos entrevistados. Na pesquisa de agosto, esse número recuou para 86%. A avaliação é de que, mesmo no período de seu lançamento, o cadastro positivo ainda não teve o tempo de exposição necessário para aumentar seu conhecimento espontâneo.

 

O quadro de oportunidades também encontra reflexos no perfil das pessoas que demonstraram maior interesse em aderir ao cadastro positivo. De acordo com a pesquisa da Boa Vista, são as mesmas pessoas que encontram dificuldades para realizar compras financiadas. O peso da informalidade é grande e, por isso, o cadastro positivo poderá ser melhor trabalhado pelos birôs de crédito junto a esse público como uma ferramenta de avaliação do comportamento de pagamento das pessoas, especialmente para aquelas que não têm conta em banco ou que não conseguem comprovar renda, mas pagam suas contas em dia.

 

Do total de entrevistados pela Boa Vista, 70% não têm carteira assinada e 45% não têm como comprovar renda. Além disso, 15% não têm como comprovar endereço e 14% não possuem telefone fixo. Esse indicadores são mais significativos nas camadas de renda mais baixas. Quase 80% das classes D e E não têm carteira assinada. O percentual de pessoas desses dois segmentos que não têm como comprovar endereço ou um número de telefone fixo para ser contactado é quase o dobro da média da população. O nível de desinformação acompanha a tendência: 33% dos "bancarizados" (quem tem conta-corrente, cartão de crédito ou talão de cheques) já ouviram falar do cadastro positivo, contra 17% dos "não-bancarizados".

 

Tais características demandariam, segundo os realizadores da pesquisa, "novas soluções, informações e processos para possibilitar o acesso ao crédito e a concretização do potencial de consumo dessa camada da população". A lógica de concessão de crédito adotada hoje não seria suficiente para atender a essa massa de consumidores. A expectativa é que, com o cadastro positivo, mais pessoas passem a acessar produtos que não poderiam comprar antes.

 


Veículo: Valor Econômico


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