As férias do presidente do Cade, Fernando Furlan, e o passeio de carro que ele fazia com a mulher entre o Himalaia e o Tibete, na China, foram interrompidos por uma notícia inesperada: o Congresso aprovou o projeto da nova lei antitruste.
"Acho que foram minhas orações a Buda", afirmou Furlan ao Valor, por telefone. O projeto de lei tramitou por mais de seis anos no Congresso, o que deixou muitos integrantes do Cade céticos quanto à possibilidade de aprovação. Agora, com o texto aprovado na noite do dia 5, eles trocaram o ceticismo pelo trabalho de criar um novo órgão enquanto o atual tem que continuar em funcionamento. Será algo como trocar o pneu com o carro andando.
"Temos muitos desafios pela frente", admitiu Furlan. O primeiro será o de obter uma nova sede para receber os 200 técnicos que serão necessários para que o Super Cade cumpra a função de analisar fusões e aquisições previamente - o principal ponto da nova lei.
Uma vez alojado, o Super Cade será dividido em dois. Haverá um tribunal com sete conselheiros, como ocorre hoje, e uma superintendência-geral, que terá duas funções. A primeira será a de conduzir as investigações de cartel - hoje feitas pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça. Para cumprir essa função, todo o Departamento de Proteção e Defesa Econômica - equivalente a mais da metade da SDE - será transferido para o Super Cade.
A SDE será substituída por uma Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, segundo confirmou, ontem, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Ele enfatizou que, como o projeto passou pelo Ministério do Planejamento, os 200 cargos serão criados, mesmo com o governo em fase de contenção de gastos. "Teremos um órgão aparelhado e bem estruturado em suas competências", disse Cardozo. "Será bom para o mercado, para os brasileiros e para o país", resumiu.
A segunda tarefa da superintendência-geral será a de analisar os negócios das empresas em tempo hábil para evitar que eles fiquem travados, à espera de uma decisão. As fusões simples, por exemplo, vão receber um pedido de aprovação imediata. Já os casos complexos vão ter uma tramitação que pode se alongar até o máximo de 330 dias. Hoje, o Cade demora até dois anos para julgar esses processos, a exemplo do que aconteceu com a compra da Sadia pela Perdigão ou a aquisição da Garoto pela Nestlé.
Agora, as empresas vão ter que ser ágeis para prestar todas as informações possíveis para que o Cade possa julgar os seus negócios rapidamente. "A análise prévia das fusões evitará problemas como os que aconteceram com a compra da Garoto pela Nestlé", avaliou o advogado José Del Chiaro, referindo-se ao negócio que foi fechado pelas empresas, em 2002, vetado pelo Cade, em 2004, e, até hoje, aguarda decisão do Judiciário.
O número de negócios que o Cade analisa hoje deve diminuir, pois, hoje, as empresas que faturam mais de R$ 400 milhões são obrigadas a submeter todos os seus negócios para o órgão antitruste julgar, inclusive a compra de pequenas companhias. Isso inunda o Cade de pequenos processos e tira o tempo necessário para decidir sobre grandes fusões. Já a nova lei estabelece que só vão ser julgadas as fusões e aquisições envolvendo uma empresa que faturar R$ 400 milhões e outra que obtenha R$ 30 milhões. Ou seja, apenas negócios de porte médio para grande serão de fato apresentados.
A transição do Cade atual para o Super Cade terá seis meses contados a partir da sanção da nova lei pela presidente Dilma Rousseff. "Nesse meio tempo, a Lei Antitruste atual (nº 8.884) continua em vigor", afirmou o secretário de Direito Econômico, Vinícius Carvalho. Ele disse que foram organizados grupos específicos envolvendo o Cade, a SDE e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda para fazer a transição.
O conselheiro Olavo Chinaglia explicou que o prazo de transição pode ser ampliado, caso as empresas peçam que a sua fusão seja analisada pela lei anterior. As fusões que estão em análise no órgão antitruste, como a união entre Pão de Açúcar e as Casas Bahia, ou a compra da Webjet pela Gol, também permanecem sob a Lei nº 8.884. OU seja, não podem ser aprovadas de imediato ou no prazo máximo de 330 dias que foi previsto pela nova lei.
Outra mudança importante foi a previsão de que a multa máxima por cartel seja de 30% do faturamento da empresa no setor em que houve a infração, e não mais do faturamento total da empresa, como é hoje. Carvalho disse que isso não vai implicar em redução de pena, pois o Super Cade vai poder aplicar multas equivalentes aos danos causados pelas empresas nos consumidores. "Se o dano for superior a 30% do faturamento, poderemos aplicar multas ainda maiores", enfatizou Carvalho.
Veículo: Valor Econômico