A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proibiu as empresas de telefonia de exigir comprovantes de crédito dos consumidores para habilitar serviços de celular pós-pago. Também decidiu que as operadoras não podem fazer consulta prévia a cadastros de inadimplência, como SPC e Serasa, como justificativa para negar as linhas. Segundo o tribunal, o único motivo plausível para recusar o serviço seria a existência de dívidas com a própria concessionária.
O entendimento foi firmado no julgamento de um recurso da Claro e da TIM Nordeste, processadas pelo Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco por condicionar a habilitação do serviço pós-pago à apresentação, pelo consumidor, de comprovantes de crédito, como valores depositados em conta corrente, poupança ou limite do cartão de crédito.
Além da discussão de mérito, um aspecto chamou a atenção: a decisão condena a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a pagar uma indenização por sua "omissão" em fiscalizar as operadoras, e exige um acompanhamento do problema. O valor da indenização, a ser definido em primeira instância, será revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, coordenado pelo Ministério da Justiça. O objetivo do fundo é reparar danos ao consumidor, ao meio ambiente e a bens de valor histórico ou artístico. Ainda cabe recurso da decisão.
O MPF em Pernambuco, autor da ação, argumentou que a Claro e a TIM Nordeste agiram de forma abusiva. Segundo os procuradores, a telefonia móvel é um serviço público, e recusá-lo a um grupo de consumidores seria uma forma de discriminação.
As telefônicas argumentaram que a exigência de comprovante de crédito seria autorizada pela Resolução nº 316 da Anatel, de 2002 - segundo a qual consumidores inadimplentes, inclusive perante terceiros, têm que ser obrigatoriamente atendidos, "no mínimo mediante planos alternativos de serviço". As concessionárias ressaltaram que o serviço pré-pago seria esse plano alternativo. Alegaram ainda que a habilitação indiscriminada das linhas resultaria no aumento das tarifas, pois as perdas com a inadimplência teriam que ser repassadas aos usuários que pagam sua contas em dia.
Outro argumento das concessionárias foi o de que a telefonia celular não seria um serviço público essencial, sujeito à universalização - mas sim regulamentado pelo direito privado, o que possibilitaria a exigência de comprovação de capacidade financeira.
O STJ deu razão ao MPF, negando o recurso das operadoras. Com isso, foi mantida a decisão do Tribunal Regional Federal da (TRF) 5ª Região, que condenou tanto as empresas quanto a Anatel. Segundo o TRF, "a conduta da Anatel esteve muito aquém do esperado, revelando-se apática no seu dever de fiscalizar e omissa no de punir as infrações cometidas pelas concessionárias".
Ao analisar a tese das operadoras, o STJ afirmou que é preciso balancear os princípios da livre iniciativa e da intervenção estatal mínima, invocados pela defesa, com outras regras fundamentais - como o respeito ao usuário e a função social do serviço de telefonia. O relator do caso, ministro Teori Albino Zavascki, mencionou o direito do usuário "de não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do serviço", e o dever da prestadora de "possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público a serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição socioeconômica".
Procuradas pelo Valor, a Anatel e a Claro afirmaram que não comentam processos judiciais em andamento. A Tim Nordeste afirmou que suas lojas cumprem o Código de Defesa do Consumidor e os regulamentos da Anatel, e que "procura treinar seus vendedores para que possam indicar planos e serviços adequados aos diversos perfis de consumo".
Advogados consultados pelo Valor afirmam que a decisão inova ao condenar a Anatel a fiscalizar as operadoras e a pagar indenização por omissão. "As empresas de telecomunicação são as que apresentam maior número de reclamações no Procon", diz Flávia Lefèvre, advogada da Proteste, uma associação de defesa do consumidor em São Paulo. "Se o Poder Judiciário começar a penalizar a Anatel, quem sabe não começamos a ter pressão para que a agência se posicione um pouco mais em favor do consumidor?"
Para o advogado Bruno Barata, do escritório Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados, a condenação das operadoras está de acordo com a orientação geral de não se permitir a imposição, aos consumidores, de exigências abusivas.
Veículo: Valor Econômico