O Tribunal Superior do Trabalho (TST) começou a julgar um pedido de condenação de R$ 1 milhão contra a Souza Cruz pelo uso de funcionários na degustação de cigarros. Na ação, o Ministério Público do Trabalho (MPT) quer que a Justiça proíba o chamado "painel sensorial do fumo". Polêmica, a discussão divide a opinião de magistrados. Já tomou também a atenção de advogados. Eles entendem que a futura decisão terá impacto sobre as indústrias de bebidas, alimentos e cosméticos, que alocam empregados para experimentar e fazer o controle de qualidade de seus produtos.
O próprio TST já condenou, em 2008, a Ambev a indenizar um funcionário alcoólatra que teve a doença agravada por degustar cerveja durante 15 anos. Uma indústria de Porto Alegre, especializada em alimentos prontos, foi obrigada a pagar R$ 30 mil por dano moral a uma empregada responsável por provar os lanches produzidos. Ela se tornou obesa durante o contrato de trabalho.
Advogados trabalhistas afirmam ainda que a decisão poderá ser precedente para regular normas de segurança do trabalho. Citam os setores de aviação e petróleo, que utilizam mão de obra em atividades perigosas, como no abastecimento de aeronaves e no mergulho de altas profundidades para exploração e manutenção dos poços de petróleo. "O julgamento é histórico pelo impacto e pelas teses defendidas", diz o advogado Fabrício Trindade Sousa, do Demarest e Almeida Advogados.
Denunciado em 2002, o painel sensorial do fumo serve para o controle da qualidade dos cigarros produzidos pela Souza Cruz. "Máquina nenhuma consegue diferenciar o teor e sabor das folhas do tabaco. Há necessidade de uniformização do gosto", afirma o advogado Mozart Victor Russomano Neto, do Russomano Advocacia, que defende a empresa. A fabricante alega que os empregados são voluntários e fumantes há mais de dois anos.
Para o MPT, porém, há um incentivo ao vício. "A empresa deve buscar meios adequados para verificar a qualidade do produto, sem afetar a saúde do trabalhador", diz o procurador-geral do trabalho, Luis Antônio Camargo de Melo. A procuradoria argumenta ainda que os funcionários teriam contato também com os produtos de concorrentes da Souza Cruz. "Eles experimentam drogas e dosagens que nem mesmo o empregador conhece", afirma Melo. A Souza Cruz se defende com o argumento de que os funcionários não tragam a fumaça, apenas a mantém na boca para sentir a textura e amargura do tabaco.
O uso de empregados na degustação do cigarro foi proibido pela 7ª Turma do TST no ano passado. Na ocasião, porém, não determinaram o pagamento de indenização por danos morais coletivos. Como houve recursos da empresa e do MPT, 12 ministros da 1ª Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-I) - responsável por uniformizar a jurisprudência da Corte - deverão dar a palavra final sobre o caso.
Três soluções foram propostas no início do julgamento, suspenso pelo pedido de vista da ministra Delaíde Miranda Arantes. Os ministros Augusto César de Carvalho, relator do caso, e José Roberto Pimenta defenderam a proibição da atividade e pagamento de indenização por danos morais coletivos aos trabalhadores. Mas para o ministro Ives Gandra Martins Filho, a Souza Cruz não pode ser prejudicada. Isso porque a adesão dos funcionários à degustação seria voluntária e o Judiciário incompetente para vedar uma atividade lícita.
Como alternativa, o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho sugeriu uma escala de trabalho para os provadores. Os funcionários da fabricante de cigarros exerceriam a função durante seis meses e se afastariam da tarefa pelos três meses seguintes. Durante o período de atividade, teriam direito a descanso de uma semana para cada duas de trabalho.
O acordo, no entanto, foi rejeitado pela procuradoria do trabalho. A Souza Cruz, por outro lado estaria disposta a cumprir a exigência. "Porém, também defendemos que a Justiça não pode restringir uma atividade lícita", diz Russomano, acrescentando que a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho, prevê a atividade de "provador de charuto".
A seu favor, a Souza Cruz cita decisão do TST do início dos anos 2000 que teria negado uma ação que queria proibir a atividade de abastecimento de aeronaves. De acordo com Ricardo Gentil, advogado do Sindicato Nacional dos Aeroviários (SNA), a Justiça já reconheceu, porém, o direito ao adicional de periculosidade para os funcionários de companhias aéreas e empresas de apoio que acessam o pátio de manobra das aeronaves, onde é realizado o abastecimento. "Algumas companhias estão contratando com salário menor para pagar adicional de 30% sobre a remuneração", afirma.
Outros oito ministros da SDI-I vão se pronunciar sobre o caso da Souza Cruz. Advogados analisam, contudo, que independentemente da decisão, o caso poderá ser levado ao Supremo Tribunal Federal (STF). "A Justiça terá que decidir o que prepondera, a livre iniciativa ou o direito à saúde", diz Daniel Chiode, advogado do escritório Gasparini, De Cresci e Nogueira de Lima. "É um conflito entre duas garantias constitucionais."
Veículo: Valor Econômico