O dissídio coletivo de natureza jurídica não é o instrumento processual adequado para se discutir medidas de proteção em meio à crise de Covid-19 — tais como como afastamento de funcionários e fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs). Esse foi o entendimento adotado pela Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho em duas decisões recentes.
De acordo com os magistrados, esse tipo de ação tem a finalidade de obter da Justiça a interpretação de normas coletivas ou decisões para regulação específica de interesses da categoria. Em ambos os casos, os sindicatos autores pretendiam estabelecer obrigações às empresas com base em normas genéricas.
A seção ressaltou a importância dos pedidos e a necessidade de garantia de condições adequadas de trabalho, mas concluiu que o dissídio coletivo não seria cabível nas situações em questão.
Segundo o Regimento Interno da corte, o ajuizamento de dissídio coletivo de natureza pressupõe a existência de controvérsia entre a categoria profissional e a econômica sobre a interpretação de cláusulas de sentenças, instrumentos de negociação coletiva, acordos, convenções, atos normativos etc. A SDC também possui jurisprudência nesse sentido.
Primeiro caso
Em acórdão de meados de abril, a ministra relatora Dora Maria da Costa explicou que "nesse tipo de ação, os fatos devem estar lastreados em divergências acerca de normas preexistentes, quer em sua aplicação, quer em relação ao alcance da norma".
O dissídio em questão foi ajuizado pelo Sindicato dos Empregados em Entidades de Assistência Social de Orientação e Formação Profissional do Estado de Minas Gerais (Senalba-MG), buscando afastar funcionários de suas atividades presenciais. Os trabalhadores estariam trabalhando presencialmente, sob pena de perda de salários, sem que as empresas fornecessem EPIs ou tomassem providências para evitar a contaminação pela Covid-19.
A ministra destacou a emergência e excepcionalidade da crise sanitária e os esforços do sindicato para proteção da vida e saúde dos empregados vulneráveis. Porém, considerou que "a pretensão não seria viável pela via processual utilizada pelo suscitante, por apresentar nítido viés condenatório, não se configurando como conflito de interpretação".
De acordo com ela, o TST não permite o ajuizamento de dissídio "para a obtenção da interpretação e do alcance de normas legais de caráter genérico, porque a conclusão atingiria a universalidade dos trabalhadores, mesmo aqueles que não fossem parte no processo". Seu voto foi acompanhado por unanimidade.
Segundo caso
A SDC reforçou o entendimento em acórdão do início de maio. Desta vez, o Sindicato dos Hospitais, Clínicas, Casas de Saúde, Laboratórios de Pesquisas e Análises Clínicas do Estado de São Paulo (Sindhosp) buscava a reforma de uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. A corte havia determinado a obrigatoriedade de fornecimento irrestrito de álcool gel, gorros, óculos de proteção, máscaras, avental e luvas.
O ministro Caputo Bastos, relator do caso, explicou que a pretensão não se fundamentava na necessidade de interpretação de normas coletivas, mas na condenação de empresas a obrigações de fazer. Ele ressaltou que o dissídio não se destina à fixação de normas e condições, mas à delimitação de regras já existentes.
Assim, a pretensão não se enquadraria nas hipóteses de cabimento do dissídio coletivo de natureza jurídica. "Este óbice processual não pode ser superado para o exame de mérito da pretensão deduzida no presente feito", destacou.
Ficou parcialmente vencido o ministro Mauricio Godinho Delgado. Ele concordou que não foi usada a via processual adequada quanto Às pretensões condenatórias e coercitivas. Porém, considerou que os pedidos continham também uma pretensão declaratória sobre o alcance das cláusulas coletivas que tratam do fornecimento de EPIs. Com informações da assessoria do TST.
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10593-84.2020.5.03.0000
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1000924-17.2020.5.02.0000
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 07/06/2021