Os investimentos em criptomoedas estão cada vez mais em alta no Brasil e no mundo. Após recordes da moeda digital bitcoin em 2020, que foi valorizada em cerca de 300%, em março ela atingiu a marca de US$ 60 mil. Com tamanhos investimentos e utilização cada vez mais frequente, os criptoativos são dotados de valor econômico e, com isso, há a possibilidade de serem usados para a garantia de execuções fiscais.
A possibilidade de penhora de criptoativos, na sua espécie de criptomoedas, já obteve o aval dos tribunais brasileiros. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, foi a favor da penhora das criptomoedas em processos judiciais.
Os criptoativos são reconhecidos como ativo a partir da Instrução Normativa da Receita Federal 1.888/2019, que os define como "a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constituí moeda de curso legal". Observa-se que os criptoativos são bens no sentido jurídico e, portanto, podem constituir-se como um ativo do ponto de vista contábil e serem usados como meio de pagamento em qualquer lugar do mundo.
A confiabilidade e segurança dos criptoativos decorre do fato de que eles são transacionados por meio da tecnologia de banco de dados —blockchain. Essa tecnologia é usada para o funcionamento e transação dos criptoativos e consiste em uma base distribuída e gerenciada por uma rede ponto a ponto (peer to peer), a qual é composta por milhares de membros da comunidade e projetada para armazenar uma quantidade crescente de blocos perenes, sujeito ao protocolo que permite o registro e validação de novos blocos.
Por meio da IN 1.888/2019, a Receita Federal disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações sobre transações relacionadas à transação deste bem, sendo que é passível de penalidade tributária para aqueles que não prestarem as informações devidas. Nota-se que a própria Receita atribui valor econômico aos criptoativos; sendo assim, incontestável o fato de que eles possuem valor econômico dentro do sistema legal brasileiro.
A expressão em valor é dada em função de uma moeda física, ou seja, é dada em função das moedas tradicionais, o que não indica que ele não possui o seu próprio valor econômico. Nesse sentido, elas podem ser comparadas com outros títulos de crédito ou ainda com ações que expressam o seu valor por meio de uma moeda física, tradicional (garantida por um Estado) e apresenta valor econômico incontestável.
Assim, os criptoativos são projetados para funcionar como meio de troca na economia real e podem ser trocados por moedas fiduciárias emitidas pelo governo. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça da União Europeia indica que as criptomoedas, assim como as moedas tradicionais, servem para efetuar operações financeiras, com a ressalva de que as criptomoedas dependem de prévia aceitação entre as partes envolvidas na transação.
Semelhante às commodities, como o ouro, a taxa de câmbio dos criptoativos pode ser volátil. Os criptoativos são facilmente mensuráveis e divisíveis, facilmente transportados e sem a necessidade de transitar através das fronteiras internacionais como a moeda estrangeira, o que pode aumentar sua facilidade de uso e reduzir custos de transações transfronteiriças.
Nesse sentido, os criptoativos são muito semelhantes às ações, na medida em que tratam de valores relativamente voláteis e são bens móveis intangíveis.
Quanto à penhorabilidade, o Código de Processo Civil não elenca os criptoativos no rol taxativo de bens impenhoráveis, os quais são definidos pelo artigo 833. Ademais, eles se encontram nas hipóteses elencadas pelo artigo 835 do referido código, de modo que se enquadra no inciso XIII ("outros direitos"). Assim, apenas se pode inferir que tal bem é passível de penhora, bem como de ser considerado como garantia no processo de execução.
Além disso, a falta de uma autoridade local não apresenta qualquer tipo de óbice em relação à possibilidade de penhora desse bem.
A penhora possui como finalidade a garantia do prosseguimento da execução, afetando a expropriação de bens suficientes para a satisfação do credor. Todos os bens de propriedade do devedor ou dos responsáveis pelo débito são passíveis de penhora, desde que apresentem valor econômico.
A volatilidade desse tipo de bem é, muitas vezes, de menor oscilação que bens tidos como passíveis de penhora, os quais se encontram, inclusive, em prioridades altas. Por exemplo, os valores mobiliários se encontram como o terceiro na ordem de prioridade e apresentam mais volatilidade que os criptoativos.
Portanto, os criptoativos apresentam menor oscilação do que a própria bolsa de valores brasileira. Ele se apresenta como um bem seguro para fins de penhora ou garantia, assim como os valores mobiliários são considerados pela jurisprudência e doutrina.
Embora se entenda que não seja necessária a realização de alienação antecipada, tendo em vista a pequena variação apresentada pelos criptoativos ao decorrer do tempo, o juiz pode determinar a alienação antecipada deles, caso acredite que seja necessário, tendo em vista a volatilidade.
Há dois meios de garantir ao credor que a obrigação firmada entre as duas partes será adimplida: 1) a possibilidade da penhora antecipada, em função da potencial volatilidade do bem e da necessidade de garantia na presente situação; 2) aceitação de um depositário que terá a posse desse bem. Tais meios serão usados para garantir o valor e a segurança do bem.
Cabe, ainda, a recordação de que o decorrer da história evolutiva da moeda demonstra que vários elementos desempenharam a função que hoje ela apresenta: de ser um meio de pagamento, uma unidade de conta e reserva de valor. De modo que ela nem sempre foi conforme é apresentada atualmente. Assim como as moedas, os criptoativos, em determinadas situações, apresentam funções semelhantes à moeda fiduciária.
Vale destacar, ainda, que as criptomoedas e as moedas fiduciárias possuem funções que se difundem. O dinheiro é conhecido como um bem passível de penhora, sendo inclusive a prioridade na penhora realizada pelo judiciário.
Não há, então, qualquer motivo que se apresente óbice relacionada à penhora deste bem, tendo em vista suas semelhanças relacionadas ao dinheiro.
Por Renato Aparecido Gomes – Advogado tributário do escritório Gomes, Almeida e Caldas Advocacia.
Fonte: Revista Consultor Jurídico – 07/06/2021