União não pode autuar contribuinte com base em sua declaração ao Rerct, decide JF

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A 2ª Vara Federal de Joinville (SC) decidiu que a União não pode excluir contribuinte que adere ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária ou deflagrar procedimento administrativo de investigação quanto à declaração por ele apresentada caso não tenha elementos fáticos, quanto a ilicitude dos ativos, obtidos por outra fonte que não a própria declaração.

 

Segundo o autor da ação, a Lei 13.254/2016 (Lei de Repatriação) instituiu o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct) autorizando que contribuintes, por declaração, regularizassem a existência de recursos, bens ou direitos de origem lícita antes não declarados ou que foram declarados com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais, remetidos ou mantidos no exterior, ou repatriados por residentes ou domiciliados no país.

 

O autor aderiu ao regime de regularização em 2016, enviando declaração de regularização cambial e tributária (Dercat), na qual declarou apenas um bem, descrito como 200 ações de uma empresa localizada no Panamá. Os valores constantes no portfólio seriam oriundos da transferência de ativos que antes estavam vinculados a duas outras entidades jurídicas, também constituídas pelo autor; essas duas pessoas jurídicas estavam ativas até 2012, quando o autor determinou que o patrimônio existente nas contas daquelas fosse transferido para a nova entidade jurídica constituída no Panamá

 

O programa da Receita Federal do Brasil apontou que, diante do patrimônio informado na Dercat, o autor deveria recolher aos cofres públicos mais de R$ 6 milhões a título de imposto sobre a renda e R$ 6 milhões a título de multa. Mesmo diante do cumprimento de todos os requisitos previstos na Lei 13.254/2016 e do pagamento integral do imposto e multa apurados pela RFB, o autor entende que a Lei de Repatriação possui dispositivos e condicionantes de adesão que violam diretamente as garantias constitucionais e legais dos contribuintes.

 

Sustentou, primeiramente, que os artigos 3° e 6° da lei criaram imposto federal sobre grandeza econômica não prevista dentre as hipóteses do artigo 153 da Constituição, autorizando incidência de imposto sobre quantias não condizentes com o conceito de "renda"; e ampliou a abrangência do Rerct sobre acréscimos patrimoniais auferidos em períodos já atingidos pela decadência tributária. Para o autor, tais artigos devem ser declarados inconstitucionais.

 

 Além disso, para dar segurança e tranquilidade àqueles que confessassem os ilícitos cometidos, o artigo 4º, parágrafo 12, da Lei 13.254/2016 estabelece que a Dercat não poderia ser utilizada como único indício ou elemento para efeitos de investigação ou procedimento criminal, mas a RFB editou atos normativos infralegais que contradizem o teor da lei e modificam de forma retroativa tal regra.

 

Assim, o autor pediu que fosse reconhecida a ilegalidade do ato declaratório interpretativo 05/2018, que tornou possível, de forma retroativa e após o encerramento do período de adesão ao Rerct, intimar quem aderiu à repatriação para a comprovação da origem lícita dos recursos declarados. Solicitou também a restituição de indébito e dos valores pagos a título de imposto cobrado de forma ilegal.

 

A União defendeu que, havendo evidências documentais não relacionadas à declaração do contribuinte, poderia ser instaurado procedimento investigatório para apurar a origem dos ativos objeto de regularização. A Lei de Repatriação não é mecanismo que propicie a lavagem de capitais ou que dificulte a investigação e a persecução desses delitos, apenas impossibilita a utilização de declarações do Rerct como único indício apto a iniciar um procedimento investigatório criminal. Por fim, alegou que não houve inovação jurídica ou interpretativa por meio da publicação do ADI SRFB 5/2018.

 

Decisão

 

O juiz Paulo Cristovão de Araújo Silva Filho, citando os fundamentos da decisão liminar, explicou que o ADI SRFB 5/2018 alargou o horizonte de atuação da RFB e deu margem ao início de ação fiscalizatória da administração fiscal a qualquer momento, restringindo o direito e frustrando a expectativa do autor quando da submissão ao Rerct.

 

Tal ato é contrário ao parágrafo 12 do artigo 4° da Lei 13.254/2016, pois o artigo concede ampla anistia pelos ilícitos tributários, administrativos e civis previamente praticados condicionado unicamente a uma declaração, não existindo imposição de exigências futuras, ressaltou o magistrado.

 

"Assim, a inserção das notas — objeto do ADI 05/2018 — ainda que com duvidoso caráter normativo, acaba por abalar a segurança jurídica estabelecida pelo legislador quando erigiu o regime de regularização tributária, sem o qual muito provavelmente não haveria a incorporação de tais ativos, bem como o consequente oferecimento do patrimônio do autor à tributação", continuou.

 

Ante o exposto, Paulo Cristovão julgou procedente o pedido para reconhecer incidentalmente a ilegalidade do ADI SRFB 5/2018 na parte que alterou o item 40; e para determinar que a ré se abstenha de excluir o autor do Rerct ou de deflagrar procedimento administrativo de investigação quanto à declaração por ele apresentada no aludido programa caso não tenha elementos fáticos obtidos por outra fonte que não a própria declaração.

 

Quanto a inconstitucionalidade dos artigos 3º e 6º da Lei de Repatriação, o juiz afirmou que tais dispositivos não tratam da decadência ou prescrição. Na verdade, eles definem uma presunção de acréscimo patrimonial que, caso tenha interesse aquele que mantém ativos não declarados no exterior, é considerado ganho de capital para efeito de incidência do imposto de renda.

 

O que a lei fez foi não exigir, na declaração, a origem do patrimônio previamente não declarado, mas unicamente a afirmação do declarante de que esses ativos não são resultado de crime ou ilícito civil ou administrativo relacionados na própria lei.

 

Especificamente quanto à decadência, o magistrado ressaltou que a presunção legal de acréscimo patrimonial não é feita quanto ao momento em que se declarou a origem dos recursos que se pretende regularizar, mas quanto à própria regularização. É irrelevante, portanto, que o patrimônio que antes estava oculto tenha se formado há cinco, dez ou cinquenta anos: a declaração de sua existência é o marco normativo posto para a apuração e constituição do crédito tributário.

 

"O objetivo desses regimes é exatamente dar aos contribuintes relapsos, que estão cometendo ilegalidades, a oportunidade de ser menos punidos se trouxerem esses patrimônios à luz, aplicando a essa situação uma ficção jurídica para viabilizar a cobrança. Ao invés de chamar de imposto de renda sobre ganho de capital fictício, o legislador poderia ter chamado de pedágio, multa, compensação ou de qualquer outro nome, e isso não retiraria da lei seu verdadeiro objetivo", disse Cristovão, afastando a alegação de inconstitucionalidade dos artigos.

Processo 5000792-98.2021.4.04.7204

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico – 12/08/2021


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