Judiciário ainda estuda sanções a servidores que se recusam a tomar vacina

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O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu no ano passado que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei 13.979/2020. De acordo com a decisão, o Estado pode impor aos cidadãos que recusem a vacinação as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola), mas não pode fazer a imunização à força. Também ficou definido que os estados, o Distrito Federal e os municípios têm autonomia para realizar campanhas locais de vacinação.

 

Portanto, se é cabível adotar sanções ao trabalhador ou a um estudante não vacinado, por exemplo, uma vez que estaria colocando em risco a saúde dos demais, seria um dever do empregador o afastamento daquele indivíduo para preservar o ambiente de trabalho, para cumprir seu dever constitucional (artigo 7º, inciso XXII).

 

Tal questionamento também surgiu no âmbito da administração pública. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, editou decreto que tornou obrigatória a vacinação contra Covid-19 para os servidores e funcionários públicos municipais, podendo a recusa resultar em punições.

 

Para verificar se o tema está sendo discutido ou se já existe regulamentação em alguma esfera do Poder Judiciário, a ConJur entrou em contato com tribunais de justiça de todo o país.

 

O Tribunal de Justiça de Rondônia respondeu que está estudando as medidas que serão adotadas, tendo em vista a complexidade da questão. Se alguma penalidade for aplicada, valerá de forma isonômica para todos os funcionários do tribunal, de acordo com os limites legais.

 

O TJ do Tocantins informou que seu Comitê Gestor de Atenção Integral à Saúde ainda está estudando o tema. O de Mato Grosso e da Bahia deram a mesma resposta. Já o TJ Goiás, Minas Gerais, Ceará e São Paulo não estão discutindo nenhuma sanção aos servidores.

 

Segundo informações prestadas pelo TJ do Distrito Federal ainda não há normas internas prevendo vacinação obrigatória dos funcionários, mas pessoas do grupo de riscos só entram na escala de trabalho presencial 30 dias após a segunda dose ou a dose única da vacina.

 

O TJ do Piauí informou que discute as soluções a serem adotadas relativamente aos servidores que optarem por não se vacinarem. Mas o fato de não se vacinarem, por si só, não será caso de infração disciplinar. 

 

De acordo com o TJ da Paraíba, não haverá punição, mas caso ultrapassada a idade para a pessoa ter se imunizado e ela não tenha, além de não ser apta ao teletrabalho, a pessoa estará obrigatoriamente no rodízio presencial de servidores da unidade administrativa ou judiciária. O Judiciário do estado constituiu um grupo de trabalho de retorno gradual que elaborará um ato mais amplo e que contemple novas compreensões a respeito da pandemia, sua imunização e variantes.

 

O Tribunal de Justiça do do Paraná não possui recomendação quanto aos tipos de sanções que poderão ser aplicadas aos servidores que recusarem a vacina. Contudo, há a previsão de promover uma campanha para incentivar a vacinação de todos os colaboradores. O TJ do Amapá apresentou a mesma resposta.

 

Segundo o TJ do Amazonas, não será feita distinção entre servidores não vacinados ou vacinados, mas o estado registra um elevado avanço das faixas etárias vacinadas.

 

O TJ de Santa Catarina anunciou que os vacinados há mais de 15 dias com a segunda dose ou dose única podem retornar ao trabalho presencial, mas que não há sanções previstas para os não vacinados.

 

Decisões recentes

Em decisão recente, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região determinou restrições na retomada das atividades presenciais dos servidores da Justiça Estadual de São Paulo. De acordo com a decisão, apenas funcionários totalmente imunizados poderão ser retirados do regime de trabalho remoto.

 

Os tribunais de justiça dos outros estados não responderam antes da publicação desta reportagem. O Conselho Nacional de Justiça também afirmou que está estudando a questão, levando em consideração o momento e os indicadores da saúde pública brasileira e prezando pela segurança dos magistrados, servidores e todos os colaboradores que atuam no Poder Judiciário.

 

Caminhos possíveis

Além das posições dos tribunais, a Conjur conversou com especialistas para entender como seria possível, no âmbito do Poder Judiciário, adotar medidas para punir servidores que não se vacinarem.

 

Para Marco Berberi, advogado, mestre e doutor em Direito pela UFPR e procurador do Paraná, cada esfera da federação (União, estados e municípios) tem competência própria sobre seus servidores. Assim, caso o Judiciário e cada uma de suas esferas queiram impor a vacinação a seus servidores, devem editar diplomas legais específicos. 

 

Rafael Valim, especialista em Direito Administrativo, sócio do Warde Advogados, entende que o Poder Judiciário, no âmbito de suas competências administrativas, pode, com fundamento no artigo 3º, inciso III, alínea "d", da Lei n. 13.979/2020, tomar medidas semelhantes às da Prefeitura de São Paulo. Nesse sentido, juízes e desembargadores estarão sujeitos a sanções disciplinares.

 

Rubens José Gama Júnior, advogado do escritório Weiss Advocacia, pontua que a possibilidade de recusa injustificada do cidadão em relação à vacina foi vencida juridicamente nas decisões do STF.

 

"Assim, agora que as atividades presenciais do Poder Judiciário voltarão, já há fundamento de sobra para os respectivos administradores reprimirem funcionalmente eventuais servidores que se recusem. Basta utilizarem as figuras próprias de cada estatuto para casos de indisciplina e/ou insubordinação. Quero crer que não será necessário", reforçou o advogado.

 

Igor Luna, sócio de Direito Administrativo e Relações Governamentais do escritório Almeida Advogados, explica que a recusa dos servidores do Poder Judiciário em se submeter à vacinação só poderia configurar infração disciplinar nas hipóteses de (1) o presidente do respectivo tribunal editar ato normativo nesse sentido ou (2) ser editada uma lei do respectivo ente federativo prevendo tal infração para todos os seus servidores públicos.

 

A validade do estabelecimento da infração pode vir a ser questionada, em função de ter ocorrido por via regulamentar e não por meio de lei. Mas, de acordo com Luna, parcela considerável da doutrina e da jurisprudência reconhecem que, no âmbito do vínculo especial do servidor com a Administração, o direito disciplinar não se sujeitaria à estrita legalidade.

 

"Ainda, argumentos com base na supremacia do interesse público, diante da proteção ao bem constitucional coletivo envolvido, a saúde pública, funcionariam em favor da validade da previsão infralegal do tipo infracional", concluiu.

 

Por outro lado, Daniel Conde Barros, advogado e sócio da área de Direito Administrativo de Martorelli Advogados, diz acreditar que a recusa em tomar a vacina poderá ser objeto de sanção administrativa para o servidor público, porém é necessário ato do gestor local da saúde estabelecendo essa medida como obrigatória.

 

"Uma vez estabelecida a obrigatoriedade, será necessário observar também as normas administrativas aplicáveis ao servidor. União, estados e municípios possuem regimes jurídicos próprios aplicados a seus servidores", explica o especialista.

 

"A eventual aplicação da penalidade de demissão só seria possível na hipótese de existir lei que preveja essa penalidade específica para recusa à vacinação compulsória, o que não é o caso, no âmbito federal", disse.

 

Histórico da questão

No julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6.586 e 6.587 que discutiram a Lei 13.979/2020, que disciplina as medidas excepcionais de enfrentamento da pandemia, e prevê, no artigo 3º, inciso III, alínea "d", a promoção compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas, o STF fixou a seguinte tese:

 

"A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes."

 

O julgamento das ADIs aconteceu em dezembro de 2020, e, desde então, com o avanço da vacinação no país, novos estudos sofre a eficácia das vacinas contra a Covid-19 foram feitos. Um desses estudos, feito na cidade de Botucatu (SP), concluiu que a vacinação em massa reduziu em 86,7% os casos de internação em leitos de unidades de terapia intensiva, após um período de pouco mais de dois meses, se comparado ao início da imunização.

 

Com bases nesses dados e na tese firmada pelo STF, alguns municípios adotaram medidas para tornar obrigatória a vacinação contra Covid-19 para os servidores e funcionários públicos municipais.

 

Além de São Paulo, por meio do Decreto 60.442, a Prefeitura de Rio de Janeiro, Florianópolis e Porto Velho publicaram decretos tornando obrigatória a vacinação de servidores municipais. A Assembleia Legislativa do Ceará aprovou semana passada projeto de lei que pune servidores que se recusarem a receber vacina contra a Covid.

 

A iniciativa privada também adotou medidas semelhantes. Por exemplo, o sindicato de restaurantes, bares e similares de São Paulo (Sindresbar), com fundamento no guia técnico do Ministério Público do Trabalho, publicou uma recomendação pela demissão por justa causa, em caso de recusa injustificada, do funcionário em se vacinar.

 

Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região manteve a dispensa por justa causa de uma funcionária de hospital que se negou a tomar a vacina.

 

Guilherme Amorim Campos da Silva, Sócio de Rubens Naves Santos Jr. Advogados, entende que o STF pacificou a questão no direito brasileiro. "Em uma pandemia de saúde pública, o direito coletivo se sobrepõe ao individual."

 

Mas, para o especialista, é preciso debater quais os limites desta questão. "A previsão de vacinação obrigatória, afigura-se legítima, desde que sejam observados os critérios da Lei 13.979/2020, especificamente nos incisos I, II, e III do § 2º do artigo 3º, a saber, o direito à informação, à assistência familiar, ao tratamento gratuito e, ainda, ao "pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, bem como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma a não ameaçar sua integridade física e moral", completou.

 

O assunto, porém, ainda não é realmente considerado pacífico. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) propôs o Projeto de Lei 149/21 que visa proibir a dispensa por justa causa de empregado que não quiser ser vacinado.

 

O Sinthoresp, sindicato paulista que representa trabalhadores dos hotéis, pousadas, bares e restaurantes e similares, também se posicionou de forma contrária à demissão por justa causa de trabalhadores que se recusem a tomar a vacina.

 

Por Ana Luisa Saliba, Thiago Gelli e Juliana Matias

 

Ana Luisa Saliba – Repórter da revista Consultor Jurídico.

 

Thiago Gelli – Estagiário na revista Consultor Jurídico.

 

Juliana Matias – Estagiária da revista Consultor Jurídico.

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico – 23/08/2021


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