A Lei 8.009, de 29 de março de 1990, dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, assim entendido como o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, que não responderá por qualquer tipo de dívida, contraída pelos cônjuges ou pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na Lei (artigo 1º).
Considera-se residência, nos termos da lei, um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim. (artigo 5º e parágrafo único, da Lei em comento).
No entanto, a orientação do Colendo Superior Tribunal de Justiça - forte no princípio da proteção familiar - firmou-se no sentido de que a impenhorabilidade prevista em Lei estende-se a um único imóvel do devedor, ainda que se encontre locado a terceiros, porquanto a renda auferida pode ser utilizada para que a família resida em outro imóvel alugado ou até mesmo para a própria manutenção da entidade familiar (REsp 698.750/SP, REsp 439.920/SP, REsp 445.990/MG, dentre outros julgados).
O que se pretende, com o reconhecimento de dita impenhorabilidade, é a extensão da proteção conferida pela Lei 8.009/90, de modo a possibilitar ao devedor e sua família a constituição de moradia em outro local ou até mesmo de utilizar o valor obtido com a locação do único imóvel como complemento da renda/núcleo familiar, assegurando-se uma existência digna.
No entanto, esse entendimento extensivo há de ser interpretado com muita cautela, eis que trata-se de exceção legal, ao possibilitar a impenhorabilidade da renda auferida de único imóvel pertencente a família e instituído como bem de família, conquanto que se prove que a renda auferida com a locação reverta-se para subsistência da entidade familiar (in Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgamento da Apelação nº 0136589-44.2010.8.26.0100).
Neste sentido posiciona-se a jurisprudência pátria, verbis:
“PENHORA – BEM DE FAMÍLIA – Execução por título extrajudicial – Cheque – Penhora de imóvel de propriedade do coexecutado – Reconhecimento de que ele se trata de `bem de família´ - Insurgência – Descabimento – Alegação de que o referido imóvel, ainda que locado para terceiros com vista a garantir a subsistência da família, é bem de família – Proteção da Lei 8.009/90 – Impenhorabilidade mantida – Existência, ademais, de outros bens que podem fazer frente ao pagamento do débito perseguido – Decisão de primeiro grau mantida – Agravo desprovido” (in Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgamento do Agravo de Instrumento nº 0173772-24.2011.8.26.0000, da Comarca de Itapetininga, Relator Dr. Jacob Valente, julgado em 24 de Agosto de 2011, grifos nossos)
“Execução – Adjudicação do bem penhorado pelo credor – Saldo devedor que deve ser apurado pela atualização do resultado da diferença entre o valor do débito atualizado na data da adjudicação e o valor da avaliação – Penhora – Bem de família – Imóvel penhorado pertencente a devedora que encontra-se locado a terceiro – Frutos advindos da locação que constituem renda à possibilitar o aluguel do imóvel onde a devedora reside – Impenhorabilidade reconhecida – Extensão da proteção conferida pela Lei 8.009/90 – Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça – Agravo de instrumento provido em parte, com observação” (in Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgamento do Agravo de Instrumento nº 0135914-56.2011.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, Relator Dr. José Reynaldo, julgado em 21 de Setembro de 2011, grifos nossos)
Desta forma, nos termos dos arrestos acima colacionados, conclui-se que a impenhorabilidade conferida ao único imóvel residencial estende-se aos frutos advindos da locação deste imóvel, se (e somente se) utilizados (frutos/aluguéis) como complemento de renda familiar, ou até mesmo para constituição de moradia em outro local.
No entanto, remanescem controvérsias acerca do tema, em especial aqueles que defendem que o intérprete deve se ater à letra da Lei, nos termos do artigo 5º, suso mencionado, de modo a excluir a possibilidade de impenhorabilidade de imóvel locado a terceiros.
Em que pesem os entendimentos em sentido contrário, em relação aos quais peço vênia para discordar, entendo que há de prevalecer a interpretação extensiva.
No entanto, necessário que haja no caso sub judice a comprovação de necessidade do rendimento/aluguéis para a subsistência ou complemento da renda familiar, de modo a justificar e possibilitar a pretendida extensão.
Carolina Scagliusa Silva é advogada.
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico (26.11.11)