Carestia faz consumidor retomar hábitos das décadas de 1980 e 1990, como ir ao supermercado logo após receber o salário e encher a despensa por períodos mais longos.
Atibaia (SP) - A alta da carestia, sobretudo de alimentos e de bebidas, vem fazendo o consumidor brasileiro resgatar hábitos dos tempos em que a hiperinflação batia à porta, como fazer compras para todo o mês. De janeiro a agosto, 44% dos gastos feitos pelas pessoas nos supermercados foram para realizar compras de abastecimento, segundo estudo divulgado pela Kantar Worldpanel, empresa especializada no comportamento do consumidor. Essa parcela das despesas aumenta desde 2011, quando estava em 41%. O dado mostra que, diante do aperto dos preços, quase metade dos produtos consumidos contemplaram compras mensais e de estoque de mercadorias, movimento que foi muito observado na década de 1980 e no início dos anos 1990.
Outra característica que, guardada as devidas proporções, lembra o período de hiperinflação, é a de compras feitas nos 10 primeiros dias de cada mês. Neste ano, até agosto, 37,5% das despesas em supermercados ocorreram nesse período, informa a Kantar. Ou seja, além de suprir a despensa da casa por períodos mais longos, o grosso do consumo das famílias também ficou concentrado em um prazo em que os salários caem na conta bancária dos trabalhadores.
Esses movimentos mostram a preocupação do consumidor em reduzir os danos da carestia no orçamento doméstico. Com uma inflação de alimentos e bebidas de 9,11% até agosto, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e o medo de que os preços continuassem galopando e reduzindo o poder de compra, as famílias, já endividadas, passaram a priorizar os gastos com supermercados, observa a diretora comercial da Kantar, Christine Pereira.
"Com uma parte significativa do bolso apertado pela inflação, as compras de abastecimento foram realizadas pelas famílias para assegurar um melhor planejamento e garantir o consumo de categorias que fazem parte das despesas básicas do lar, como alimentos e produtos de higiene e limpeza", avaliou Christine. Diante do aumento das compras de abastecimento em períodos mais curtos do mês, caiu a frequência de visitas aos supermercados. A Kantar avalia que, no trimestre encerrado em agosto, os consumidores foram, em média, 22 vezes aos estabelecimentos. Em 2011, foram 27 visitas.
Estoques
Com a mudança nos hábitos do consumidor, o chamado atacarejo foi o segmento do setor supermercadista que mais recebeu demanda de consumidores pelas compras de mês e para formação de estoque. Com a vantagem de permitir compras em maiores quantidades, o que assegura uma boa economia, esse foi o canal mais procurado pelos brasileiros, afirma Lenita Mattar, gerente de Atendimento ao Varejo da Nielsen, empresa também especializada em tendências e comportamento do consumidor.
"O canal gerou benefícios em relação aos preços ao assegurar um aumento de 15% na quantidade de itens demandados em relação a outros segmentos", disse. Em todas as sete categorias de produtos pesquisadas pela Nielsen, o volume de vendas teve crescimento maior que o total do setor. No caso dos perecíveis, por exemplo, houve alta de 11% no atacarejo e queda de 4,4% no varejo.
Exemplo
As compras mensais viraram rotina para o policial Danilo Genésio, 27 anos, e a namorada, a servidora pública Carolina Radica, 26. Apesar de ainda não morar junto, o casal compartilha da ideia de que comprar no atacado é mais barato. "No atacado, a mesma quantidade de itens sai bem mais em conta do que nos supermercados tradicionais", assegurou Danilo. De acordo com Carolina, é possível economizar até R$ 300 por mês. "A diferença de preços chega a ser gritante. Costumo alertar familiares e amigos para comprarem apenas no atacado", disse ela. A advogada Marcella Luchini, 24, faz o mesmo para economizar. Há mais de um ano, ela trocou os supermercados tradicionais pelas lojas de atacado, e tem garantido uma economia mensal de, no mínimo, R$ 150. "Mesmo morando longe, sempre que preciso venho comprar aqui. A diferença dos preços é nítida", afirmou. O exemplo dela já levou amigos e familiares a adotarem a mesma prática. "Até para comprar em pequenas quantidades dou preferência para os atacados", revelou.
Tendência
O movimento de compras mensais e de estoque ainda deve levar algum tempo para sofrer reversão, com uma mudança podendo ocorrer apenas em 2017, analisa o economista-sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes. Apesar de a inflação de alimentos ter dado alívio em setembro, ele acredita que o consumidor continua ressabiado com a subida dos preços. "Na medida em que o recuo dos custos atingir resultados significativos, em termos de economia, o consumidor voltará a ter mais confiança para retomar as compras semanais", avaliou.
Fonte : Correio Braziliense