Consultorias especializadas costumam atender redes de supermercados que faturam a partir de R$ 1 bi por ano
A rede de supermercados Bahamas, que possui sede em Minas Gerais, encontrou R$ 18 milhões perdidos. O montante foi achado pouco a pouco, desde que a varejista contratou uma consultoria especializada em revisar contratos feitos com a indústria, em 2015.
Nas letras miúdas das cláusulas, sempre há descontos para compras maiores ou para determinados produtos – algo parecido com o dinheiro esquecido num bolso da calça, elevado à potência corporativa.
Henrique Sampaio, presidente da DHS – empresa que ‘caça’ esses valores – diz que uma das coisas mais comuns é o funcionário responsável pelos pagamentos não se atentar para os descontos negociados e debitar o valor cheio da fatura.
Sampaio diz também que é rotineiro ser contratado com uma boa dose de ceticismo. Em geral, as companhias aceitam o serviço porque não têm nada a perder. A DHS coloca alguns auditores no escritório para olhar a papelada com lupa, atrás de itens que podem ter sido pago a mais. Caso algum valor seja recuperado, a consultoria recebe uma porcentagem pré-acordada.
Para valer a pena, a prioridade da consultoria são redes de supermercados que faturam a partir de R$ 1 bilhão por ano. “Uma vez, um gestor apostou uma caixa de chocolates comigo, achando que eu não encontraria nada”, diz. Sampaio ganhou não apenas a aposta, mas também a fatia sobre o valor recuperado.
De maneira geral, as redes varejistas mantêm o bom clima com os fornecedores que receberam a mais e, agora, têm de reembolsar o cliente. “Não teve má fé, teve erro”, diz Luiz Otávio Guarnieri Galil, diretor financeiro do Grupo Bahamas.
A política da rede é dividir o valor a ser ressarcido e buscar acordos. Afinal, não vale à pena quebrar o relacionamento com a indústria por um valor que, até então, estava fora do radar da companhia.
Para a professora e economista da ESPM, Cristina Helena Pinto de Mello, o olhar externo sobre as contas da empresa é muito importante. Muitos gestores deixam de usufruir de serviços desse tipo por receio de ter seus erros e de sua equipe expostos, quando essa pode ser uma boa oportunidade de aprendizado.
Ela própria, quando foi vice-reitora administrativa na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), contratou uma empresa do ramo. Como havia treinado sua equipe, achou que não haveria nada de relevante a ser encontrado, mas se surpreendeu com pagamentos a mais feitos em energia e telefonia.
“Apesar do treinamento, minha área não estava preparada para pegar isso. Eu precisava oferecer incentivos”, afirma Mello. Ela diz ser possível desenhar um programa de bônus para que os próprios funcionários encontrem essas falhas e, assim, se pague uma porcentagem menor do que seria gasto com uma consultoria especializada.
No entanto, é preciso desenhar um projeto que iniba erros propositais causados pela garantia do bônus. “Precisa ser um programa bem desenhado para evitar esse tipo de situação”, diz.
De todo modo, a professora diz que trazer uma empresa independente de tempos em tempos é fundamental para identificar falhas e melhorar processos. Galil, da Bahamas, diz que desde que os primeiros erros foram encontrados, a empresa tem procurado melhorar práticas. “Algumas coisas já corrigimos”, diz.
Mello diz que o próprio dinheiro recuperado por meio das consultorias seja reinvestido em novos softwares de automatização de processos de conferência, bem como de redução de erros, treinamento da equipe e investimento nas pessoas.
A própria DHS, aliás, está para lançar um software dedicado, principalmente, a realizar o serviço de conferência em empresas menores. Hoje, a consultoria não prioriza esse nicho, pois os valores perdidos nesses varejistas pouco compensam.
Para valer o investimento da consultoria em achá-los, teria de ser cobrada uma porcentagem muito alta sobre os valores recuperados. Com o software, que usa inteligência artificial, o modelo de negócios ganha escala e se torna viável para clientes dessa proporção.
Fonte: Estadão