Filiais são anunciadas aos quatro ventos e agora surgem até as lojas com muitos serviços, o que foge ao formato “raiz” do negócio
Quem não tem atacarejo está fora do jogo? Não, mas a disputa por mercado entre as maiores redes ficou mais acirrada desde que o formato entrou com tudo no Rio Grande do Sul. Depois de 2020, de pandemia com supermercados que não fecharam e volta da inflação em nível preocupante, a operação focada em volume e produtos com descontos mais agressivos passou a dominar as expansões. Em 2021 e 2022, os consumidores passaram a se acostumar com os anúncios de aberturas do Stok Center, Macromix, Desco, Super Rancho e Via Atacadista, esta última de grupo catarinense.
O ritmo não é só no Rio Grande do Sul. O especialista em varejo que vai dirigir na Expoagas o sugestivo painel “Campeões de Performance no Varejo Alimentar e os motores que os movem”, Alexandre Ribeiro, assinala que o efeito atacarejo é claro não só em território gaúcho, mas no País: “85% das redes que mais crescem são neste formato”, diz Ribeiro, presidente da R-Dias. O especialista cita as principais razões para o modelo ter decolado: faturamento duas a quatro vezes maior que um supermercado, renda mais baixa das famílias (efeito inflação), novos comportamentos pós-pandemia e oportunidade. “O atacarejo nasce onde tem ineficiência de outros modelos.” Um dos tamanhos que perdeu espaço, por exemplo, foi o hipermercado.
No Rio Grande do Sul, redes que demoraram a se render ao formato emergente anunciam o ingresso, caso do Zaffari, que terá o desafio de entender o negócio e fazer a gestão em relação aos outros tamanhos e perfis que dominam a rede, com supermercados e hipermercados. O primeiro Cestto, que é bandeira do Zaffari de Porto Alegre para o atacarejo, entra em Gravataí até o fim do ano. Os gestores já indicaram que vão usar a estrutura de centro de distribuição que alimenta a rede.
Outras marcas seguem em ritmo quase industrial de expansão. Duas se descolam. A Comercial Zaffari, de Passo Fundo, vai abrir mais três lojas do seu Stok Center até dezembro. Em 2022, já tinha aberto duas, chegando a 21. Com as próximas, vai a 24 filiais. Na mais recente nota em que confirma a multiplicação de atacarejos, a rede promete inaugurar o trio em um intervalo de 30 dias. Os novos Stok Center ficam em Tramandaí, Marau e Cachoeira do Sul. O Unidasul chega a quatro novos pontos em 12 meses (Sapucaia do Sul, São Leopoldo, Portão e Tramandaí) e planeja mais. Imec vai abrir mais um Desco, agora em Alvorada. A Rede Vivo, de Santa Maria, vai erguer mais um Rancho Atacadista, desta vez também em Cachoeira do Sul.
Não são só os grandões que seguem o script: a rede Super Kan, nativa do bairro Restinga, no Extremo Sul da Capital, vai ter uma loja com este perfil no Center Kan, empreendimento que deve abrir em outubro na região. Será o Kan Super&Atacado. O diretor e fundador da rede local, Marcos dos Santos, diz que o reforço serve para enfrentar concorrentes que cheguem cada vez mais perto. Um deles foi o Desco, que abriu em abril no bairro Hípica.
Além dos gaúchos de carteirinha, o mercado estadual é alvo do avanço de redes de atacarejos de Santa Catarina. O Via Atacadista, grupo Passarela, já abriu lojas e vai expandir, e o Fort Atacadista estão entrando por Caxias do Sul, Canoas e Porto Alegre.
Redes e suas bandeiras
Gaúchas
Companhia Zaffari (Porto Alegre): Cestto
Comercial Zaffari (Passo Fundo): Stok Center
Unidasul (Esteio): Macromix
Imec (Lajeado): Desco
Asun (Porto Alegre): Asun Leve Mais
Rede Vivo (Santa Maria): Rancho Atacadista
Peruzzo (Bagé): Ecomix
Nicolini (Bagé): Atacadaço
Treichel (Pelotas): Atacado Treichel
MaxCenter (Alvorada): Jumbo Atacadista
Super Kan (Porto Alegre): Kan Super&Atacado
Catarinenses
Passarela: Via Atacadista
Fort Atacadista
Macromix aposta em loja mais requintada
O princípio básico de um atacarejo é vender em volume e com preço mais em conta, principalmente no confronto com hipermercados, outros tipos de atacados e até mesmo o mercadinho de bairro. Bom lembrar que, no pós-pandemia, o super de bairro ou vizinhança ganhou lugar cativo na vida dos consumidores. Mas o atacarejo basicão está passando por mudanças, com inclusão de serviços e até uma dose de gourmetização que as redes sustentam como um atrativo para dar conta das demandas do consumidor final que cada vez mais vai às lojas, atrás de preços e algo mais.
Para atender à fatia de clientes, além do dono do mercadinho, da lancheria e do restaurante, o superintendente de Atacarejo do Unidasul, Elói Zagonel, aponta novos atributos que as lojas da bandeira Macromix passaram a agregar. Um deles é uma adega bem farta. “Vão ser 800 rótulos na loja de Tramandaí”, destaca o executivo. A rede está atenta, claro, à explosão de moradores no Litoral Norte e com renda para pagar pelos vinhos. Mas não é só isso. As lojas ganham áreas de açougue com carnes fracionadas, que sai do menu básico do formato, que oferta mais peças congeladas fornecidas pelos frigoríficos. “Se for só a vácuo, não damos conta do que o cliente busca.”
Na padaria, tem pão francês quentinho, graças à produção local. O cliente se abastece dos produtos, mas a retaguarda está a mil. “Olhando os balcões sem atendimento, parece que não tem mão de obra, mas na retaguarda tem equipe funcionando”, observa Zagonel. Na hora de pagar, tem mais serviço: como sacolas e empacotador. “Mais funcionários aumenta o custo, mas atendemos a mais nichos de clientes. É um diferencial”, explica.
Especialista alerta para riscos da ‘gourmetização’ do modelo
“Não gosto de ver o que pode se tornar”, reage o especialista em varejo Alexandre Ribeiro, sobre a “gourmetização” do atacarejo. O temor tem a ver justamente com o custo-benefício. A dianteira e maior expansão do modelo frente a outros está ligada à menor despesa em diversas frentes, desde equipamentos, energia a pessoal. “É mais barato (preço aos consumidores) porque tem uma despesa operacional menor e vende mais, o ganho de escala é grande, a despesa é essencial”, adverte Ribeiro.
“O atacarejo gourmetizado coloca mais serviço, mais sortimento, mais quebra e mais perdas operacionais e mais mão de obra para reposição”, lista o especialista, citando que o movimento não é algo exclusivo do Rio Grande do Sul. “Este nível de serviço reduz competitividade. Não sou a favor da gourmetização”, avisa ele. Ribeiro vê neste movimento uma influência de “varejista de 30 a 50 anos” que sempre lidou com supermercado, onde atendimento, mais opções de pagamento e empacotador são rotina.
No atacarejo, o especialista lembra que é tudo mais simples. “Um dos erros é colocar na operação a mesma equipe que atuava no supermercado”, previne. “Dizem que gaúcho não fica sem açougue ou pãozinho quente, aí vejo padeiro, açougueiro. Não está errado, mas não chama de atacarejo, porque não vai conseguir ter preço, a despesa é alta”, reforça Ribeiro. Dados sobre retorno do formato, baseado em desconto e menor despesa, indicam margem de 16%. Se o custo se eleva, o percentual pode ficar abaixo de 10%. “Se o dono do atacarejo que está gourmetizando não entende essa dinâmica, não vai usufruir do modelo”, associa o especialista.
Fonte: Patrícia Comunello, JC