Flavio Martins, CEO do Grupo Martins, tem o desafio de manter a operação do maior atacadista-distribuidor do Brasil em perfeita sintonia. Sim, um desafio. A companhia na qual ele trabalha há 25 anos está presente em todos os municípios do país e ainda leva os cerca de 25 mil itens a 2.500 distritos, aproximadamente. A missão se tornou ainda mais difícil quando a empresa passou a ser um marketplace B2B, servindo como vitrine para que seus concorrentes também vendam produtos.
A nova plataforma está em operação desde o fim do ano passado e já representa 25% das vendas do grupo. O CEO (que não tem parentesco com a família do fundador) acredita que em 2020 essa participação chegará a 30%. Nem o problema de conectividade ainda enfrentado em parte do país deve atrapalhar a meta de avançar com o marketplace.
Para expandir as vendas no ambiente digital, foi preciso investir R$ 15 milhões na integração completa ao Sistema Martins, que inclui cartão próprio, banco, maquininha, seguro e conta digital. Segundo a empresa, os 500 maiores players do Brasil já estão vendendo no www.martins.com.br. Até o momento, são 350 mil varejistas cadastrados na plataforma, que oferece ao redor de 25 mil itens.
Fundado em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, o Grupo Martins tem 90% dos clientes com atuação no varejo de pequenos e médios portes. Sua frota chega a mil caminhões próprios e outros 300 terceirizados. Os representantes comerciais autônomos chegam a 3.500. Com o crescimento do B2B, eles passaram a ter um papel mais voltado à consultoria, mas também recebem um percentual sobre as vendas do marketplace originadas em suas áreas de atuação. A seguir, trechos da entrevista com o CEO da companhia.
Com uma atuação nacional, de que forma a empresa sentiu os efeitos da crise econômica dos últimos anos? A economia influenciou na decisão de avançar com o marketplace?
O marketplace era uma evolução natural no B2B. Nosso negócio está bastante complicado, com concorrência grande e enormes desafios. Mas, sinceramente, o desafio é igual para todo mundo. Se o nível da água subiu, foi para todos. Mas somos melhor estruturados, mais presentes, temos uma gama melhor de fornecedores e, no fim, a crise acabou sendo melhor para gente.
Como foi tomada a decisão de partir para o marketplace B2B?
O Grupo Martins, desde que foi criado, há 66 anos (que serão completados em 17 de dezembro), já era um marketplace. De um lado tem gente que quer vender, de outro quem quer comprar. O marketplace faz o papel de unir. São cerca de 500 indústrias que vendem para 220 mil clientes. O que fizemos foi levar isso para tecnologia moderna, com meios de pagamento integrados com banco, ferramentas sofisticadas e com o auxílio da base de informação. A decisão demandou um monte de ajustes na parte de informações, de tecnologia e de logística. Conseguimos aumentar a oferta de produtos e de serviços.
Como foi o início do projeto do marketplace?
Começamos a trabalhar no projeto a partir de 2017, mas viramos a chave no fim de 2018. Para ajudar na divulgação, passamos a estampar nos nossos caminhões o site para as compras. Em 2017, esse canal representou 17% das vendas e atualmente já responde por 25%. Estamos construindo o orçamento de 2020 agora, mas a expectativa é superar os 30% de participação na receita no ano que vem.
Quais dificuldades a companhia enfrentou ao incluir esse novo canal de compras?
Imagina ter um concorrente publicando ofertas no nosso marketplace. Se ele tiver competência melhor ou categorias ou sortimentos que não temos, o cliente ganha. A pior coisa que pode acontecer é investir em recursos para atrair o cliente e ele não comprar nada. Se ele comprar no marketplace algo do concorrente, certamente vai comprar algo vendido por mim também. Somos o agente de integração dessas duas pontas. Nossa missão é ligar produção e consumo.
Vender para todo o Brasil, apesar dos problemas de acesso à internet, ainda afeta os negócios?
Temos solução para esse problema com a oferta de um cartão de crédito próprio que permite levar acesso à internet. Quando falamos de solução de tecnologia e gestão do varejo, isso passa pela integração financeira do varejista, que compra o serviço para que possa receber suas vendas com cartão. Para isso, contamos com o braço financeiro para levar a solução. Agora, estamos falando com a Hugges, que já é nossa fornecedora, para um projeto-piloto que prevê levar a internet para locais sem acesso, em parceria com o Facebook. Já há alguns testes no interior de São Paulo. É instalada uma antena de satélite, que é ligada a um sistema e possibilita o wi-fi em torno da loja. O varejista pode dar acesso aos clientes, ou seja, a inclusão vai além do comerciante. Nesse negócio, é fundamental o acesso à internet para o nosso cliente. Se ele precisar, vamos viabilizar.
Como os vendedores ficaram nesse modelo de negócio?
Outro desafio é trazer a força de vendas. Temos de deixar muito claro que não queremos obsoletar os vendedores. O marketplace é uma ferramenta que permite a eles estarem muito mais presentes no cliente. Para estimular, estipulamos que toda venda da base de clientes do vendedor, mesmo feita pelo marketplace, seria comissionada. Isso porque foi ele quem ensinou o cliente a usar o site para as compras. Manteremos essa regra enquanto o vendedor estiver conosco. Para ele há muitos ganhos, porque passa a contar com novas ferramentas de marketing e de tecnologia para chegar ao cliente e estimular a venda.
Mas não existe o risco de o vendedor ser trocado pelo marketplace?
Em menor ou maior grau, pode acontecer. Mas agora, mais do que nunca, o vendedor passa a ter um papel de consultor no ponto de venda. Ele precisa estar atualizado sobre dados do setor, pesquisas, novas tecnologias para poder apresentar propostas ao ponto de venda, principalmente aqueles pequenos supermercados, com até 4 mil SKUs (tipos de produtos).
O cliente, mesmo o pequeno, tem autonomia para interagir com o marketplace da companhia?
Construímos várias interfaces para o varejista, com capacidade para atender a diferentes tecnologias oferecidas hoje no mercado. O sistema aponta o que vai faltar no estoque e, como está integrado ao Martins, mostra a cotação e prazo de entrega. Por isso o vendedor passa a ser mais consultor de loja do que nunca. Esse tipo de trabalho que ele passa a fazer não tem máquina que faça.
Isso muda a vocação da empresa?
Sim, mas no sentido de ampliar a atuação e consolidar nossa posição como elo de distribuição da indústria no mercado brasileiro. Atualmente, estamos no Brasil todo, ou seja, em cerca de 5.800 municipais e por volta de 2.500 distritos. O que nós vendemos no Martins é uma expectativa de margem. Foi assim no início da nossa história, quando a expectativa de margem era sobre o fumo de corda e o óleo a granel. Com o tempo surgem novas demandas. Mas a expectativa de margem não mudou e não vai mudar. Quem tem CNPJ pode comprar no Martins, esse é o ponto de partida, e temos trabalhado nossa comunicação para tornar essa informação mais acessível.
Não há restrições, por exemplo, quanto ao tamanho ou setor?
Não. Atendemos a mais de 200 funerárias. Como? São negócios que precisam de lâmpada, de computador, televisão, impressora, produto de limpeza. O sortimento é grande. Da mesma forma que temos pelo menos 20 cemitérios particulares entre os nossos clientes, que compram esse tipo de produto. Oferecemos do arame farpado para fazer cerca ao freezer usado na floricultura.
Fonte: Correio Braziliense