No último dia 17 de abril, publiquei nesta coluna um artigo em que eu contava a minha passagem pelo Uruguai, surpreendentemente atravessada pela chegada explosiva da Covid-19 na América do Sul, que, de certo modo, queríamos acreditar pudesse ser diferente pelas bandas de cá. Três meses depois do meu artigo e quatro depois da minha viagem, já lidamos menos surpresos com o problema, não porque sua dimensão tivesse sido menor, mas porque fomos obrigados a fazê-lo.
No dia 20 de julho participei de uma coletiva de imprensa, convocada pela ViniPortugal, que realiza há alguns anos o Festival de Vinhos de Portugal, no eixo Rio-São Paulo. Diante da provável impossibilidade de trânsito regular em outubro deste ano, o evento, que conta normalmente com a presença de inúmeros produtores portugueses no Brasil, ganhou um formato híbrido e inédito, com eventos virtuais e ações focadas no varejo, em parceria com a ABRAS -Associação Brasileira de Supermercados.
A coletiva contou com a participação de Carlos Cabral, responsável pelo setor de vinhos do Grupo Pão de Açúcar, Márcio Milan, superintendente da ABRAS, e Frederico Falcão, presidente da Viniportugal, que anunciaram a nova data de realização do Festival de Vinhos de Portugal: de 23 de outubro a 1° de novembro. Estima-se que haverá um investimento na ordem de meio milhão de euros para a realização das ações, envolvendo mídia, material promocional de ponto de venda, treinamentos, entre outros, visando a apresentação e promoção de mais de mil rótulos de 14 regiões vitivinícolas de Portugal junto aos 96 mil estabelecimentos associados à ABRAS.
Uma iniciativa como esta reflete dois aspectos do mercado em tempos de pandemia: o cancelamento dos eventos presenciais e o crescimento das vendas concentradas no grande varejo, que continuaram abertos para abastecimento da população. Segundo dados apresentados, os Supermercados registraram aumento de 50% de vendas de vinhos nas regiões Sul e Sudeste e 35% nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
Outro fenómeno em face da Covid-19 é o aumento expressivo do e-commerce de vinhos, na falta dos espaços de consumo do entretenimento gastronómico (restaurantes, bares, eventos, hotéis). Uma pesquisa junto a importadores e distribuidores de vinhos nacionais e importados mostra que a perda com o pequeno varejo foi compensada pela venda direta ao consumidor final, pelo e-commerce. Com um atendimento mais especializado do que os Supermercados e produtos mais exclusivos, não comercializados em larga escala, as vendas diretas, com um suporte de lives de produtores e consultores, combinadas com promoções, atraíram novos adeptos e fidelizaram clientes habituais.
O diretor Comercial da Monvin, de São Paulo, Geova-nini Neves, afirma que, apesar do mercado de restaurantes ter sido seriamente afetado, alguns grandes empórios, que trabalham com produtos mais sofisticados (Santa Maria, Saint Marche), aumentaram as vendas de forma significativa e se somaram ao e-commerce, para garantir a receita da importadora. Cátia Gramuglia, proprietária da Importadora Wine Lovers, ficou surpresa com o crescimento da empresa em 3%, num período em que temiam sérias perdas. Para tal, o trabalho com promoções e fretes grátis para todo o país foi fundamental, permitindo um ganho em escala.
A iniciativa portuguesa (Festival de Vinhos de Portugal) vem num momento em que há grande preocupação de manutenção do mercado interno de vinhos em Portugal, sacrificado também pelo fechamento do entretenimento gastronómico local, que retorna lentamente, sem contar com o mesmo fluxo de turismo internacional do verão. Em artigo da Revista de Vinhos, de Portugal, José João dos Santos avalia que, desde 2008, este mercado encontrou uma saída para crises internas com as exportações, onde ganha crescente destaque. No entanto, os estoques concentrados pela pandemia, frente a chegada de nova safra no segundo semestre, podem gerar uma desvalorização dos preços dos vinhos, pela necessidade de giro. Do lado de cá, isso poderá ser combinado à necessidade de negociação de muitos importadores, que precisam repor seus estoques, mas temem o repasse ao consumidor dos câmbios inflacionados pelas altas do euro e do dólar nesse período.
Fonte: Monitor Mercantil