Adeus às sacolinhas plásticas

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A polêmica lei de proibição das sacolas plásticas só pode ser assim chamada se não lembrarmos dos fatos sob uma perspectiva histórica.

 

Hoje, grande parte de nosso lixo é composta não mais por detritos biodegradáveis, como restos de alimentos, mas principalmente por embalagens das mais diversas matérias-primas, entre elas o plástico. O problema do lixo só existe devido à sua não reciclagem e destino adequado. Durante os últimos 50 mil anos o que ficou de nossa civilização foram pedras e ossos, para tristeza dos arqueólogos. Há cerca 7 mil anos aparecem as cerâmicas (e seus cacos em nosso lixo) e os metais, há 5 mil anos.

 

No tempo das madeiras, das pedras, das cerâmicas, dos metais, nunca houve lixo, de fato. Os restos de alimentos, têxteis, madeiras e vegetais se decompunham, tornavam-se adubo e à natureza voltavam. Os materiais eram de difícil obtenção e caros demais para serem desperdiçados ou descartados. As cidades novas "reciclavam" os materiais das mais antigas.

 

Novos materiais, mais leves e duráveis, chegaram com o século 20. A partir da Segunda Guerra, surgem o polietileno para os radares – e nossos saquinhos, o nylon e o poliéster para nossos tecidos, o poliestireno, o PVC, o acrílico. A lista não para de crescer com novos e maravilhosos materiais, como o Teflon® e os plásticos de engenharia, como o policarbonato. Seu custo é muito baixo, até menor que o aço, a cerâmica e o vidro, que perderam espaço diante das propriedades maravilhosas dos termoplásticos.

 

Estes, como o nome diz, são remoldáveis por aquecimento e recicláveis.  Teoricamente não haveria problema. Mas há. Como usa tecnologia, petróleo e energia em menor quantidade que os outros materiais, é mais barato –o que parece muito bom, pois a sociedade pode embalar melhor, com mais higiene, menos perdas, mais praticidade e conforto  os alimentos, medicamentos e produtos em geral.

 

Porém, a quantidade de plástico existente no lixo ( e que leva mais de 200 anos para se decompor), cresce continuamente. O custo de coleta e transporte, a poluição e o trânsito sobem dia a dia. O espaço ocupado nos aterros sanitários também. Os municípios urbanizados não possuem mais área disponível, ocorrendo até a ridícula exportação intermunicipal de lixo.

 

E porque o lixo não é reciclado? É simples: o custo do reciclado fica superior ao material virgem.

 

O alumínio e o cobre são catados até à mão, nos lixões, por seu valor. O ferro pode ser separado magneticamente e reciclado a um custo baixo.

 

O plástico, com seus inúmeros tipos, precisa ser catado, escolhido, lavado, seco, moído, colorido, extrudado, granulado e embalado para reutilização. Fica mais caro que o material virgem, com qualidade inferior e  uso até proibido para alimentos e outros.

 

Na "distante"  década de 80 a situação era diferente.

 

Os sacos plásticos eram ferozmente disputados nos aterros e nos ferros-velhos de São Paulo. Prensados e enfardados, seguiam para reciclagem e seu preço atingia 60% da matéria-prima virgem. Transformavam-se em sacos de lixo e sacolas para pequenos supermercados, que na época ocupavam uma fatia maior no ramo varejista. Como não havia distribuição intensa das sacolinhas, estas não sobravam nas residências para serem utilizadas como sacos de lixo. Muitos  distribuíam sacolas de papel. Havia um grande mercado para o plástico reciclado para a produção  de sacos de lixo –pretos, azul- esverdeados e até translúcidos.

 

Nessa época, foi introduzida a tecnologia das sacolinhas plásticas produzidas com polipropileno biorientado. Muito mais finas, mais baratas, mais bonitas, cheirosas e higiênicas que as feitas de material reciclado, rapidamente exterminaram a reciclagem do chamado plástico mole, ou aparas de polietileno – especialmente os resíduos coletados em lixões.

 

Some-se a isto: a) a fiscalização mais eficiente dos tributos das pequenas empresas; b) o combate, pela Cetesb, das lavadoras que poluíam as águas, lavando o plástico retirado dos lixões, e queimavam borras de telas de extrusoras; c) o combate à informalidade da mão de obra; d) o custo e a falta de áreas adequadas à reciclagem.  O setor de reciclagem de aparas de lixão morreu e, com ele, centenas de empregos informais.

 

Ficou o problema do lixo, agora agravado pela questão social da inserção dos desqualificados no mercado de trabalho.

 

A lei das sacolinhas chega em bom momento. Reverte uma tendência equivocada. O Estado democrático existe para legislar, impondo restrições de direitos individuais e ganhos nos direitos coletivos.

 

Cria-se um mercado novo para reinserir os desvalidos e reativa-se uma indústria. Mas não se pode parar por aí.

 

São necessárias desonerações tributárias para as atividades de reciclagem. Os governos, das três esferas, não vão perder receitas de atividades que não existem e não as geram. Melhor existirem empresas formais arrecadando alíquotas simbólicas, do que 18% só de ICMS sobre nada. Melhor um IPTU reduzido em terreno
de pequena indústria do que arrecadação zero em regiões sem trabalho nem renda, das periferias dos lixões.

 

Melhor a coleta seletiva pelos catadores nas ruas do que pagar por toneladas a mais de lixo remetidos aos lixões. Melhor gerar empregos e renda honesta, do trabalho possível, do que bolsas assistencialistas.

 

Falta a lei da garrafinha. Antigamente todas as garrafas eram retornáveis. Porque isso não pode voltar, como na Alemanha? Porque não obrigar, por lei, o uso do "depósito" nos supermercados? Basta desonerar a operação e todos ficariam felizes.

 

Os próprios fabricantes de garrafas PET poderiam recolher, a custo viável, sua matéria-prima. Melhor do que retirar toneladas e toneladas de garrafas das ruas, bueiros, córregos e rios desta cidade. Melhor do que suportar os efeitos das enchentes.

 

Viabilize-se o mercado e ele volta a funcionar. Um pouco de educação e conscientização da população também ajuda.

 

Também falta a lei do entulho, viabilizando sua industrialização dentro do município. O descarte ilegal e clandestino custa para a prefeitura e, portanto, para o contribuinte. O descarte legal custa caro ao construtor, em especial de pequeno porte. São milhões de pequenas reformas, gerando caçambas que devem viajar por rodovias, pagar pedágios e terem áreas para descarte. O consumo de diesel, a geração de trânsito pesado, poluição ambiental custa a todos. Entulho contém pedra, areia, argila, ferro, madeira, plásticos.

 

Se bem reciclado pode gerar areia, brita, agregados, tijolos, materiais que não precisariam sair nem entrar em São Paulo. A Prefeitura fez isso na demolição do São Vito.

 

O que é melhor: desonerar a atividade ou gastar fortunas – do contribuinte – com o descarte? Falta um pouco de bom senso.

 

Podemos dizer que a Prefeitura iniciou o bom caminho. A Câmara Municipal aprovou a lei que veta a distribuição de sacolas plásticas aos consumidores por supermercados e outros estabelecimentos comerciais a partir de janeiro de 2012.

 

Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu a lei, em caráter liminar, a pedido do Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo. Democraticamente, esta tem sua razão econômica para protestar, mas a questão ambiental deve prevalecer.

 

É uma tendência irreversível.

 


Veículo: Diário do Comércio - SP


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