O consumidor tem feito sua parte. Nas prateleiras do varejo, as telas de cristal líquido (LCD) reinam absolutas. O produto é do sonho de consumo do cidadão e a indústria de eletrônicos tem vendido TVs como água. Em 2009 foram 9 milhões de aparelhos, movimentando US$ 4,18 bilhões. Para este ano, a expectativa é produzir 12 milhões de TVs.
Do lado das emissoras de TV, no entanto, o cenário é um pouco mais complexo. Nas principais capitais, o cronograma do governo vem sendo cumprido. Passados dois anos, a cobertura do sinal digital no Brasil alcançou 26 regiões metropolitanas, chegando a 60 milhões de habitantes. O padrão nipo-brasileiro de transmissão - o chamado ISDB-T (Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial) - também vem obtendo sucesso em sua disseminação pela América Latina.
Um impasse, no entanto, tem colocado em xeque a velocidade da cobertura digital no interior dos Estados. Para promover a migração tecnológica entre as retransmissoras que atuam em cidades menores, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) criou, em 2007, o "Programa de Apoio à Implementação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre". Com validade até 2013, o ProTVD nasceu com recursos de R$ 1 bilhão para financiar, a juro baixo, a transição das emissoras para a infraestrutura digital. O pacote, inclusive, poderia ser ampliado se houvesse necessidade. Por enquanto, ele está bem longe disso. Passados três anos, o BNDES emprestou R$ 40 milhões. Apenas três emissoras do país tiveram seus financiamentos aprovados pelo banco: o SBT (R$ 10 milhões), a Fundação João Paulo II (R$ 10 milhões) e, no mês passado, a TV Integração (R$ 20 milhões).
Para o BNDES, o desinteresse das empresas em buscar seu financiamento é absolutamente normal. "O cronograma de migração para a TV digital priorizou, até agora, as grandes emissoras das capitais, que usam praticamente apenas transmissores importados", comenta Alan Fischler, chefe do departamento de telecomunicações do BNDES. "Nosso financiamento é voltado para a compra de equipamentos nacionais. Agora vai começar a segunda fase da TV digital, com a migração das emissoras menores, que passarão a procurar nosso financiamento."
Grande parte do mercado nacional dos transmissores - que é um dos equipamentos mais caros na migração do sinal de TV - é atendido pelas fabricantes Linear e STB, de Minas Gerais; e a RF Telavo, de São Paulo. Até agora, a Linear vendeu cerca de 50 transmissores digitais no país. A STB conseguiu vender 8 equipamentos. A Telavo, 15. Os fabricantes têm dificuldade em mensurar o tamanho do mercado que têm pela frente. De qualquer forma, não é pouca coisa. Só de repetidoras do sinal, há mais de 10 mil empresas no país que, até 2013, terão de ter suas estruturas preparadas para o sistema digital. Segundo dados da Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), o setor mobiliza, hoje, cerca de 300 mil profissionais e soma custos anuais de R$ 4 bilhões, além dos investimentos em expansão e inovação tecnológica.
"Sabemos que o que vendemos até agora é irrisório perto do potencial do setor ", comenta Carlos Fructuoso, diretor de marketing da Linear. "Acontece que há uma dificuldade muito grande do nosso cliente em conseguir crédito para financiar o projeto."
Questionado sobre os recursos do BNDES, Fructuoso afirma que as garantias de negócio exigidas pelo banco para que as empresas tomem o empréstimo são a principal razão da baixa adesão ao programa. "Tenho cliente que chega aqui e pede um parcelamento em 36 vezes. Não consigo fazer isso, não tenho recursos para isso", comenta. "Por outro lado, a opção do BNDES é muito rígida e isso está prejudicando as operações."
Para não perder contratos, a Linear buscou empréstimos com o banco Aymoré Financiamentos. Com o recurso, ela financia o contrato com as emissoras. "Acabei de fechar uma venda parcelada em 24 vezes", comenta.
A TV Integração, afiliada da Rede Globo que atua no Triangulo Mineiro, acabou de fechar um financiamento de R$ 20 milhões com o BNDES. A negociação, segundo Rogério Nery, superintendente do grupo Integração, teve início há mais de dois anos. "Chegamos a avaliar a captação de recurso em banco privado", afirma. O empréstimo, o maior concedido pelo BNDES até agora, não será suficiente para toda a cobertura da rede, diz Nery. "Devemos pedir mais R$ 30 milhões neste ano."
Para José Napoleão Corrêa, engenheiro de sistemas da RF Telavo, não é apenas a burocracia no acesso ao financiamento que tem inibido as pequenas emissoras. "Na realidade, a emissora está segurando a migração porque, até agora, não viu qualquer contribuição financeira para o seu negócio", comenta. "Por enquanto, é só geração de custo."
O BNDES não dá detalhes, mas informa que o número de propostas para requerer o financiamento cresceu. "Há vários pedidos sendo analisados hoje", diz Mauricio Neves, chefe do departamento de indústria e eletrônica da instituição. "É preciso lembrar também que o setor de mídia sempre teve muito dificuldade de acessar financiamento."
O preço dos equipamentos de transmissão caiu fortemente nos últimos anos. Um transmissor digital que custava R$ 500 mil dois anos atrás, sai hoje por cerca de R$ 250 mil, diz Armando Lemes, diretor comercial da STB. Em 2007, comenta ele, a indústria nacional ainda não tinha capacidade de construir transmissores de alta potência, como os fabricados por multinacionais como Harris, Hitachi e NEC. Agora essa tecnologia já está disponível no país.
As dificuldades de crédito, no entanto, não estão travando os negócios, diz Carlos Fructuoso, da Linear. "Hoje, em carteira, temos 118 propostas em análise; e também já vendemos cerca de 200 transmissores para os Estados Unidos."
Veículo: Valor Econômico