"Há muito capital para novas start-ups no Brasil"

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O Mercado Livre, do argentino Marcos Galperin, 40 anos, é um sobrevivente. Fundado em 1999, um ano antes do estouro da bolha pontocom, a empresa não só não morreu como se tornou a maior plataforma de comércio eletrônico da América Latina.

Mais de duas vendas são concretizadas por segundo dentro dos seus domínios. Em 2011, as transações realizadas no site movimentaram mais de US$ 4 bilhões. De quebra, é o único site da região com capital aberto na Nasdaq, a bolsa de valores das empresas de tecnologia nos EUA, avaliado em mais de US$ 4,2 bilhões. Como se não bastasse, ainda é a quarta companhia que mais cresce no setor de tecnologia no mundo, num ranking elaborado pela revista americana Fortune – a todo-poderosa Apple ficou em sexto lugar, enquanto gigantes como Google e Microsoft ficaram de fora. A despeito de sua origem na Argentina, é no Brasil que o Mercado Livre colhe a maior parte da sua receita e lucro. Desde quando começou a operar, o País representa mais de 50% dos seus resultados. Nesta entrevista exclusiva à DINHEIRO, Galperin relembra seu começo e fala sobre o futuro do Mercado Livre, além de analisar o mercado de comércio eletrônico e de start-ups. 

DINHEIRO – O Mercado Livre é a única empresa de internet da América Latina a ter seus papéis negociados na Nasdaq. O sr. acredita que há hoje alguma start-up brasileira que possa abrir seu capital na bolsa americana em breve?
GALPERIN – Estou seguro de que isso vai acontecer. E é importante que aconteça para que o ecossistema de empreendedorismo digital da região siga se desenvolvendo. Há bons candidatos no Brasil, como a Netshoes, que, aliás, começou a fazer e-commerce conosco.
 
DINHEIRO – O sr. estudou em Stanford, no Vale do Silício, berço da inovação tecnológica mundial, e neste ano o Mercado Livre abriu um escritório por lá. Qual o segredo dessa região?
GALPERIN – Acredito que o grande segredo é a cultura fascinante, que motiva as pessoas a assumir riscos e não ter medo do fracasso. Sem tomar riscos, também é menor a chance de sucesso.
 
DINHEIRO – Como o sr. compara a rede de empreendedorismo digital do Brasil e da América Latina com a do Vale do Silício?
GALPERIN – É obvio que eles têm um ecossistema único, mas acredito que estamos começando a gerar nosso próprio ecossistema. E o Mercado Livre tem um papel central nesse processo, parecido com o que a HP teve no início do Vale do Silício. E digo isto porque muita gente que ajudou a fundar ou investiu no Mercado Livre fez muito dinheiro e hoje atua como investidor-anjo ou até criando empresas de capital de risco. Eu próprio investi no fundo Kaszek Ventures, que foi criado por antigos executivos da nossa empresa, que já investe no Brasil (a start-up paulista Kekanto, de buscas locais, recomendação de bares e restaurantes, por exemplo, recebeu um aporte da Kaszek, no fim do ano passado).
 
DINHEIRO – Como surgiu a ideia de criar o Mercado Livre, em 1999?
GALPERIN - Eu estudava em Stanford, no Vale do Silício, e estava impressionado com o sucesso do eBay, que despontava permitindo que qualquer pessoa vendesse na internet. Além disso, sempre achei que o modelo era perfeito para a América Latina, uma vez que adoramos pechinchas e não costumamos jogar fora muitas coisas velhas ou que deixamos de usar. Mas isso foi apenas o começo. Trabalhamos para ser a plataforma de negócios virtuais em que qualquer pessoa ou empresa interessada possa fazer varejo online. E dessa maneira democratizar o comércio eletrônico na América Latina.
 
DINHEIRO – Quais foram os grandes obstáculos nesses mais de dez anos de história?
GALPERIN – Foram muitos. No começo, havia o desafio de construir esse mercado de internet na América Latina, que era quase inexistente. Em 1999, a penetração de rede na região era de apenas 3%, dos quais 10% faziam comércio eletrônico. Hoje, pelo menos 40% da população da região está conectada. E mais de 50% dos usuários fazem compras online. Era, portanto, um mercado muito pequeno. Mas também muito competitivo. Chegamos a ter dezenas de concorrentes diretos. E precisamos ir mudando nosso site, nosso modelo, até encontrar um mercado suficientemente grande em que pudéssemos cobrar uma comissão. Tudo isso antes do estouro da bolha, que foi um período muito complicado para conseguir financiamento. Manter o time motivado dentro dessas circunstâncias também foi difícil.
 
DINHEIRO – Apesar das dificuldades, o sr. sempre acreditou no sucesso do negócio?
GALPERIN – Sim. No entanto, mais que acreditar, trabalhamos bastante duro para tornar a plataforma bem-sucedida. Demoramos sete anos para gerar o primeiro lucro.  Mas sabíamos que tínhamos o dinheiro suficiente, vindo de fundos de investimento, para financiar nossas perdas. Poderíamos ter dado lucro no sexto ano, mas preferimos seguir crescendo rapidamente.
 
DINHEIRO – Até hoje, o Mercado Livre é  citado como o eBay da América Latina. O sr. vê algo de pejorativo nisso?
GALPERIN – De forma alguma. Na época em que criamos o Mercado Livre, o eBay usufruía de um prestígio semelhante ao que hoje têm o Google e o Facebook. Inspirar-se em um modelo existente não tira o mérito de um empreendedor bem-sucedido. Hoje, somos a maior plataforma de comércio eletrônico da América Latina, com mais de 65 milhões de vendedores e compradores cadastrados. Mesmo o Google e o Facebook não foram o primeiro buscador ou a primeira rede social, por exemplo. E nós evoluímos de uma maneira distinta do eBay. Rapidamente mudamos o foco de um site de leilões para uma plataforma de varejo online, em que milhares de empreendedores criaram seus próprios negócios. Um caminho que o próprio eBay tomou depois de nós.
 
DINHEIRO – Algumas start-ups brasileiras, como Netshoes e Peixe Urbano, têm buscado se tornar líderes regionais, a exemplo do Mercado Livre. Que conselhos o sr. daria a esses empreendedores?
GALPERIN – É difícil, para qualquer um. Sobretudo são dificuldades de produto. Tínhamos um modelo flexível que permitiu o lançamento do site em países distintos com relativa facilidade. Esse não é exatamente o caso de muitos negócios digitais de sucesso no Brasil, que têm dificuldades adicionais com logística e estoque ou necessitam de uma grande equipe de vendas. Não é por acaso que Google e Facebook fazem tanto sucesso por aqui e que a Amazon até hoje não tenha iniciado sua operação de comércio eletrônico na região.
 
DINHEIRO – Qual a importância do Brasil para o Mercado Livre?
GALPERIN – É de longe o país mais importante para nós, representando mais de 50% dos nossos negócios. Foi assim desde o início. O mercado brasileiro é muito grande. No entanto, acredito que alguns empreendedores brasileiros, fascinados com esse gigantismo, perdem muito tempo e demoram a enxergar o restante da região. Para nós, que começamos na Argentina, sair de lá não era uma opção, e sim uma obrigação. Sempre soubemos que para ter relevância precisávamos fazer sucesso no Brasil.
 
DINHEIRO – Como o sr. compara o mercado brasileiro de comércio eletrônico com o restante da região?
GALPERIN – É muito mais avançado e bem mais competitivo. Está muito à frente do restante da região. O Brasil é o único país que realmente tem uma indústria de comércio eletrônico na América Latina. O melhor nesse cenário é que há ainda muito espaço para novos competidores e para crescer. Estamos apenas no começo desse negócio.
 
DINHEIRO – Nos últimos anos, temos visto um boom de start-ups no Brasil. Como o sr. vê esse cenário?
GALPERIN –  Há muito capital disponível. E novas plataformas, em que é possível fazer aplicações. Há também ferramentas como o Mercado Livre e  o Facebook, além dos smartphones, com o iPhone e o Android, que abrem oportunidades para negócios digitais. Ainda vamos ver nos próximos anos o surgimento e a expansão de várias empresas. Muitas ficarão pelo caminho, mas isso faz parte do jogo. É um grande momento.
 
DINHEIRO – Quais as principais tendências para o comércio eletrônico brasileiro?
GALPERIN – Vejo um crescimento  grande na importância das redes sociais, em especial do Facebook, e também dos celulares e tablets. São dois fenômenos fortes, que vão transformar não só o setor, mas todo o varejo. E o tráfego vindo dessas plataformas cresce muito para nós.
 
DINHEIRO – Toda a história do Mercado Livre foi construída na área de e-commerce. O sr. se vê empreendendo em outra área?
GALPERIN – Estou focado em seguir desenvolvendo uma plataforma que integre nossas quatro frentes de negócios, o Mercado Livre, o Mercado Pago, de meios de pagamentos, o Mercado Shops, lojas online para pequenos e médios varejistas, e o Mercado Ads, de anúncios. Nos próximos anos, nos tornaremos muito maiores como plataforma, com vários desenvolvedores criando recursos e ferramentas dentro do nosso ecossistema. E acredito que o Mercado Pago possa vir a se tornar um negócio maior que o Mercado Livre.
 
DINHEIRO – Quais os empreendedores de tecnologia que o inspiram?
GALPERIN – Gosto muito do Jeff Bezos, fundador e CEO da Amazon. Aprecio sua coragem para tomar riscos e seu foco no longo prazo e no consumidor.
 
DINHEIRO – Como o sr. descreveria a cultura coorporativa do Mercado Livre?
GALPERIN – Trabalhe muito, mas também se divirta. A ideia é que as pessoas gostem de trabalhar e passem bem o tempo dentro da empresa.



Veículo: Isto É Dinheiro


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