O maior ganho dos bancos americanos com os cartões é o crédito rotativo. Cerca de 70% das compras com cartão nos EUA são financiadas no rotativo. Ao pagar uma compra com o cartão, o cliente americano entra direto no rotativo; e o lojista recebe o pagamento em dois dias (D+2).
No Brasil, o cliente paga a fatura em média em 28 dias (D+28) após a aquisição e o lojista recebe em 30 dias (D+30). Se não puder quitar o total da fatura no vencimento, o cliente faz um pagamento mínimo e financia o restante no rotativo.
O rotativo já passou de 50% do total transacionado com cartões no Brasil, mas acabou sendo substituído em boa parte pela prática da "compra parcelada sem juros". Oferecida pelo lojista, a compra parcelada no cartão surgiu há cerca de quatro anos e ocupou o lugar em que antigamente reinava o cheque pré-datado, com a vantagem de ser um meio de pagamento mais barato.
A princípio, os bancos não gostaram do surgimento da nova prática porque não ganham nada com ela, embora cubram o risco de inadimplência do portador do cartão. Mas souberam fazer a limonada do limão ao reformular um velho negócio, o desconto de recebíveis. Já era possível antecipar para lojistas com aperto de caixa o pagamento das vendas com cartão antes do vencimento da fatura, tomando como garantia o fluxo dos recebíveis dos cartões. Com a venda parcelada no cartão, o negócio ficou mais atraente porque os volumes e os prazos aumentaram.
Mas, para reduzir o risco da operação, o banco precisa ser o domicílio bancário da empresa. O domicílio bancário é a instituição financeira onde o estabelecimento tem a conta corrente que recebe os créditos originários das vendas com cartões. Sendo o domicílio bancário da empresa, o banco tem controle de todos pagamentos recebidos pelo lojistas nas vendas por cartão e garante assim que terá o valor antecipado de volta.
Por isso, ao fazer o contrato de desconto de recebíveis de cartão com a empresa, o banco pede ao credenciador para "travar o domicílio" até que a antecipação tenha sido liquidada, o que significa que todos os pagamentos recebidos pela empresa pelas vendas feitas com cartão cairão nessa conta até que o valor antecipado seja quitado. Com isso, o risco da operação é baixíssimo.
O domicílio bancário das empresas passou, então, a ser o mais recente alvo de disputa entre os bancos. As empresas podem mudar esse domicílio quando quiserem, se não estiver travado; e o fazem frequentemente.
Nessa briga por domicílio bancário ganham os grandes bancos que têm mais contas correntes. Mas há casos peculiares. O Citibank é um grande emissor de cartão mas tem pouco domicílio bancário, segundo fontes do setor. O Safra é o contrário: tem poucos cartões emitidos mas tem muitos domicílios bancários. O banco já era forte no desconto dos cheques predatados e evoluiu o business. Também forte nesse negócio é o pequeno Tribanco, da rede mineira de distribuição Martins.
Apesar de não ser instituição financeira, a Redecard sempre ofereceu o desconto de recebíveis para os lojistas, especialmente os pequenos, como desconto um mercantil, sem pagamento de IOF. As compras parceladas representam metade das transações totais da Redecard, informou relatório da corretora Link. Já as contas das grandes empresas acabaram ficando com os bancos. A VisaNet não fazia desconto de recebíveis e passou a fazê-lo após abrir o capital, neste ano.
Quando a credenciadora é que faz a antecipação de recebíveis o risco é virtualmente zero porque passa por ela todo o fluxo financeiro do cartão. É ela que pega o dinheiro dos bancos dos portadores de cartão e repassa o pagamento aos lojista.
O estudo do BC não considera os ganhos com antecipação de recebíveis, segundo Boanerges Ramos Freire, porque abrange um período em que só a Redecard fazia esse tipo de operação e a VisaNet, não.
Desde sua criação em 1996, a partir da cisão da Credicard, a Redecard faz o desconto de recebíveis. A partir do sua abertura de capital, em julho de 2007, passou a permitir a antecipação dos recebíveis para os bancos em que os cartões MasterCard compõem mais de 35% da carteira.
A receita da Redecard com a antecipação de recebíveis chegou a ser 25% de todos os valores pagos aos lojistas. Depois caiu para 20% em 2007. Mas a elevação do IOF no crédito revigorou os negócios porque as operações das credenciadoras não têm esse tributo, segundo a corretora Link. Em 2008, a antecipação subiu para 23%, representando R$ 19,3 bilhões, que proporcionaram uma receita líquida de R$ 519,5 milhões à Redecard naquele ano. A corretora Ativa informa que quase 20% da geração de caixa da Redecard é obtida com a antecipação de recebíveis. (MCC)
Veículo: Valor Econômico