Vice-presidente da Frente CSE, o deputado Laércio Oliveira está em seu segundo mandato, tendo como principal bandeira o fortalecimento do setor produtivo privado. Nesta Exclusiva, ele nos fala da visão dos políticos sobre o empresariado e das reformas tributária e trabalhista
O gabinete do deputado federal, pelo partido Solidariedade, Laércio Oliveira, parece ter, sempre, as portas abertas. A sala dele não se aparta do resto do espaço por divisórias opacas e grossas; há um vidro fino e, mesmo quando se fecha a porta da sala, escuta-se e se vê o que se passa lá dentro. Enquanto aguardamos o deputado nos receber, é possível escutar, mesmo sem querer ser abelhudo, o que ele conversa com representantes do setor de apicultura. Assim que a reunião termina, Oliveira nos convida, da própria mesa, a entrar na sala.
“Nunca me imaginei na política. Durante muito tempo, minha relação com esse universo se limitou ao dever cívico de ir votar, principalmente, quando eu trabalhava nos Correios e precisava entregar o comprovante do meu voto.” Hoje, Oliveira está em seu segundo mandato, como deputado, sempre se pautando pela defesa do setor produtivo e da iniciativa privada. “É no que eu acredito. Estou convencido que o desenvolvimento do País passa pelo estímulo ao empreendedorismo e pela força do setor produtivo privado.”
Um dos mentores da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Comércio, Serviços e Empreendedorismo (Frente CSE), da qual é vice-presidente, Oliveira chegou à política pela iniciativa privada, tendo, antes, atuado como representante de classe, em diversas entidades. Depois de sair dos Correios, Oliveira virou empresário do setor de serviços, como sócio da empresa de limpeza e conservação comercial, Multserv.
Hoje, além de deputado e sócio da empresa, ele é vicepresidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Sergipe (Fecomercio-SE).
Deputado por Sergipe, sua terra de coração, como ele mesmo diz, Oliveira é natural de Recife, filho de um operário e de uma dona de casa, que, para lhe garantir os estudos técnicos de contabilidade e datilografia, incrementava a renda familiar com a
venda de “geladinho”. “Sou o segundo de sete irmãos. Sempre fui ‘girento’ [inquieto] e, com 12 anos, trabalhava fazendo ‘carrego’ [levando compras, da feira, para a casa dos consumidores]. Com 14, virei offi ce-boy, com o compromisso de pagar as contas de luz e de água de casa.”
A inquietude do jovem Oliveira o levou, aos 18 anos, já com o curso técnico de contabilidade e de datilografia no currículo, para a capital do Sergipe, Aracajú, a convite de um tio, que lá vivia, e lhe conseguira entrevista de emprego num escritório de contabilidade. “Quando cheguei para a entrevista, o dono do escritório, um sujeito chamado Romeu, perguntou se eu sabia datilografia. Respondi: ‘Melhor que qualquer funcionário seu’. Ele ficou meio bravo e me deu, de cara, um teste. Eu fiz e, ao ver meu trabalho, ele disse: ‘Você é bom mesmo! Pode começar amanhã’”.
Enquanto trabalhava no escritório de contabilidade, Oliveira aproveitava as noites livres para fazer um curso de mecanógrafo, o que lhe valeria um novo emprego, desta vez, na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Paranaíba (Condevasf). Esse emprego, porém, não aplacaria sua natureza inquieta.
Oliveira, então, prestaria concurso e entraria para os Correios. “Mas eu queria mais. Não gostava da vida de assalariado. Queria ter um negócio para fazê-lo crescer, sabe?” Aos 26 anos, casado e com uma filha, Oliveira tomou uma decisão que, a princípio, não agradou, nem um pouco, sua esposa: “Pedi demissão nos Correios para construir minha própria empresa”.
Foi assim que nasceu, na década de 1980, a Multserv. “Depois de minha família, a coisa que mais amo é o meu negócio.” A princípio, sua empresa tinha três funcionários, o próprio Oliveira, seu sócio e uma moça, que ajudava na parte administrativa. “A gente ia crescendo aos poucos, mas o ponto de virada, mesmo, aconteceu quando tivemos a oportunidade de fazer a limpeza de uma das cinco lojas do Bom Preço, em Aracajú. Seu João Paes Mendonça, proprietário da rede [de supermercados], estava sem esperança de encontrar alguém que fosse capaz de limpá-la como ele gostaria, mas nós conseguimos e, de quebra, ganhamos contrato para limpar todas as lojas da rede na cidade.”
Com uma empresa cada vez mais forte — hoje, a Multserv tem cerca de 5 mil colaboradores, segundo ele —, o menino “girento”, já homem feito, começou a ganhar força como líder de classe. “Foi como representante de classe, que, um dia, vim ao Congresso Nacional e vi como nós, empresários, éramos malvistos e discriminados pela classe política. Pensei: ‘Isso não está certo, pagamos impostos, financiamos campanhas e ainda somos malvistos’. Conclui que o Congresso precisava de empresários para defender a classe.”
Oliveira falou, então, aos seus pares, sobre a ideia de o setor de serviços ter representação no Congresso. “Não tinha a intenção de vir, mas fui o escolhido e, agora, aqui estou.” Ele gostou da experiência e pretende seguir pela vida pública. “Devo me candidatar ao Senado, nas próximas eleições. O momento político é favorável.” No futuro, seguindo sua vocação executiva, já provada na iniciativa privada, ele tenciona pleitear ao cargo de governador do Sergipe.
O que o senhor acha do rótulo que tem, de ser um político em defesa da classe empresarial?
Acho bom. Minha origem é o setor de serviços e oi por meio dele que cheguei até aqui, na Câmara dos Deputados. Desde que cheguei ao Congresso, minhas bandeiras são muito claras: a valorização do empresário, a construção de um regramento trabalhista mais atual e moderno, porque nossa CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] é arcaica e distante das demandas trabalhista contemporâneas, e um sistema tributário mais simples.
O que o senhor quer dizer, quando fala em “valorização do empresário”?
Quero dizer que é preciso desmistificar, de vez, que o empresário é um desonesto. Isso não é verdade, mas é como somos vistos, muitas vezes, por pessoas do setor público e pelos próprios políticos. Em um dos meus primeiros pronunciamentos, na tribuna da Câmara, citava e defendia os empresários. Ao descer da tribuna, um colega deputado veio até mim e disse: “Para de falar esse nome.” “Que nome?”, perguntei a ele. “Empresário.” “Por quê?”. “Porque você vai ficar malvisto aqui.”... Veja só, malvisto! Eu sou empresário! Antes de ser político, sou empresário e não vou deixar de defender a classe. Essa visão, tão deturpada, do empresário, justifica a existência de um estado que intervém, a todo o instante, de forma pouco produtiva e muito engessadora, por meio de regulamentações desnecessárias. Precisamos mudar essa visão, comum em todo o setor público.
A gente precisa encontrar, nos órgãos públicos, pessoas com espírito cooperativo, como se fosse um hospital, com profissionais dispostos a ajudar as empresas a se recuperarem, se, de fato, estiverem com problemas. Empresa viva, saudável e forte é algo bom para todos, gera empregos, crescimento econômico e arrecadação para o País.
Por que o deputado acha que os empresários são vistos dessa forma?
Em grande medida, por causa dos próprios empresários. Nosso setor nunca olhou para dentro do Congresso, nem para o governo; sempre ficamos na periferia. Mas, ao mesmo tempo, passamos esse tempo todo ajudando a eleger candidatos que, muitas vezes, se diziam, em campanha, sensíveis às nossas causas. Veja só a falta de sintonia! É legítimo, em minha opinião, candidatos baterem à porta de empresários, apresentarem suas propostas e, caso sejam bem-vistas, receberem, dessas empresas, investimentos para a campanha.
Não vejo nenhum problema nisso, mas, agora, chegar ao Congresso e dizer “não fale o nome empresário aqui não” não é correto, nem leal. Assim como não é correto não termos disposição para cobrar os políticos para cujas campanhas contribuímos. Eu tenho dito, por todos os lugares em que vou: enquanto não nos unirmos, continuaremos a pagar a conta, sem ter direito a voz nenhuma. Se nossa classe não formar unidade, por meio de nossas confederações e associações, engajando-se e defendendo nossas causas nas galerias das câmaras legislativas, em todos os âmbitos de governo, não vamos mudar esse quadro. Precisamos aprender com os trabalhadores a fazer política e defender nossas causas.
Até hoje, entre colocar, na cabeça, um boné de protesto e ir às galerias para lutar contra um projeto de lei que venha a onerar, ainda mais, o setor e aceitar e pagar essa conta, nós sempre optamos por aceitar e pagar a conta. Isso precisa mudar.
Mas essa postura dos empresários também revela certo preconceito do setor em relação aos políticos, não?
Esse é o ponto. Há preconceito de ambos os lados. É preciso mudar, também, a ideia de que ninguém vale nada no Congresso e que não adianta lutar por mudanças, nem por melhorias. Não é se esquivando das discussões e dos problemas que eles serão resolvidos. Temos de participar, concordar, divergir. Faço parte da Comissão do Trabalho, na Câmara, e vou a esses encontros como um aluno, sedento por conhecimento, vai às aulas. Por quê? Porque, a qualquer momento, pode sair uma proposta que impactará, negativamente, o setor produtivo. Tenho de participar e mostrar, na comissão, a importância de as propostas considerarem todos os lados envolvidos. Vou lhe dar um exemplo: estava, em uma reunião da Comissão do Trabalho, certa vez, quando peguei um projeto, que estava para ser encaminhado ao Congresso. Nele, escrevia-se que o trabalhador brasileiro, quando fizesse o exame de próstata, teria direito a uma licença de três dias para se recuperar. Outra proposta, na mesma linha, era a licença paternidade de seis meses. Veja, são propostas que escapam ao bom senso, mas que, muitas vezes, quando não há ninguém, no Congresso, para fazer o contraponto, passam.
Se o setor público tivesse uma mentalidade mais empresarial, teríamos um país melhor?
Com certeza. Há práticas no setor público com as quais é impossível concordar. Por exemplo, fundo partidário: é uma agressão à sociedade. Para que fundo partidário?
Veja, se eu sou presidente de um sindicato, para eu ter receita, tenho que prestar serviços às empresas do meu segmento de atuação. Assim, cada uma dessas empresas deverá pagar, ao sindicato, uma mensalidade proporcional ao seu capital social. Mas para conseguir receber essa mensalidade, eu preciso convencê-las de que vale a pena se filiar ao sindicato, de que os serviços oferecidos são, de fato, bons e que a sindicalização traz muitos ganhos, inclusive institucionais. Agora, por que razão o brasileiro deve contribuir para o fundo partidário? Que benefício, à população, esse fundo traz? Eu sou a favor da extinção do fundo, mas não há perspectiva, no momento, para conseguir isso. Então, propus, no Congresso, a redução do valor do fundo para o mínimo necessário, que é de R$ 245 milhões. [Em 2015, o fundo partidário é de mais de R$ 880 milhões.] Nós precisamos de um novo modelo de gestão, para que possamos criar um novo ambiente para o nosso país, com mais estímulo ao desenvolvimento econômico e social.
De certa forma, a Frente Parlamentar CSE vai ao encontro de tudo o que o senhor está dizendo...
Não sei se você conhece a história dessa Frente, mas, quando cheguei aqui, no Congresso, criei a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Setor de Serviços.
Essa frente foi um sucesso. Digo isso porque, é muito comum, em início de legislaturas, surgirem inúmeras frentes parlamentares, mas, atuantes, só cinco, quando muito. A frente de serviços atuava, incomodava, tinha participação de ministros e foi assim durante toda minha legislatura anterior. Aí, no início desta legislatura, Alexandre Seabra [diretor da Abras, em Brasília], procurou-me e fez a seguinte proposta: “O que você acha de criar a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Comércio, Serviços e Empreendedorismo. Nesse caso, a sua frente será incorporado pela nova frente. Ah, tem outro coisa, você não poderá ser o presidente, terá de ser outro parlamentar”. Veja que proposta tentadora e irrecusável: ele pediu que eu acabasse com minha frente, para incorporá-la a outra, e me proibiu de ser o presidente. Eu disse sim, claro (rs). Sabe por que eu disse sim? Porque eu preciso fortalecer o setor empresarial aqui dentro, foi com esse propósito que cheguei aqui. O que menos importa, nesse contexto, é poder dizer: “eu criei”. Estou convencido de que a frente dessa legislatura, que nós criamos, tem muito mais força e contribui muito mais para a causa dos empreendedores brasileiros do que a frente que eu havia criado. Estamos no caminho certo e não podemos esmorecer, porque haverá desafi- os; virão projetos importantes a serem votados e teremos de mostrar a nossa cara. Haverá dias em que nós precisaremos encher o Congresso Nacional de empresários para fazer valer a nossa força. Teremos de visitar gabinetes, de Câmara e Senado, um a um, para conseguir alcançar nossos objetivos.
O senhor falou também da questão tributária e trabalhista, como bandeiras da sua legislatura...
As reformas tributária e trabalhista, nessa ordem, são prioridades para o setor. Quando falamos em tributo, não podemos ter falsas expectativas e acreditar que o poder público, independentemente da esfera, se municipal, estadual ou federal, irá fazer renúncia fiscal, ou seja, abrir mão de percentuais de arrecadação.
Partindo daí, o que se pode e deve defender, desde já e com bastante urgência, é uma reforma que simplifique, verdadeiramente, o nosso sistema tributário. A partir do momento que se simplifica o sistema, facilita-se o trabalho de fiscalização e, por consequência, tem-se ganho, em escala, de arrecadação. Ao mesmo tempo, os empresários reduzem custos com departamentos tributários e contábeis. Todos ganham, sobretudo em gestão. Os ganhos decorrentes dessa mudança abrirão
os olhos do governo e das empresas para que se continue a melhorar o sistema. Quem sabe, a simplificação não escancare, também, aos gestores públicos, a necessidade de privatizar as empresas públicas que, nas mãos da iniciativa privada e como contribuintes, tendem a gerar mais dividendos aos cofres do país do que aferindo lucros. O governo tem 144 empresas. Para quê? Não tenho dúvida de que a redução do tamanho do estado é uma boa maneira de nos tornarmos saudáveis, economicamente. Outro aspecto positivo disso é impedir o aparelhamento do estado, fazendo do bem público, bem do partido.
E da questão trabalhista?
A reforma trabalhista engloba uma série de temas que, hoje, estão sendo tratados de forma isolada no Congresso, casos da terceirização e do trabalho intermitente.
Enquanto não se consegue agregar todas essas demandas em um só documento, que, em minha opinião, deve ser um código, fazemos aos poucos. De modo geral, tenho a opinião de que a CLT deva passar por uma profunda modernização, de modo a servir de referência para nortear as relações de trabalho e não ser um empecilho para a geração de emprego. Segundo alguns estudos, na CLT, há, aproximadamente, 100 artigos que não servem para nada, que estão totalmente ultrapassados. Temos a necessidade de dissecá-la para ver o que serve ou não, neste momento. É importante deixar claro o seguinte, para mim, nesse processo de modernização da CLT, há uma regra inegociável: não subtrair nenhum direito dos trabalhadores conquistado ao longo desses anos todos. A CLT foi e será, sempre, muito importante, surgiu num momento de industrialização do País e, em grande medida, significou uma redução nos vínculos precários de trabalho. Porém, isso não significa que não possa ser modernizada.
O senhor falou sobre trabalho intermitente e terceirização. Qual é a opinião do senhor acerca desses dois temas?
O trabalho intermitente abarca as atividades que precisam de mão de obra por um período curto e específico da semana e do dia, caso de restaurantes e bares, por exemplo. O raciocínio, para a legalização desse tipo de trabalho, é simples: como o dono de um restaurante vai remunerar o funcionário, com base na CLT, se o profissional só trabalha parte do dia e da semana? Qual é o resultado dessa obrigação trabalhista, completamente avessa à natureza do negócio? Preços exorbitantes ao consumidor, porque o empresário precisa pagar seus custos, que, desse jeito, ficam desproporcionais. No caso dos supermercados, seria possível, nos fins de semana e nos períodos de maior fluxo de clientes, sob o regime de trabalho intermitente, contratar mais profissionais para o frente de caixa. Muitas pessoas abandonam, no Brasil, os estudos, porque precisam começar a trabalhar; são obrigados a conseguir um emprego dentro dos moldes legais, com carga horária que não permite conciliar trabalho e estudo. Com a modernização da CLT, vamos resolver muitos desses problemas. O projeto, pelo trabalho intermitente, vem ao encontro dessa demanda. Por que um universitário, que queira trabalhar, apenas, quatro horas por dia, três vezes por semana, das 19h às 23h, num bar, não pode fechar um contrato nesses temos com o empregador, se for essa a vontade dos dois? Que tipo de ganho essa restrição nos traz? Nenhum, só perda. [...] Sobre a terceirização, o Brasil é o único País que precisará de uma lei para a terceirização. Na maioria dos países do mundo desenvolvido, em que se pratica, e muito, a terceirização, não há lei específica para ela. A terceirização deve, a meu ver, ser livre. Essa história de distinguir atividade meio e fim, por exemplo, é desnecessário, burocratiza e inibe o desenvolvimento. É um formalismo que, em vez de ampliar, de melhorar a arrecadação, prejudica. Então, francamente, não sou favorável, sequer, à regulamentação. Acho, sim, que nós precisamos acreditar um pouco mais nas pessoas.