Entenda os motivos. Em 2021, bebida teve a maior alta em sete anos de acordo com dados do IBGE
Bebida alcóolica mais consumida pelos brasileiros, a cerveja teve em 2021 a maior alta de preços no país em sete anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A cerveja consumida em casa ficou em média 8,7% mais cara no ano passado, enquanto em bares e restaurantes subiu 4,8%.
As duas variações foram as maiores registradas nestes produtos no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) desde 2015.
As perspectivas para 2022 são pouco animadoras, porque a guerra entre Rússia e Ucrânia pressiona os preços globais da cevada e do malte, ingredientes da cerveja.
Os dois países respondem por 28% das exportações globais da cevada, e a Rússia é o terceiro maior fornecedor de malte ao Brasil.
Assim como em fertilizantes, o Brasil é fortemente dependente de importações no setor cervejeiro.
Veio no exterior 78% da cevada e 65% do malte consumidos no país em 2021, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv).
O lúpulo, terceiro ingrediente central da cerveja, é praticamente 100% importado atualmente.
Embora Uruguai e Argentina sejam os principais fornecedores de matéria-prima para cerveja para o Brasil, assim como com o trigo, a alta global de preços causada pela redução da oferta mundial de cereais em meio à guerra tende a afetar todos os compradores.
Um ponto positivo foi a valorização recente do real em relação ao dólar, porque isso ajuda a contrabalançar a pressão no preço das commodities.
Além disso, a Ambev, líder de mercado com 61,6% de participação no Brasil, diz contar com uma proteção de, em média, 12 meses contra variação cambial ou de preços das principais commodities que afetam seu custo de produção.
Mas analistas avaliam que empresas menores podem ter maior dificuldade com eventual alta de custos, tendo que repassar aumentos para o consumidor ou ter menos lucro.
A alta de preços já é bastante perceptível nas prateleiras e aplicativos de entrega, e os consumidores adotam estratégias para não ficar sem a bebida.
Segundo uma pesquisa da Kantar, os brasileiros têm trocado marcas consideradas de alto padrão, como Heineken, Stella Artois e Eisenbahn, por outras mais populares – e baratas -, com Skol, Brahma, Schin e Itaipava, na contramão do que vinha acontecendo em anos recentes.
Maior inflação em sete anos
Segundo o Sindicerv, entidade que representa Ambev e Heineken (que produzem quase 80% da cerveja nacional), a alta de preços em 2021 refletiu o aumento de custos da cadeia de produção, principalmente energia elétrica, combustíveis e commodities – o preço da cevada, por exemplo, subiu com a safra menor do que a esperada nos Estados Unidos.
“A maior parte da importação de cevada do Brasil vem de Argentina e Uruguai”, observa Luiz Nicolaewsky, superintendente executivo do Sindicerv. “Mas, com a quebra de safra nos Estados Unidos, eles avançaram sobre o Mercosul, adquirindo cevada dos países do grupo, o que naturalmente causa escassez para o Brasil, fazendo com que os preços subam.”
O representante da indústria destaca ainda que o setor cervejeiro tem uma frota de 40 mil veículos, portanto a alta de 49% dos combustíveis também atingiu em cheio os custos dos fabricantes.
Pesou ainda a alta do dólar, que saiu de uma média de R$ 3,94 em 2019, antes da pandemia, para R$ 5,16 em 2020 e R$ 5,39 em 2021.
Como o Brasil importa a maior parte das matérias primas da cerveja, isso aumentou fortemente os custos de produção.
No caso lúpulo, Nicolaewsky destaca que o preço aumentou também por causa da multiplicação das cervejarias artesanais no Brasil e no mundo, o que ampliou a demanda pelo broto que dá o sabor amargo característico da cerveja.
“Hoje, temos mais de 1,3 mil cervejarias cadastradas no Ministério da Agricultura, então naturalmente cresce a demanda”, diz Nicolaewsky.
Mesmo com essa explosão no número de cervejarias, as três maiores fabricantes — Ambev, Heineken e Petrópolis — ainda representam mais de 90% do mercado nacional, restando a todas as demais apenas 8,4% do mercado.
Inflação não é resultado só da alta de custo
Leonardo Alencar, analista-chefe de agro, alimentos e bebidas da XP Investimentos, destaca que os custos não são o único fator na inflação da cerveja. Pesam também o comportamento do consumidor e a estratégia de preço das empresas.
A pandemia mudou os hábitos de consumo, com menos procura por bares, restaurantes, baladas e eventos, e o aumento do consumo em casa.
Isso ajuda a explicar por que a inflação da cerveja consumida em domicílio foi quase o dobro da tomada fora de casa em 2021.
“Outro ponto relevante é que o preço da cerveja, no passado, era reajustado uma ou duas vezes no ano, exceto promoções ocasionais. Hoje em dia, algumas cervejarias – Ambev principalmente – têm plataformas de vendas e entrega, o Bees e o Zé Delivery, em que a gestão é feita de maneira mais estratégica para gerar mais valor”, destaca Alencar.
O Bees é uma plataforma da Ambev destinada à venda para pequenos e médios empreendimentos comerciais, já o Zé Delivery conecta consumidores a vendedores de cerveja da sua região, que entregam a bebida já gelada.
Por meio delas, os vendedores conseguem agora reajustar a cerveja mais vezes ao longo do ano e de forma regionalizada.
“Ao invés de ter uma tabela de preços única e subir para o país todo, em um ano como 2021, com uma dinâmica muito favorável ao agronegócio, a empresa pode optar, por exemplo, por subir mais os preços fora das capitais. E os indicadores de inflação captam melhor a dinâmica das capitais”, observa o analista.
“Até arrisco dizer que a alta real do preço da cerveja foi maior do que os indicadores captaram por conta desse maior dinamismo da precificação”, afirma o analista da XP.
Pressão nos preços em 2022
Segundo o analista da XP e o sindicato das cervejarias, a pressão nos preços da cerveja é de alta em 2022, mas ela pode ser em parte mitigada pelo câmbio e atingir empresas grandes e menores de formas diferentes.
A Ambev estima uma alta de custo por hectolitro (100 litros) de 16% a 19% em 2022. No ano passado, o aumento foi de 17,4%.
A estimativa foi feita pela empresa antes da explosão da guerra na Ucrânia, mas a cervejaria disse à BBC News Brasil que as projeções estão mantidas, devido à sua política de proteção de custos (chamada de hedge, em inglês) de 12 meses.
A Ambev declinou pedido de entrevista e disse que não se manifestaria nesta reportagem.
Já a Heineken, mesmo antes da guerra, projetava um crescimento de custos por hectolitro na casa dos 15% em 2022, devido a aumento nos preços de commodities, energia e frete.
“Compensaremos esses aumentos de custo de insumos por meio de preços, o que pode levar a um consumo de cerveja menor”, disse em fevereiro Harold van den Broek, diretor financeiro do grupo, em comentário sobre resultados.
A guerra na Ucrânia acrescenta pressão a esse cenário que já era de aumento de custos na percepção das maiores empresas do setor.
O Brasil é o terceiro maior mercado produtor de cerveja do mundo, atrás de China e Estados Unidos, tendo produzido 151,9 milhões de hectolitros da bebida em 2020, segundo dados do relatório BarthHaas Hop Report 2020/2021, usado como referência pelo Sindicerv.
Na ponta das matérias primas, Rússia e Ucrânia são gigantes, respondendo juntas por 28% das exportações globais de cevada em volume e por 24% em valor.
Os dois países também têm volumes relevante de vendas externas de malte — produzido a partir da germinação da cevada ou outro cereal, cujos brotos são então tostados ou torrados.
Como os preços das commodities variam globalmente e os Estados Unidos devem continuar a competir pela cevada e o malte do Mercosul, a pressão de custos afeta o Brasil.
“O custo da cerveja do mundo subiu, todas as cervejarias estão sendo impactadas por isso”, observa Leonardo Alencar, da XP.
“Mas a região onde o custo é menor é aqui no Brasil e as cervejarias mais verticalizadas [que controlam todas as etapas do processo produtivo], como a Ambev, sofrem menos com a alta de custos. Ela poderá decidir entre não subir tanto os preços e ganhar participação de mercado ou proteger suas margens. Outras empresas, como as artesanais, vão sofrer com a mesma pressão de custos sem a mesma estrutura.”
Como o consumidor responde à inflação
O comportamento do consumidor afeta a dinâmica de preços e vice-versa, porque o avanço da inflação muda o consumo de cerveja.
“Há uma migração de cervejas de alto padrão para as populares, então, diminuiu a quantidade de vezes em que os consumidores tomam cervejas como Heineken, Budweiser e Stella Artois e houve um aumento de outras marcas mais baratas”, observa Hudson Romano, gerente sênior de consumo fora do lar da Kantar.
Ainda segundo o analista, embora o mercado brasileiro de cerveja venha ganhando novos consumidores, a frequência de compra caiu pela metade.
“Por conta do aumento de preços, o consumidor continua bebendo, mas, em vez de beber três vezes por semana, ele bebe uma vez e meia. Essa diminuição no consumo é um problema para a indústria.”
Uma das respostas tem sido o lançamento de novas marcas. A Ambev, por exemplo, investe em um segmento intermediário entre as cervejas de alto padrão e populares, com marcas como Brahma Duplo Malte e Spaten.
“O consumo de cerveja é muito ligado a crescimento do PIB [Produto Interno Bruto]”, observa Alencar, da XP. “Em um ano em que teremos menos crescimento, há um efeito disso no consumo de cerveja.”
“A pressão inflacionária tira poder aquisitivo, e deixamos de consumir um produto mais caro por um intermediário. Ou trocamos um intermediário por um mais barato. Isso favorece a cerveja em relação às demais bebidas alcóolicas, porque ela é mais barata, e as cervejas populares e intermediárias”, observa.
Os analistas avaliam ainda que o local de consumo deve seguir a mudança do mercado de trabalho. Ou seja, se antes se trabalhava e bebia mais fora de casa, agora a tendência é o trabalho e o consumo híbrido, com mais cerveja sendo bebida em casa.
“Os jovens estão saindo, mas estão indo menos a bares e baladas e mais à casa de amigos e locais públicos”, diz Romano, da Kantar.
“Ainda estamos na pandemia, mas com uma liberdade muito maior que em 2020, estamos botando o pé na água e cada vez mais vamos afundando, até a gente voltar a nadar. Mas, enquanto não estiver 100% seguro, as pessoas vão continuar se preservando.”
Fonte: BBC News Brasil