Godfrey Mautloa passou meses preparando seu bar para o início da Copa do Mundo aqui, em menos de um mês. Ele pediu tendas para acomodar o fluxo extra de clientes, e também telões para exibir os jogos. Mas não vai oferecer a Budweiser, a cerveja oficial da Copa do Mundo.
"Tentamos, mas as pessoas simplesmente não gostam", diz Mautloa, dono do Masaken, um boteco popular neste subúrbio ao sul de Joanesburgo. "A própria Budweiser não parece tão interessada assim na África do Sul."
A cerveja que se anuncia como a "Grande Lager Americana" pode dominar o mercado dos Estados Unidos, mas sua presença é pequena num país que se prepara para hospedar várias centenas de milhares de torcedores com sede de cerveja durante o campeonato mundial de futebol, que dura um mês. É por isso que a marca tomou a estranha decisão estratégica de ceder o mando de campo para os concorrentes locais no país africano em que mais se consome cerveja.
A fabricante da Budweiser, a Anheuser-Busch InBev NV, sediada na Bélgica, afirma que está de olho num objetivo maior. A estratégia da marca é se concentrar na conquista dos milhões de torcedores que vão assistir aos jogos da Copa do Mundo pela televisão, em mercados onde a companhia já tem marcas fortes. Entre esses mercados estão os EUA, a China e a sede da Copa seguinte, o Brasil.
"Embora a África do Sul certamente seja importante para as vendas de cerveja, o foco é mais no aspecto global da Copa do Mundo", diz Eelco van der Noll, diretor mundial de esportes e entretenimento da AB InBev.
Mas enquanto a Bud adota uma visão mundial, seu maior concorrente age localmente.
Quando a Copa começar, em 11 de junho, a SABMiller PLC terá peruas climatizadas em locais importantes do país, para que bares e restaurantes não fiquem sem a bebida. A cervejaria, que tem sede em Londres, também quer garantir que os donos dos estabelecimentos tenham um bom estoque de suas marcas, especialmente a popular Castle Lager. A Castle é a patrocinadora da seleção sul-africana.
"Tenho certeza que a Castle está bem posicionada para ser a cerveja extra-oficial do torneio", diz Alastair Hewitt, gerente-geral da marca Castle e da campanha da SABMiller durante a Copa do Mundo. Hewitt diz que a SABMiller deve comercializar o equivalente a mais de 30 milhões de garrafas padrão de cerveja durante o torneio, 6% a mais que as vendas normais da época.
A holandesa Heineken NV, veterana patrocinadora do futebol europeu, abriu oficialmente este ano sua primeira cervejaria sul-africana. Ela também está ajudando os bares locais a montar o estoque de cerveja para a Copa.
A SABMiller, que há muito domina o mercado sul-africano - a SAB foi fundada em Joanesburgo em 1886 e em 2006 formou a SABMiller, depois de ter comprado a americana Miller -, está aumentando sua produção em sete fábricas no país. O consumo per capita da África do Sul é de cerca de 60 litros por ano, ante uma média africana de 6 litros. Ainda assim, o consumo sul-africano está bem aquém do de boa parte da Europa, onde chega a cem litros anuais per capita.
Embora o mercado local seja pequeno se comparado aos oceanos de cerveja que circulam nos EUA, na China e na Índia, ele tem um apelo especial. Desde o fim da era do apartheid, 16 anos de democracia criaram uma nova classe média negra. A demanda de cerveja deve subir ao mesmo tempo em que a renda dos sul-africanos aumenta com o desenvolvimento da economia.
A Budweiser é a cerveja oficial da Copa do Mundo desde 1986. Executivos da AB InBev preferem não informar quanto ela gasta com o patrocínio, mas a firma de advocacia britânica Ward Hadaway, que presta consultoria a vários clientes sobre as regras de marketing do evento, calcula que ela gastou cerca de US$ 50 milhões na Copa do Mundo de 2006, na Alemanha.
A Budweiser planeja realizar várias promoções ligadas à Copa, como um "reality show" na internet chamado de "Bud House", em que um torcedor de cada um dos 32 países que se classificaram viajará para a Cidade do Cabo, onde ficará hospedado com os outros numa casa enquanto seu país continuar no torneio. A cervejaria também vai veicular anúncios para incentivar os torcedores a escolher pela internet o melhor jogador de cada partida, em vez de confiar apenas na decisão da Fifa.
A aposta da Budweiser é que seus esforços vão atrair atenção em mercados importantes onde o futebol é cada vez mais popular. Pelo menos 130.000 ingressos para os jogos da Copa foram vendidos até agora nos EUA, mais do em qualquer outro país além da África do Sul. O objetivo, diz Van der Noll, é aproximar os torcedores da Budweiser. "Cerveja e futebol combinam muito bem", diz ele.
Nos mercados em que a Budweiser não tem muita presença ou outra marca da cervejaria é que é mais ligada ao futebol, a AB InBev montou campanhas centradas na Copa do Mundo para promover cervejas como a Brahma, no Brasil, a Harbin, na China, e a Hasseröder, na Alemanha. Nos países em que muitas pessoas devem assistir ao torneio pela televisão, a Bernstein Research, de Londres, calcula que o volume total de vendas de cerveja vai subir 1% em junho e julho. Embora o patrocínio oficial dê exclusividade à Budweiser nos nove estádios das partidas da Copa, para se concentrar no marketing mundial, a cervejaria abriu mão das vendas em outros lugares cobiçados, como as dez áreas para torcedores que serão criadas nas cidades que hospedarem times. A empresa terá de importar cerveja só para suprir os estádios.
Muitos supermercados e bares sul-africanos também não venderão a Budweiser. Sobantu Zuba, gerente da luxuosa taverna Sediba, em Soweto, diz que pode comprar algumas Budweiser para a Copa do Mundo, "caso alguns turistas entrem aqui pedindo".
Enquanto isso, a SABMiller se prepara para encher o copo dos torcedores sul-africanos, mesmo que tenha de fazer isso anonimanente às vezes. Sem o direito de patrocinar diretamente a Copa do Mundo, a Castle Lager não pode ser vendidas nas áreas de torcedores com seu próprio nome, mas apenas em latas vermelhas estampadas com "África do Sul".
Veículo: Valor Econômico