Não é preciso andar muito por Monterrey para perceber a força que a Fomento Mexicano SA (Femsa) tem na sua cidade-sede. Em média, a cada dia, duas lojas da rede Oxxo, que pertence a empresa, são abertas no México. Qualquer que seja o trajeto, o logotipo da rede vai dominar a paisagem. Quase tão fácil quanto encontrar lojas Oxxo na cidade é conhecer executivos mexicanos do grupo que se esforçam para falar português, um claro sinal dos tempos. Apesar da força local, a administração da Femsa agora olha para o mundo, mais precisamente para o Brasil, onde é a maior engarrafadora Coca-Cola e possui oito unidades de produção de cerveja das marcas Kaiser, Sol, entre outras. No ano passado, a companhia produziu 9,8 milhões de hectolitros (cada hectolitro equivale a 100 litros) de cerveja no País. Este ano, até setembro, o crescimento foi de 7,6% sobre igual período de 2007. No terceiro trimestre houve alta de 8%, para 2,37 milhões de hectolitros
Em entrevista à Gazeta Mercantil, José Antonio Fernández Carbajal, presidente do Conselho de Administração e diretor geral executivo da companhia, contou que apesar de prever dias difíceis por conta da crise financeira internacional, novos investimentos devem ser realizados no Brasil. A empresa pretende ampliar a capacidade de produção na região Norte. Hoje, a fábrica em Manaus trabalha com 100% da capacidade de 500 mil hectolitros por ano. Segundo Fernández, a companhia ainda não decidiu se deve optar por uma ampliação da atual linha ou construção de uma nova fábrica. Se ficar com a primeira opção, o investimento deve ser de US$ 25 por hectolitro. Caso a segunda alternativa seja a escolhida, os custos saltam para US$ 60 por hectolitro. O grupo ainda não definiu qual será a capacidade da nova unidade, que deve ser financiada com recursos próprios e entrará em operação daqui a dois ou três anos.
Além do aumento de capacidade em Manaus, a Femsa pretende ampliar a Remil, engarrafadora mineira da Coca-Cola - pela qual pagou US$ 368 milhões em junho deste ano. A engarrafadora, que tem sede em Belo Horizonte, deve iniciar a produção de cervejas também no máximo em quatro anos. A Femsa estuda ainda construir um centro de distribuição próximo a unidade e transformar o atual centro de distribuição em cervejaria.
O grupo, que registrou vendas brutas de US$ 13,516 bilhões em 2007, trabalha com boa parte da produção verticalizada. Enquanto a empresa batizada de Famosa faz tampas e latas de alumínio, a Coca-Cola Femsa e a Femsa Cerveja produzem as bebidas e a rede Oxxo participa ativamente das vendas, chegando a representar 11% do total de cerveja vendido no México.
A idéia de Fernández é trazer esse modelo de negócio para o Brasil. Mas ainda não é o momento, segundo o CEO. "Temos que ir aos poucos", explicou. No México, a empresa possui três fábricas de insumos e fornece latas e tampas para clientes como Coca-Cola, Miller, Anheuser Bush, entre outras. Da produção de 4,7 bilhões de latas de alumínio da empresa este ano - em 2007 foram 4,4 bilhões --, 85% serão vendidas para a própria Femsa e 15% para terceiros. Da produção de 16,5 bilhões de tampas, ante 17 bilhões do ano anterior - a queda ocorreu em virtude do cancelamento do contrato com a Coors, que voltou atrás e decidiu ser cliente novamente a partir de 2009 -, 30% são vendidas ao grupo Femsa e 70% para terceiros. Atualmente a empresa analisa a entrada no segmento de embalagens de vinhos.
No ano passado, a Coca-Cola Femsa representou 46% da receita da companhia, a Oxxo 28% e a Femsa Cerveja 26% do total. Em 2007, o lucro antes de juros, impostos e amortizações (Ebitda) ficou em US$ 2,54 bilhões. Desse total, 53% foi obtido pela Coca-Cola Femsa, 35% pela Femsa Cerveja e 12% pela Oxxo.
Analisando as vendas brutas da empresa nos últimos anos fica fácil entender o porquê das aulas de português em Monterrey. De 2003 ao ano passado, a companhia cresceu 19%, passando de US$ 6,7 bilhões para US$ 13,5 bilhões.
A empresa, que comprou a Kaiser da canadense Molson Coors em 2006, reverteu a tendência de queda nas vendas da marca. De 2001 a 2005, o volume de vendas passou de 14,9 milhões de hectolitros para 8,6 milhões de hectolitros. Segundo Fernández, já em 2006, primeiro ano sob a administração mexicana, as vendas voltaram a crescer.
Outra marca que empolga o executivo é a Sol, lançada no Brasil no final de 2006. Apesar da cerveja ainda não conseguir alcançar 1% de participação de mercado, segundo dados da Nielsen, Fernádez afirmou que o desempenho está acima do esperado. Em 2007, a Femsa vendeu 1 milhão de hectolitros da marca Sol. Fernández concedeu a seguinte entrevista à Gazeta Mercantil:
Gazeta Mercantil - Como a crise pode impactar nos resultados da Femsa no México e no Brasil?
Nós vemos a crise com otimismo e como uma oportunidade. Nós temos uma dívida muito controlada, 80% da nossa divida é em peso mexicano. Não vamos ter nenhum problema com a desvalorização das moedas. Hoje 17% da nossa dívida é em dólar e o restante é em peso e reais. Não temos problema e não temos nenhuma operação com derivativos e outros instrumentos raros. Não temos problema nesse lado, mas estamos preocupados com a pressão econômica no mercado de consumo. Estamos esperando que um crescimento menor no próximo ano.
Gazeta Mercantil - Quais as perspectivas em relação ao desempenho do mercado brasileiro em 2009?
Não acreditamos que vai crescer com a mesma velocidade que crescemos este ano. Vai ser mais moderado. Mas vamos ter pelo menos 2% a 3% de crescimento.
Gazeta Mercantil - A empresa pretende rever o plano de investimento?
Agora não estamos revendo nosso plano de investimento, que está previsto em US$ 1 bilhão em todos os países para 2008 - US$ 850 milhões no México. Mas, dependendo da situação do próximo ano, podemos reduzir e cortar um pouco os projetos.
Gazeta Mercantil - Quanto vocês pretendem reduzir em relação a esse US$ 1 bilhão?
Não sabemos ainda. Vamos definir isso só em janeiro.
Gazeta Mercantil - Como está a utilização de capacidade da empresa no Brasil? Estão previstos investimentos?
Estamos no nosso limite na região Norte mas temos muita capacidade no Sul.
Gazeta Mercantil - Como será resolvido este problema?
Estamos estudando ampliar a nossa capacidade de produção na região Norte. Temos que fazer algo, ainda não sabemos se vamos ampliar a fábrica de Manaus ou construir uma nova.
Gazeta Mercantil - Quanto será o investimento planejado para esse aumento de capacidade?
Estamos buscando a melhor forma para fazer esse investimento. Mas o preço de ampliar a capacidade é US$ 60 por hectolitro se optarmos por uma nova fábrica e US$ 25 por hectolitro se optarmos por ampliar a linha.
Gazeta Mercantil - Quais os planos da Femsa para a mineira Remil?
Encontramos uma operação muito boa. Temos um grande volume de produção de refrigerantes, mas vamos fazer um outro centro de distribuição para iniciar a produção também de cerveja na fábrica.
Gazeta Mercantil - Isso deve acontecer em quanto tempo?
Em três ou quatro anos.
Gazeta Mercantil - Além da Remil, a Femsa tem interesse em outras engarrafadoras no Brasil?
Sim, estamos sempre observando.
Gazeta Mercantil - Qual a maior dificuldade em administrar uma empresa no Brasil?
Não temos grandes dificuldades. O sistema tributário é complicado, mas da mesma maneira que é em quase todos os países da América Latina.
Gazeta Mercantil - A Femsa é uma empresa muito verticalizada no México, produz as bebidas, as latas, tampas e ainda tem a rede Oxxo, que vende os produtos. O senhor pretende levar esse modelo para o Brasil?
Sim. Não sabemos quando. Nossos profissionais no Brasil sabem quando será a melhor hora. Temos que ir aos poucos.
Gazeta Mercantil - A desvalorização do real pode impactar nos preços da cerveja no Brasil?
Sim, mas temos que estudar a concorrência. Se eles não aumentarem os preços, também não vamos aumentar. Temos que seguir conscientes de que nossa marca não é líder. Não podemos aumentar os preços sozinhos.
Gazeta Mercantil - A empresa está disposta a sacrificar as margens para acompanhar os preços dos concorrentes?
Sim, claro.
Gazeta Mercantil - Isso já está acontecendo neste momento?
Nossa prioridade é fortalecer nossas marcas. Em cervejas estamos break even ( ganhos e os custos se equivalem). Tudo que ganhamos em cerveja no Brasil investimos nas nossas marcas.
Gazeta Mercantil - O mercado cervejeiro mundial está passando por um processo de consolidação, que já dura alguns anos e teve um movimento importante no último mês de julho, com a compra da Anheuser Bush pela InBev. Nesse processo, como vocês se posicionam, compradores ou vendedores?
Observadores (risos). Estamos sempre buscando oportunidades. Não vamos vender nada.
Gazeta Mercantil - Onde estão essas oportunidades?
Principalmente na América Latina, mas podem estar em qualquer lugar, na Espanha, nos Estados Unidos.
Gazeta Mercantil - No Brasil temos uma cervejaria gigante e duas menores. Alguma delas representa um ativo interessante?
Sim, as duas. Elas possuem marcas muito fortes.
Gazeta Mercantil - Vocês tem uma parceria de muito tempo com a holandesa Heineken. Nesse momento de consolidação, essa parceria poderia evoluir para uma fusão ou uma aquisição?
A Heineken é um sócio na América Latina e nosso distribuidor nos Estados Unidos. Temos uma relação muito boa com eles, mas nada que indique isso.
Gazeta Mercantil - E a China? Pode ser uma boa oportunidade?
Não. Vende-se muito na China, mas as margens são pequenas e o mercado muito pulverizado. Ninguém está ganhando dinheiro na China.
Veículo: Gazeta Mercantil