As safras de 2008 na França desmentem pessimismo

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O que ocorre em termos climáticos nos meses que antecedem a vindima permite que se tenha alguma noção da qualidade da safra naquele ano, mas é sempre prematuro e pretensioso emitir conclusões definitivas. É prudente, portanto, nessa fase inicial desconfiar de opiniões demasiado otimistas - "a safra do século!" - que embutem, via de regra, interesses comerciais pouco éticos. Este ano, em todo caso, isso não aconteceu. Ao contrário. Aparentemente a onda de pessimismo que tomou conta do cenário econômico internacional no último trimestre contaminou o setor do vinho na Europa, fazendo com que as noticias fossem desanimadoras, na França em particular. 

 

A floração, que ocorre em meados da primavera (e dá origem aos cachos), foi irregular e longa, e os meses de julho e agosto, onde se aguarda um tempo ensolarado e seco para permitir um bom início de maturação das uvas, foram frios e chuvosos. A expectativa não era animadora. O resultado final, no entanto, não foi tão desastroso. O primeiro a falar de um quadro favorável foi o recatado Jean-Claude Berrouet, que comandou durante 44 anos o mítico Petrus, entre outros châteaux da Casa Moueix, durante a entrevista concedida com exclusividade para a revista ValorInveste e publicada em sua recente edição de novembro. 

 

Na matéria, Berrouet - ele se aposentou no ano passado, mas continua como consultor e "supervisiona" seu filho, que o sucedeu -, aponta que é uma colheita pequena com boa concentração de taninos e grau alcoólico elevado, que "pode surpreender e dar um vinho muito interessante". Opinião semelhante tem Marcello Peleriti, enólogo argentino que se ocupa do Château le Gay, um Pomerol de primeira linha, ao mesmo tempo em que comanda o Lindaflor (um dos meus tintos mendocinos preferidos), ambos de propriedade de Catherine Pèré-Vergé. 

 

O que "salvou" a safra foi o tempo firme e seco que se firmou a partir do dia 11 ou 12 de setembro e assim permaneceu até o fim da vindima. É bem possível que essa seja a grande diferença em relação a 2007 - o verão também não havia sido favorável e o início do outono se caracterizou por chuvas intermitentes que não colaboraram para recuperar parte da maturação. O clima favorável do final beneficiou a cabernet sauvignon, que é mais tardia, o que explica sua maior - e inusitada - proporção na mescla final do Le Gay, cerca de 40%, quando mal passava de 20% (o restante é merlot). 

 

A situação se repete na margem esquerda de Bordeaux. Paul Pontallier, "regisseur" (diretor técnico e responsável) do celebrado Château Margaux, situa 2008, em princípio, no mesmo nível ou talvez um pouco melhor que 2004 e inferior a 2006. 

 

Na Borgonha, onde, além dos humores do clima, o fator humano é fundamental, minhas duas referências - em vinho e em confiabilidade de informação - se mostraram satisfeitos, ou ainda, aliviados. Noël Ramonet não se queixou nem dos rendimentos - "corretos" - nem da qualidade, dizendo que são brancos com bom frescor e sedutores. Christophe Roumier, por seu lado, relatou que teve muito trabalho. A floração irregular e a maturação lenta até agosto fizeram com que ele partisse para uma pré-colheita no início de setembro a fim de eliminar cachos atrasados que impediriam um bom desenvolvimento dos restantes. Isso, mais uvas com pouco suco resultaram em rendimentos bastante baixos. A boa acidez, quesito que Roumier preza muito, o deixou bastante otimista, prevendo vinhos um pouco austeros no começo, porém com futuro promissor, lembrando os (belos) tintos de 1993. 

 

Sobre o Piemonte, terra dos barolos e barbaresco - barberas também, como não -, as primeiras boas noticias vieram com Michele Chiarlo que esteve no Brasil no início de novembro por ocasião do (fantástico) evento promovido pela revista Prazeres da Mesa. Elegante como sempre, ele comentou que a colheita havia sido tardia, como na Europa em geral, devido principalmente a uma primavera inadequada. O verão, contrariando o que se passou na França, fora bem propício, condição que se prolongou no outono até a colheita. Confirmando as impressões do "signore" Chiarlo, Elio Grasso, outro dos meus barolos preferidos, disse que é um ano clássico, que lembra 1996 - com tipicidade, caráter e de guarda. 

 

Se do ponto de vista da qualidade a safra 2008 nos reserva boas notícias, talvez possa se prever outra: o fim da alta desenfreada dos preços dos vinhos ocorrida nos últimos anos, causada, em grande parte, pelo aumento da demanda dos mercados da Rússia e China (além dos tradicionais, Inglaterra e Estados Unidos). É só a crise não nos atingir. Nesse aspecto devemos ficar tranqüilos. Segundo previsões de personalidades importantes do país, o Brasil está imune a ela. 

 

Veículo: Valor Econômico


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