A bebida se sofistica, conquista respeito internacional e ajuda a projetar as vinícolas gaúchas mundo afora.
O que é necessário para elaborar um espumante perfeito, um champanhe equilibrado ou uma cava inesquecível? O enólogo chileno Mario Geisse, fundador da Cave Geisse, uma elegante butique de espumantes no município gaúcho de Pinto Bandeira, diz ter descoberto a fórmula secreta. Geólogo por formação e ex-executivo da Moët & Chandon do Brasil no final dos anos 1970, o “louco chileno”, como ficou conhecido entre os viticultores locais, encontrou num pedaço de terra de 76 hectares, a 800 metros de altitude, um terreno considerado ideal para cultivar uvas pinot noir e chardonnay.
O solo de rochas basálticas em decomposição – riquíssimo em minerais –, o clima frio, o sol na medida certa e o manejo carinhoso (a seleção das frutas é feita apenas por mulheres) criaram um terroir de primeira para a produção de espumantes de qualidade surpreendente. “Olha que maravilha de terra!”, diz Geisse, esfarelando um pedaço de rocha com as mãos, dentro da propriedade que adquiriu em troca de dois caminhões, há 30 anos. “Esse chão demorou centenas de milhares de anos para atingir esse grau de mineralidade, algo raríssimo de encontrar em qualquer outra parte do Brasil.”
A “loucura” de Geisse ganha hoje projeção internacional e consolida o Rio Grande do Sul como a terra das uvas-brancas. Os espumantes Cave Geisse, com produção limitada em 190 mil garrafas por ano, têm despertado elogios dos principais críticos de vinhos mundo afora. No ano passado, o Cave Geisse Brut 98 foi o único espumante indicado no Wine Future, de Hong Hong, pela inglesa Jancis Robinson, uma das mais respeitadas críticas da atualidade, como uma obra-prima dos espumantes produzidos fora da região de Champagne, na França. “Que revelação! Um dos mais impressionantes espumantes que me chegaram em muito tempo”, definiu Jancis.
Outro crítico cativado pela bebida criada em território gaúcho foi o britânico Oz Clarke, que incluiu o Cave Geisse Rosé como um espumante de destaque, em sua seleção de 2012. O Cave Geisse Brut 98 não é o único exemplo de sucesso entre os espumantes gaúchos. O Gran Legado Brut Champenoise, da vinícola Wine Park, butique localizada na vizinha Bento Gonçalves, também tem chamado a atenção lá fora. Sob os cuidados do enólogo Christian Bernardi, o espumante conquistou a medalha de ouro no concurso London International Wine Fair, deixando para trás 12 mil rótulos de 48 países.
Mesmo com alguns vinhos no portfólio, o que a Wine Park realmente quer é se especializar na borbulhante bebida. “É o que sabemos fazer”, afirma Bernardi. “Os espumantes vão ser cada vez mais o foco da Serra Gaúcha.” Não que os vinhos da região não sejam de alta qualidade. Na verdade, o Vale dos Vinhedos tem produzido ótimas surpresas, como o Via 1986 Gerant Cuvée Prestige, da Viapiana, de Flores da Cunha, com assemblage, nome dado à mistura de uvas na produção da bebida, mantida a sete chaves. O que faz a diferença, segundo Débora Viapiana, herdeira e gerente dos negócios da família que dá o nome à vinícola, é que as uvas destinadas à produção de espumantes podem ser colhidas antes da temporada de chuvas, entre janeiro e fevereiro.
Além da qualidade dos espumantes, as vinícolas butiques apostam no design das garrafas e na própria arquitetura do local. A Luiz Argenta, por exemplo, vende seu vinho apenas em vidros italianos. Já Antonio Dal Pizzol fez de sua vinícola um ponto turístico e também colhe os frutos do reconhecimento internacional, como a medalha de bronze ao Espumante Brut na San Francisco International Wine Competition, em 2011. “Não deixa de ser um cartão de visita para nós.” As vinícolas francesas que se cuidem.
Veículo: Revista Isto É Dinheiro