Está prevista para este ano a inauguração da primeira fábrica de tiquira, a pinga muito popular no Maranhão feita a partir da mandioca - tubérculo também chamado de macaxeira e aipim. O empreendimento está sendo erguido no município de Santo Amaro, a 285 km de São Luís, pela empresária carioca Margot Stinglwagner, que pretende dar à bebida o status de "uísque maranhense".
Filha de um mestre cervejeiro e neta de empresários alemães do ramo, Margot chegou à região dos Lençois Maranhenses há um ano e meio, em busca de oportunidades na área turística. O plano de investir em uma pousada de charme, entretanto, mudou de rumo depois que ela conheceu a tiquira, cachaça bastante conhecida no Maranhão, mas praticamente anônima nas demais regiões do país.
O pouco registro histórico da tiquira a define como uma evolução do cauim, bebida resultante da fermentação de mandioca feita pelos índios antes dos europeus desembarcarem no Brasil. Com a chegada das técnicas de destilação, o cauim virou tiquira. "Por isso, digo que trata-se da primeira bebida genuinamente brasileira, visto que a cana da aguardente foi trazida de fora", diz a empresária.
O apelo pitoresco vai ajudar, segundo ela, na promoção da bebida, que hoje é preparada no interior do Maranhão e de forma simplória. "O nativo utiliza um processo que não chega nem a ser artesanal; ainda é rudimentar. Como não há padrão, isso faz com que a bebida só seja conhecida aqui", diz o consultor do Sebrae Mário Carneiro, especialista em tecnologia de cachaça.
A falta de um processo regrado, segundo Carneiro, faz com que a tiquira apresente dosagem alcoólica elevada e irregular. A tecnologia empregada na produção em larga escala permitirá uma redução significativa no tempo de fabricação. Pelo processo tradicional, a tiquira leva quase um mês para ficar pronta. "Na fábrica, todo o processo gastará 48 horas", diz o consultor.
O plano da empresária é abrir a fábrica de tiquira a turistas e incluir o passeio na "Rota das Emoções", como é conhecido o famoso trajeto que liga os Lençóis Maranhenses ao balneário de Jericoacoara (Ceará). O investimento na unidade, que vai produzir inicialmente 30 mil litros por ano, será de cerca de R$ 500 mil. "Mas estamos preparados para dobrar esse volume imediatamente. Só depende da demanda", diz Margot.
Com a produção em larga escala, a empresária pretende apresentar a tiquira aos consumidores das classes sociais mais elevadas. "Atualmente a bebida é discriminada, vista como coisa de gente do interior, de gente pobre, uma bebida chula. Vamos trazer um produto que não vai fazer feio a ninguém", promete.
A ideia é produzir duas versões da bebida, com graduações alcoólicas diferentes. O preço, segundo Margot, vai depender dos preços da mandioca e dos incentivos fiscais que ela espera receber do governo do Maranhão. As garrafas, com capacidade entre 600 e 700 ml, serão estampadas com a marca "Tiquira Brasil".
A utilização do nome original, entretanto, não é garantia de sucesso. Causou alvoroço, em 2011, o lançamento do refrigerante Crush Cajuína pela Coca-Cola. Na ocasião, uma campanha popular acusou a multinacional de apropriação do nome da bebida artesanal à base de caju, produzida desde o final do século XIX e muito apreciada no Piauí. Dez anos antes, a Coca-Cola já havia adquirido os direitos sobre a produção do "Guaraná Jesus", refrigerante cor-de-rosa visto como patrimônio cultural no vizinho Maranhão.
Diante da polêmica, a Coca-Cola acabou mudando para Crush Caju o nome do refrigerante, que não vingou e teve a produção descontinuada. Apesar de a cajuína ser comercializada hoje em Estados como Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, seu consumo segue concentrado no Piauí e no Ceará. Ainda assim, a demanda é bem superior à capacidade de oferta, segundo informou a gerente da área de agronegócios do Sebrae no Piauí, Geórgia Pádua.
Cerca de 60% da produção ainda é feita artesanalmente por pequenos produtores de caju, ficando os 40% restantes por conta das agroindústrias. Em 2012, foram produzidos aproximadamente 3 milhões de litros de cajuína, uma queda de 25% em relação ao ano anterior. O recuo foi motivado pela seca, que prejudicou não só a produção de caju, mas também da tiquira, devido à disparada nos preços da mandioca.
De acordo com Geórgia Pádua, o grande desafio atual é expandir a produção e manter a qualidade da cajuína do Piauí, que tem entre os apelos comerciais a vida útil. O produto pode ficar até dois anos na prateleira sem a necessidade de conservantes. Em agosto, a cajuína fará parte de uma feira de produtos piauienses, em São Paulo. Enquanto não conquista novos mercados, a bebida continua mais conhecida na voz de Caetano Veloso, que na década de 1970 bebeu, escreveu e cantou "a cajuína cristalina em Teresina".
Veículo: Valor Econômico