Com mais dinheiro no bolso, é cada dia maior o número de brasileiros que passa a consumir doses de uísque, o destilado preferido do poeta Vinicius de Moraes. Importações cresceram 49% este ano
O aumento de renda, e por consequência, do refino do consumo dos brasileiros tem como resultante um boom na importação de uísque escocês. O Brasil é o país com maior aumento nas compras das garrafas oriundas das tradicionais destilarias do Reino Unido na comparação entre o primeiro semestre de 2012 e igual período deste ano, segundo a Associação Escocesa de Uísque. O crescimento substancial, de 49% no semestre, faz o mercado subir da oitava posição no ranking para a quarta, ficando atrás somente de França, Estados Unidos e Cingapura.
Apesar da acelerada, quando considerado preço pago pelos produtos, o ritmo é um pouco mais lento. No primeiro semestre do ano passado, os brasileiros pagaram 34,9 milhões de libras esterlinas pelo volume trazido da Escócia. Neste ano, subiu para 49,4 milhões de libras esterlinas. O avanço foi de 42%. A variação é a segunda mais alta entre os 10 maiores mercados, atrás do México. Com isso, no ranking por valor, o Brasil ocupa a 10ª posição. Ou seja, o preço médio pago pelo uísque é mais baixo que em outros países. “A pesquisa traz insights valiosos para os produtores, que podem adaptar melhor seus produtos e estratégias de marketing de acordo com o que os consumidores estão em busca”, diz o diretor-executivo da Associação Escocesa de Uísque, Gavin Hewitt.
Apesar da paixão recente do brasileiro pelo uísque, uma cena antiga certamente fica na memória do país: o poetinha Vinicius de Moraes com um copo sempre nas mãos. Entre os tantos amigos inseparáveis nas composições (Tom Jobim, Toquinho, Carlos Lyra), o uísque foi classificado como o melhor amigo do homem. “O cachorro engarrafado”, dizia ele. “A definição prova sua fidelidade ao uísque e, ao mesmo tempo, homenageia o cachorrinho que aparece no rótulo de sua marca favorita, o Black & White”, segundo trecho do livro Vinicius de Moraes – O poeta da paixão. O escritor atribuí a Vinícius a responsabilidade por uma importante mudança de comportamento de Tom: a troca da cerveja e da vodca pelo uísque.
A alta no número de apreciadores de uísque, como Vinicius e Tom Jobim, reflete em boas expectativas para o mercado. A previsão é de que a continuidade do desenvolvimento econômico faça com que os brasileiros migrem para marcas mais valiosas, refinando ainda mais o paladar, avalia o gerente de Marketing de Uísques da Diageo (holding responsável pelas marcas Johnnie Walker, White Horse, Black & White e JB), Piero Franceschi. A explicação é que os países líderes na importação de garrafas mais caras têm também maior poder aquisitivo, como Alemanha e Coreia do Sul. “Mas falamos de um mercado diferenciado. No caso do sabão em pó, por exemplo, a variação de preços é menor. O mais barato custa, R$ 3 e o mais caro R$ 8, R$ 10. No caso do uísque, a variação é grande. Pode-se ter uma garrafa por R$ 50 ou por R$ 1 mil”, compara.
O crescimento do consumo também reflete no aumento da oferta. Aproveitando a maior disponibilidade de rótulos do restaurante Chez Fumoir, uma confraria de 24 amigos se reúne às quartas-feiras para fumar charuto. Para acompanhar, o uísque rega as reuniões. “Prefiro uísques mais envelhecidos, 12, 18 anos. Hoje as casas estão mais preocupadas com suas cartas, fugindo dos tradicionais”, afirma Rafael Carneiro Costa, que se gaba de ter entre os favoritos marcas quase desconhecidas no país.
O Brasil é o principal importador da série Johnnie Waker Red Label, envelhecida por oito anos, o escocês mais vendido no mundo. Outros produtos mais sofisticados da marca têm apelo menor no país. De forma surpreendente, apesar das altas temperaturas, o Nordeste é a principal região consumidora, com 35% do volume trazido indo para Bahia, Pernambuco, Ceará e outros estados. Inclusive, por isso, as principais empresas do setor fazem campanhas de marketing voltadas para a região.
Em estudos da Whisky Magazine, principal publicação especializada na bebida no mundo, a Grande Recife é apontada como a região que mais consome o destilado no planeta. Os números mostram que mais de meio litro por pessoa é consumido a cada ano, algo próximo a 12 doses. A média é quase três vezes maior que a nacional.
COM ÁGUA DE COCO Uma curiosidade quanto ao fascínio do nordestino é que por lá a bebida é usada para fazer drinques. Na média, duas vezes mais consumidores mesclam uísque com água de coco na comparação com o indicador nacional, segundo pesquisa feita pela Diageo. O estudo ajuda a quebrar o tabu de que uísque deve ser consumido puro, ou no máximo com gelo, como sentenciado pelos apreciadores. O resultado do estudo está diretamente ligado a maior procura por jovens. Entre os 900 entrevistados no país, 63% disseram tomar uísque com gelo. Depois, a preferência é pela produção de coquetéis. Um em cada três misturam energético, água de coco ou alguma outra bebida.
“Nas praias nordestinas, além das latinhas de cerveja geladas, é comum ver as pessoas com uma garrafa de uísque”, afirma Franceschi. Outro detalhe típico do Nordeste é que é mais recorrente o consumo em grupos de homens e mulheres.
Clube é bom para o bolso
O desafio das distribuidoras mineiras é introduzir o destilado nos bares tradicionais e mostrar ao consumidor que não existe concorrência com as cervejas artesanais. Em restaurantes mais sofisticados, os proprietários têm aderido aos clubes do uísque para incentivar uma maior procura. O principal incentivo do programa é que ao comprar a garrafa a dose pode custar quase três vezes menos. No Armazém Medeiros, em Lourdes, a garrafa de uísque oito anos custa R$ 99, valor bem próximo ao encontrado nas gôndolas de supermercado. Enquanto isso, a dose sai por R$ 13,50. Como uma garrafa tem 20 doses, para consumi-la por inteiro seria preciso pagar R$ 270.
Participar do programa se faz vantajoso basicamente para os frequentadores assíduos do Armazém Medeiros. O cliente adquire a garrafa e a deixa guardada para as próximas visitas. O fotógrafo André Batista Moreira, de 37 anos, diz ser adepto dos clubes há quase duas décadas. E aponta outra vantagem: “Tem a questão do preço e da comodidade. Não tem que pedir ao garçom toda hora. A garrafa fica na mesa”, afirma. No caso dele, a garrafa dura em média oito a 10 visitas, ou aproximadamente um mês, caso ele consuma sozinho. Mas, como é recorrente que conhecidos estejam na mesa, ele acaba dividindo.
E, apesar da maior dificuldade de harmonização da bebida na gastronomia, devido ao sabor forte do malte na boca, é a minoria que prefere consumir o destilado sem petiscar nada. Pelo menos é o que dizem os entrevistados do estudo da Diageo. Somente 15% deles dizem beber sem um tiragosto para beliscar. Por isso, o gerente-geral do Chez Fumoir, José Maria de Souza, destaca que a casa tem buscado diversificar a clientela. Antes, a maioria era de bebedores de uísque. Agora a estratégia é atrair também aqueles que apreciam outras bebidas. “A clientela do uísque consome menos comida que quem pede vinho e cerveja”, diz.
Veículo: Estado de Minas