Aquecimento global ameaça indústria do vinho

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Na Austrália, uvas estão amadurecendo mais rápido, o que pode comprometer o sabor

Neil Paulett, um fabricante de vinho da região de Vale Clare, no Estado da Austrália Meridional, parou o carro em frente a uma fila de videiras em uma tarde chuvosa recente. As uvas que crescem aqui, disse ele, estão amadurecendo um mês antes do que costumavam quando ele abriu a vinícola que leva seu nome, no início da década de 80.

Mais uvas estão amadurecendo ao mesmo tempo também, encurtando o período tradicional de colheita em duas semanas, disse Paulett.

Alguns cientistas atribuem essas mudanças à elevação da temperatura, algo que, segundo os pesquisadores, pode ser uma ameaça para produtores de vinho no mundo todo. As uvas que amadurecem cedo demais podem não desenvolver os sabores ideais, e a colheita tardia pode levar a níveis alcóolicos que tornariam a bebida desagradável ao paladar, dizem cientistas e viticultores.

Algumas das maiores vinícolas da Austrália, com a ajuda de acadêmicos e pesquisadores, estão investigando formas de reduzir esse impacto. Em jogo estão cerca de 24 mil empregos nos setores de produção de vinho e colheita de uvas da Austrália, assim como exportações avaliadas em 2,1 bilhões de dólares australianos (US$ 1,6 bilhão) por ano.

A Treasury Wine Estates Ltd., segunda maior vinícola australiana em volume, de acordo com dados de 2015 coletados pela firma de pesquisa Euromonitor International, está cogitando podar mais suas vinhas no fim do ano, técnica que pode atrasar o amadurecimento.

Já a Taylors Wines, maior vinícola de Vale Clare e a 11a da Austrália em volume, também realiza sua primeira experiência de atrasar o amadurecimento através da poda e pode vir a aplicar a técnica a 20% de seus vinhedos.

A Taylors também expandiu suas operações nos últimos anos, em parte para processar mais uvas ao mesmo tempo e aproveitar melhor safras mais curtas. Algumas empresas estão espalhando mais palha entre as videiras para manter o solo resfriado.

Se o período da colheita continuar se antecipando, os fabricantes de vinho ficarão sob forte pressão, diz Andrew Pike, que administra a Pikes Wine em Vale Clare com um irmão. “Não vamos mais conseguir o perfil de sabores que estamos procurando.”

Dados da Treasury Wine mostram que, no ano passado, as uvas Carbenet Sauvignon dos vinhedos no Vale McLaren, ao sul de Adelaide, ficaram maduros em 4 de fevereiro, comparado com 25 de março na safra de 1993.

A antecipação do amadurecimento tem sido registrada no mundo todo, afetando algumas das principais regiões vinícolas e apresentando um desafio constante para os fabricantes.

Na região produtora do Estado americano de Washington, temperaturas mais altas em 2015 levaram a colheita a começar “historicamente mais cedo”, segundo a comissão de vinho local.

Outros dados da Treasury Wine mostram que o período de amadurecimento nos vales de Barossa e Eden, também na Austrália Meridional, foi de 24 dias para as uvas Shiraz em 2013, ante 47 dias em 1998.

“Poucas vinícolas têm capacidade para fermentar todas as suas uvas simultaneamente”, diz Vladimir Jiranek, diretor do Centro de Treinamento ARC para Produção Inovadora de Vinho, parte da Universidade de Adelaide.

As uvas deixadas na videira por muito tempo continuam amadurecendo e acumulam mais açúcar, que a levedura transforma em álcool durante a fermentação — então, mais açúcar significa mais álcool. Isso não é só um problema para o sabor, mas algumas jurisdições também taxam mais os vinhos com teor alcóolico mais alto.

Pesquisadores do grupo de Jiranek descobriram que a combinação de certos tipos de levedura que são menos eficientes em transformar açúcar em álcool com a levedura padrão do vinho pode baixar o teor alcóolico. Os pesquisadores querem desenvolver novos tipos de levedura que possam baixar o teor alcoólico ainda mais, diz Jiranek.

No Vale Barossa, ao nordeste de Adelaide, que é famoso por seu Shiraz, a Treasury Wine pretende expandir as práticas de poda para atrasar o amadurecimento, depois de três anos de testes. Para a colheita deste ano, alguns ramos de videiras onde crescem cachos de uvas foram aparados quando tinham duas ou três folhas em torno da segunda semana de outubro de 2015. O período tradicional para isso é o fim de maio ou início de junho.

O método atrasou a colheita entre 10 a 14 dias, comparado com outros vinhedos, e permitiu escalonar a safra para que as uvas não amadurecessem de uma vez, sem comprometer a qualidade da fruta, informa a empresa. “É uma técnica realmente simples”, diz Gioia Small, gerente regional de sustentabilidade da Treasury Wine. “Não há custo adicional. É só questão de programação.”

Existem tecnologias que filtram o álcool do vinho, mas alguns dizem que os métodos podem ser caros e contrariar a estratégia de marketing das vinícolas de apresentar o produto como sendo feito de forma natural.

Adam Eggins, enólogo-chefe da Taylors Wines, tem outro conselho: investir em grandes tanques de armazenamento, prensas e outros equipamentos de fabricação. Depois de uma colheita especialmente curta em 2008, a empresa praticamente dobrou sua capacidade, diz ele. “Acho que, no fim, paramos de colher porque não conseguíamos ser rápidos o suficiente”, diz Eggins.

Atualmente, há poucos sinais de que a mudança nos períodos da colheita será revertida.

Paulett, da Paulett Wines, diz que este ano deixou uvas Riesling — o tipo característico do Vale Clare — precocemente amadurecidas passarem uma semana a mais nas vinhas para desenvolverem os sabores certos. Numa visita ao vinhedo no início de setembro, ele se deteve numa videira antiga de uvas Cabernet onde uma folha já havia brotado. “É um pouco cedo”, disse.

Fonte:  The wall Street Journal


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