O grupo Heineken está acrescentando um novo ingrediente além do malte e do lúpulo na batalha das cervejas que trava com a líder Ambev, dona das marcas Skol, Brahma e Antarctica, no Brasil: o digital.
No começo de setembro, a companhia holandesa, que ocupa a vice-liderança do mercado brasileiro de cervejas com uma fatia de aproximadamente 20%, anunciou a criação de uma vice-presidência de digital e tecnologia que será comandada pelo executivo Celso Bica.
"A Heineken tem a ambição de ser a cervejaria mais conectada do mundo e estávamos discutindo quais os caminhos", disse Bica, em entrevista exclusiva ao NeoFeed. "Precisávamos transformar a própria área de tecnologia para ela ter um escopo diferente."
Bica responderá diretamente ao CEO da Heineken no Brasil, Mauricio Giamellaro. Caberá ao novo vice-presidente desenvolver as estratégias para acelerar a transformação digital do grupo holandês, que viu suas receitas globais recuarem 18% no primeiro semestre de 2020, para 11,15 bilhões de euros.
Uma das tarefas de Bica é organizar a área de análise dados. O executivo acredita que a companhia já trabalha com maturidade esse assunto, mas que os projetos estão dispersos pela organização, espalhados por diversos departamentos.
A nova área é considerada vital para aprofundar o relacionamento com clientes, fornecedores e os próprios funcionários do grupo Heineken, dona de marcas como Heineken, Sol, Amstel, Bavaria, Baden Baden, Devassa, entre outras, e que conta com 12 mil empregados e 15 fábricas espalhadas pelo Brasil.
Celso Bica, VP digital da Heineken
Além disso, alguns projetos que já tinham saído do papel devem agora ser acelerados por conta do foco na área digital. Um deles é o Heishop, um aplicativo online de compras para os clientes do grupo Heineken, como pequenos bares e restaurantes, desenvolvido em parceria com a matriz holandesa e as operações do México, África do Sul e Irlanda.
Lançado em julho de 2019, o aplicativo já atende os clientes do estado de São Paulo. A partir de agora, ele deve se expandir para outros Estados, bem como ganhar novos recursos.
"Queremos acrescentar mais promoções customizadas e que elas sejam cada vez mais cirúrgicas", afirma Bica, sem fornecer maiores detalhes sobre os novos recursos. "Vamos recomendar um portfólio de produtos que deve fazer com que os bares vendam mais, tudo baseado em dados."
A relação com o consumidor também deve ser mais direta, o que não significa fazer venda direta. Um exemplo disso é a parceria feita com a startup Goomer, que permite que bares e restaurantes criem cardápios online de forma rápida para vender via WhatsApp. "Queremos incentivar o consumo dos nossos produtos nessas plataformas através de promoção", diz Bica.
Esse relacionamento mais próximo do consumidor foi acelerado pela pandemia que fechou bares e restaurantes, um importante canal de vendas de cervejas e outras bebidas.
"A indústria está vendo a possibilidade de criar efetivamente pontos de contato direto com o consumidor final, que gerem mais engajamento e venda", afirma Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese Retail. "A captura de dados é fundamental para ter relevância."
E, ao que tudo indica, esse deve ser um caminho sem volta. Observe o que disse Carlos Brito, CEO da AB InBev, dona da Ambev no Brasil, sobre o tema, durante o evento Expert XP, em julho deste ano.
"O consumidor quer mais conveniência, menos contato e mais entretenimento em casa", afirmou Brito, que deve deixar o cargo, em 2021, depois de 16 anos à frente da empresa. "E nós estamos tentando ir cada vez mais para o online."
Um exemplo dessa estratégia que está sendo tocada pela a Ambev no Brasil é o aplicativo Zé Delivery, que entrega cerveja gelada a preço de supermercado em até 60 minutos na casa do consumidor.
No segundo trimestre de 2020, o serviço da Ambev, que faz a entrega a partir de um bar ou de um distribuidor mais próximo do consumidor, registrou 5,5 milhões de pedidos, mais de 3,6 vezes o total de pedidos de todo o ano de 2019. O aplicativo está também em 142 cidades, que atingem 40% da população brasileira.
A Ambev, que lidera o mercado de cervejas no Brasil com uma fatia de aproximadamente 60%, também esteve por trás de uma série de lives patrocinadas por suas marcas. No segundo trimestre, a companhia fez quase 400 transmissões que obtiveram 676 milhões de visualizações.
Embora, nesse momento, as lives não tenham o objetivo de vendas, Serrentino acredita que esse é um próximo passo. "É um canal que deve crescer muito", afirma o consultor, lembrando das experiências de "live shoppings" que se transformaram em uma febre na China.
Essas estratégias são fundamentais para que Heineken e Ambev retomem as vendas perdidas por conta da pandemia do coronavírus. Um relatório do banco de investimento Credit Suisse, com base em conversas com os principais atores desse mercado no Brasil, mostrou o tamanho dos desafios das empresas.
De acordo com o relatório, a reabertura de bares ainda não contribuiu para a retomada da normalidade das vendas das cervejarias
De acordo com o relatório, a reabertura dos bares ainda não contribuiu para a retomada da normalidade das vendas das cervejarias. Não bastasse isso, com o aumento do consumo doméstico, as vendas de cervejas em latas de alumínio cresceram. E mais do que uma solução, isso pode ser um problema.
"De acordo com nossas verificações de canal, a falta de latas de alumínio no mercado se tornou um risco para a oferta de cerveja daqui para frente", diz um trecho do relatório.
Para o Credit Suisse, o aumento médio do preço da cerveja de até 5% por conta da alta do dólar, que tem sido contestado em redes sociais por consumidores, pode ser uma forma de equilibrar o aumento da demanda nas residências.
"Apesar da necessidade de repasse dos custos dolarizados mais elevados para os preços, os preços anunciados ainda estão longe de compensar o impacto dos custos mais elevados em sua totalidade. Deve ser, no entanto, uma maneira eficaz de equilibrar um pouco a oferta e a demanda de cerveja até o final do ano", informa o texto do relatório.
No caso da Ambev e da Heineken, os volumes seguiram uma tendência positiva em julho e agosto. O uso de canais digitais para impulsionar as vendas na pandemia também trouxe vantagens para as duas cervejarias, em especial à Ambev. Com a nova área digital, a Heineken quer tornar essa briga mais acirrada.
Fonte: Newtrade