Disputa na bilionária indústria de sardinhas

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O ano de 2010 foi planejado em detalhes pelo paulistano José Eduardo Simão para marcar sua volta ao setor de pescados. Com uma trajetória de quase 40 anos na área, o empresário passou os últimos cinco afastado depois de vender sua participação na Gomes da Costa, fabricante de conservas de peixes, para a espanhola Calvo (o contrato de venda incluía uma cláusula de não-competição). Assim que a quarentena se encerrou, Simão deu início às operações da Ampex Food Holdings, empresa que passou a importar sardinhas e atum enlatados da Tailândia e distribuí-los sob a marca Beira-Mar para varejistas como Walmart e Pão de Açúcar. Parte dos produtos é distribuída pela JBS, que compra e revende os enlatados.

 

O que não estava nos planos do empresário, porém, era a reação em cadeia que se seguiu à sua iniciativa. Depois de apenas cinco meses no mercado, o modelo de negócios adotado por Simão deu origem a uma movimentação de concorrentes, pescadores e governo que resultou no aumento do imposto de importação das sardinhas enlatadas de 16% para 32%.

 

"Essa foi uma resposta direta à nossa entrada no mercado", diz Simão. "Querem nos matar no nascedouro. Com isso, o interesse é manter o duopólio do setor." Entre as cinco principais fabricantes, há duas marcas líderes no setor de sardinhas enlatadas: a Coqueiro, da americana Pepsico, e a Gomes da Costa. Segundo documento de 2009 do Conepe (Conselho Nacional de Pesca e Aquicultura), entidade que representa as empresas de conserva, a participação de mercado da Pepsico era de 44,45% e da Gomes da Costa, 39,7%.

 

A Pepsico nega que a participação dos líderes seja tão alta quanto revelada pelo Conepe, mas não informa seus números. A Gomes da Costa foi procurada, mas não concedeu entrevista, assim como o próprio Conepe. No fim da semana passada, Simão entrou com um processo administrativo no Ministério da Justiça contra as duas rivais alegando abuso de poder econômico por obstrução de entrada no livre mercado. O caso deve ser encaminhado à Secretaria de Direito Econômico (SDE).

 

Origem. A disputa travada entre os principais concorrentes de um mercado de R$ 1 bilhão teve início no ano passado, quando o Ministério da Agricultura se posicionou favorável à importação de três espécies de peixe da Tailândia e sua classificação comercial como sardinha. Foi essa medida que possibilitou a estruturação das atuais estratégias da Ampex. A autorização do governo é contestada por companhias do setor que alegam supostos problemas de qualidade do produto tailandês. Segundo o ministério, o caso está em análise e será alvo de consulta pública.

 

Em uma segunda frente, a indústria ? por meio do Conepe e da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (ABIA) ? pediu a interferência do governo para o aumento do imposto de importação das sardinhas em conserva. O pedido foi analisado pelo Ministério da Pesca e encaminhado à Câmara do Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, que publicou o aumento do imposto para 32% no início do mês.

 

Cadeia produtiva. A principal justificativa para a mobilização tanto das empresas como do governo é o possível prejuízo da cadeia produtiva nacional de sardinha que, segundo o ministério, envolve 15 mil empregos. "Queremos evitar que os esforços do governo para recuperar a sustentabilidade econômica, social e ambiental da pesca da sardinha nas regiões Sudeste e Sul do País sejam colocados em risco", diz Fabiano Duarte Rosa, coordenador de pesca industrial oceânica do Ministério da Pesca. "Levamos 50 anos para consolidar o mercado produtor local. Pode parecer um remédio amargo, mas é preciso medidas enérgicas contra qualquer iniciativa que ameace esse equilíbrio."

 

"Com esse modelo de negócios baseado na importação, é só ele (Simão) que ganha. Você acaba financiando a Tailândia, enquanto no Brasil toda a cadeia sai perdendo: o governo, a indústria e os pescadores", diz Edmundo Klotz, presidente da ABIA, que tem o apoio de sete sindicatos de pescadores.

 

Simão contesta. "Sob esse argumento patético não haveria comércio internacional." O empresário alega que a quantidade de sardinha importada é irrisória e seria incapaz de ferir a indústria nacional tão profundamente. Nos cinco primeiros meses de 2010, a importação de sardinhas em conserva somou 2,6 mil toneladas (sendo que quase 70% foi trazido pela Ampex). Trata-se de um salto de 6.500% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Apesar do "surto", como classificou o Ministério do Desenvolvimento, a quantidade ainda representa uma parte pequena do consumo interno. No ano passado, o País consumiu uma média de 26 mil toneladas de janeiro a maio.

 

Boa parte do temor das empresas e do governo está na tradicional disparidade entre os preços de produtos locais e os trazidos da Ásia. De modo geral, a preocupação é que o setor de sardinhas tenha o mesmo destino da indústria calçadista nacional, que perdeu espaço para as importações chinesas.

 

"O modelo de negócios defendido pela Ampex, conforme declarações feitas à imprensa, baseia-se na importação de produtos de mercados em que a mão de obra e custos de captura são reduzidos. A Ampex quer se tornar "a Nike do peixe"", disse a Pepsico em e-mail enviado à redação. "Pela avaliação do próprio Ministério da Pesca, as importações de sardinhas processadas estavam chegando ao Brasil por um preço muito baixo, não refletindo os custos de produção necessários à fabricação desses enlatados, o que causa surpresa a todos. Como isso é possível, não sabemos", diz a empresa em outro trecho do texto.

 

Segundo o Estado apurou junto ao varejo, os preços dos produtos Beira-Mar para o consumidor são cerca de 10% mais baratos na comparação com as marcas líderes Coqueiro e Gomes da Costa. A Pepsico alega que essa diferença chegou a 20% nos meses de abril e maio, mas Simão afirma que vende aos supermercados por um valor apenas 6% mais baixo. "Não tenho controle das margens do varejo em cima dos produtos", diz. "Mas isso é papo de protecionista. O problema é que a indústria não quer perder as margens astronômicas que tem na sardinha."

 

A discussão entre a Ampex e os concorrentes acontece exatamente no momento em que o setor reivindica a redução no imposto de importação de sardinhas congeladas. Nos últimos anos, as empresas têm conseguido importar a matéria-prima com imposto de apenas 2% sob a alegação de que o produto é trazido apenas no período de defeso, quando a pesca fica proibida e a indústria nacional ficaria ociosa. Para Simão, esse é mais um argumento a favor de seu negócio. "A indústria nacional não dá conta de abastecer, sozinha, o mercado", afirma.

 

Para tentar reverter o aumento do imposto de importação e manter as sardinhas tailandesas na lista de importações brasileiras, além do processo na SDE, Simão protocolou requerimentos e recursos em três ministérios. "Se não conseguir uma mudança, não poderei mais trabalhar com as sardinhas, apenas com outros produtos", diz.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


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