Estiagem nos EUA gera migração de gado para o norte

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Uma severa seca no sul das Grandes Planícies dos Estados Unidos está provocando um enorme deslocamento de gado para o norte, encarecendo os preços da carne bovina e ameaçando alterar a produção de carne vermelha no país.

Rodeados por pradarias ressecadas e cacimbas secas, os fazendeiros do Texas e de Oklahoma abateram um grande número de cabeças de gado, o que contribuiu para diminuir o rebanho bovino nacional até seu nível mais baixo em décadas. Esses criadores encontraram pastagens mais verdejantes em Estados como Iowa e Nebraska, mas por lá as terras são mais valiosas para o cultivo de milho do que para a criação de gado, e alguns proprietários estão hesitantes em admitir mais animais.

A questão, agora, é se a migração para o norte é permanente ou será revertida depois que a seca - segundo diversos parâmetros, a pior desde a "Dust Bowl", a tempestade de areia que ocorreu na década de 1930 e causou sérios prejuízos econômicos e ambientais - finalmente terminar. Um temor no setor de pecuária americano é a dificuldade para uma recomposição do rebanho em toda a região das Grandes Planícies - do Texas até as Dakotas - quando as chuvas voltarem, pois muitos fazendeiros poderão ter abandonado definitivamente a atividade.

Outros dizem que a pecuária é muito arraigada na cultura texana e vai se recuperar, como já aconteceu depois de secas anteriores.

A combinação de uma seca que começou há quase dois anos e a crescente demanda por carne vermelha em todo o mundo levou os contratos futuros para o mês corrente, na bolsa Chicago, a uma série de recordes em relação ao ano passado, inclusive uma alta intradiária recorde em todos os tempos elevado, de US$ 1,26375 por libra-peso, em janeiro. Ontem, o contrato subiu 1,3%, para US$ 1,2552. Os frigoríficos estão sofrendo para garantir margens de lucro após passarem meses competindo por uma oferta escassa, e os preços da carne bovina no varejo estão em torno de recordes. O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) acredita que os preços do gado vão aumentar 9% neste ano, após uma alta superior a 20% em 2011.

Com pouca água disponível para seu gado, Carl Johnson, de Tatum, Novo México, recém-despachou por caminhão o último lote de um rebanho que chegou a contar com mais de mil cabeças, na prática encerrando as atividades de uma empresa familiar fundada por seu pai. As chuvas, em sua região no Novo México, ficaram cerca de 60% abaixo da média no ano passado. Johnson, 65 anos, não está otimista quanto a uma recuperação das fazendas de criadores no sul. "[Essa seca] vai mudar as regras do jogo, porque gente da minha idade não vai voltar à atividade´]."

De fato, economistas e analistas temem que muitos criadores nas planícies meridionais que liquidaram seus rebanhos tenham abandonado o setor definitivamente. "É como se uma fábrica estivesse encolhendo cada vez mais", afirmou Jim Sartwelle, diretor de políticas públicas no Farm Bureau Texas.

Estatísticas federais divulgadas em janeiro mostram que o rebanho bovino americano está em seu nível mais baixo em seis décadas. Ainda mais reveladora é uma queda acentuada no número de vacas reprodutoras, que são o início da cadeia de suprimento de carne bovina. O Texas registrou uma queda de 660 mil cabeças, ou 13% de seu plantel, no ano passado, sendo esse o maior declínio desde 1935. Esse número se compara com um forte incremento nos Estados de Iowa e Nebraska, cujos rebanhos tiveram, no todo, um crescimento de 167 mil vacas no ano passado - muito abaixo, entretanto, do número perdido no abate.

A escassez está sendo sentida em frigoríficos e grandes áreas de confinamento, onde gigantes do setor, como a Cargill, engordam o gado antes do abate. Ainda assim, os criadores no norte estão inseguros quanto a absorver um número maior de cabeças de gado. Não apenas plantar milho é normalmente mais rentável como também os fazendeiros estão receosos de absorver permanentemente vacas das planícies meridonais em seus rebanhos, uma vez que esses animais são cruzados para se adequarem a um clima mais quente e tendem a ser menores do que os normalmente criados no Centro-Oeste.

Tim Johnson, que cria gado em Carpenter, Iowa, perto da fronteira com Minnesota, comprou duas dúzias de vacas prenhes no Texas, em agosto passado, na esperança de faturar US$ 300 a US$ 400 com cada uma vendendo os bezerros e suas matrizes. Mas os recentes preços de gado do sul nas casas leiloeiras próximas estão abaixo do esperado e os criadores nortistas estão com prática em identificar os "intrusos". "Nós não temos essas grandes e velhas orelhas caídas por aqui", disse Johnson. Ele agora acredita que terá que segurar os animais novos por 12 a 18 meses e torcer para que os preços subam.

Para recompor seus rebanhos, os criadores terão de trazer suas vacas de volta de Estados como Dakota do Sul ou comprar novos animais para reprodução. Mas pode haver poucos dispostos a esperar. A Associação de Criadores de Gado do Texas e Sudoeste estima em 58 anos a idade média dos criadores nas planícies do sul.

Vacas reprodutoras jovens foram negociadas por até apenas US$ 500 no início deste ano, quando criadores apressaram-se em vender animais estressados. Essas mesmas jovens matrizes deverão alcançar preços de até US$ 2 mil quando as fazendas começarem a recompor seus rebanhos. "Há um grande obstáculo financeiro à recompra", afirma David Anderson, um economista agrícola da Texas A&M University, em College Station, que estudou os efeitos da atual estiagem.

Alguns observadores estão cada vez mais convencidos de que os problemas enfrentados pelo sul sinalizam uma migração para o norte. A Northern Beef Packers quase terminou a construção de um abatedouro de US$ 53 milhões em Aberdeen, em Dakota do Sul, para aproveitar o crescimento da oferta de gado e em todo o Estado. Essa unidade será o primeiro grande abatedouro nas Dakotas e em Montana.

A tendência poderá prejudicar os frigoríficos do sul, e analistas dizem ser possível que muitos venham a fechar suas portas. No mês passado, analistas do Deutsche Bank alertaram que os frigoríficos no sul do Texas são os mais vulneráveis.


Veículo: Valor Econômico


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