Classificadas como "sem fundamento" e "mal embasadas tecnicamente" pelo governo brasileiro, as tarifas antidumping aplicadas pela África do Sul sobre as importações de carne de frango do Brasil poderão significar uma perda anual de US$ 70 milhões aos exportadores nacionais, conforme cálculos divulgados ontem pela União Brasileira de Avicultura (Ubabef). A África do Sul é o 7º principal mercado para o produto brasileiro. Em 2011, as exportações para o país somaram 195 mil toneladas, ou 4,9% do volume total.
Na sexta-feira, a Comissão de Administração de Comércio Internacional da África do Sul (Itac, na sigla em inglês) anunciou a decisão de impor uma tarifa de 62,92% sobre as vendas brasileiras de frango inteiro e de 46,59% sobre os cortes desossados. As sobretaxas somam-se às tarifas normais de importação (5% para o frango inteiro e 27% para os cortes desossados). As medidas já estão em vigor e afetam contêineres já embarcados. A sanção vale até 10 agosto e é prorrogável por mais três meses.
Como a catarinense Aurora colaborou com as investigações, o órgão sul-africano anunciou uma tarifa diferenciada (6,26%) para as exportações de cortes desossados da central de cooperativas. O Valor apurou, no entanto, que a menor alíquota para a Aurora decorre dos baixos volumes enviados ao país, já que empresas como Seara, da Marfrig, e BRF - Brasil Foods também responderam aos questionamentos sul-africanos e não tiveram quaisquer vantagens.
"A defesa feita pela BRF foi completamente desconsiderada", afirmou o presidente da Ubabef, Francisco Turra. Segundo ele, a decisão do país africano é "completamente descabida", a começar pelo próprio relatório preliminar de investigações divulgado ontem. "Os dados dos preços estão incorretos e englobam carcaças, que tem preço menor", explicou o dirigente, que tem até 2 de março para contestar a Itac.
O governo brasileiro já decidiu cobrar explicações do governo sul-africano no comitê antidumping da Organização Mundial do Comércio (OMC), que se reúne em abril. O passo seguinte, se não houver reversão da medida, pode ser uma queixa formal ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. "Contamos com a reação do governo brasileiro", cobrou Turra, preocupado com o efeito multiplicador da medida e com a imagem do setor.
"É um relatório [o da sul-africana Itac] de fato bastante ruim, e o governo brasileiro avalia que outras medidas podem ser adotadas para evitar prejuízo ao setor", disse a secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres, que acompanhou o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, a duas reuniões com o ministro sul-africano de Comércio, Rob Davies, nas quais o tema foi discutido.
O chefe do departamento de Defesa Comercial, Felipe Hees, também tentou mostrar as "inconsistências" do processo antidumping contra o frango em reuniões com os sul-africanos - parceiros do Brasil, com a Índia, no grupo de países emergentes conhecido como Ibas. "Já desde o início a investigação sul-africana nos chamou atenção", disse Tatiana. "Motivou um documento extenso apontando vários aspectos na abertura da investigação que precisariam ser considerados pelos sul-africanos e não foram".
Embora já se fale no governo na abertura de um caso contra a África do Sul na OMC, Tatiana Prazeres é cautelosa. "A opção não é nossa, é das empresas, e não está descartada", disse. "O recurso à comissão antidumping é uma declaração pública de que o Brasil pretende seguir adiante". Decidida a seguir esse caminho, a Ubabef informou que municiará o governo brasileiro com uma análise a ser elaborada por Ana Caetano, advogada da BRF, e Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do MDIC.
De acordo com Ricardo Santin, diretor de mercados da Ubabef, o relatório preliminar da Itac, que utilizou dados de 2010, aplicou a medida antidumping sobre um volume que representa apenas 3% importações sul-africanas - 7 mil toneladas de frango inteiro e 18 mil toneladas de cortes desossados.
"Como 3% poderiam causar grandes prejuízos aos produtores locais?", indagou. Além disso, diz, a própria produção de frango do país africano cresceu nos últimos anos. Os sul-africanos importaram apenas 16% do frango consumido em 2010, ante 20% quatro anos antes, revelou. O Brasil responde por cerca de 70% do volume que a África do Sul importa. "A importação é apenas complementar", argumentou Santin.
Há cerca de três anos, a Associação Sul-africana de Aves (Sapa, na sigla em inglês) cobrava medidas contra os exportadores do Brasil, acusados de competição desleal. Os pleitos culminaram na abertura de uma investigação em junho de 2011.
Segundo Francisco Turra, os produtores sul-africanos perderam competitividade diante da maior fiscalização das autoridades locais contra o excesso de água no frango, o que explicaria a campanha contra o produto importado. Medidas semelhantes, conta, foram tomadas contra os exportadores dos Estados Unidos e tem a Argentina e a União Europeia como próximos alvos. "Essa denúncia tem cunho político. Eles temem a concorrência do produto brasileiro", assegurou Turra.
Uma fonte do Ministério da Agricultura - que não se posicionou oficialmente sobre o assunto - afirmou que a medida já era esperada, tendo em vista o processo aberto em junho. Mesmo com falhas, diz a fonte, o governo terá dificuldades em resolver o problema.
Veículo: Valor Econômico