Principal financiador agrícola do mundo, o banco de origem holandesa Rabobank começou a monitorar aquela que promete ser a "próxima fonteira do mercado de proteína animal" no Brasil: a aquicultura. Em estudo inédito, a instituição vislumbra um crescimento contínuo da atividade pelo menos até 2022. O banco calcula que a produção de pescados em cativeiro alcançará cerca de 960 mil toneladas nos próximos nove anos, o dobro das 480 mil produzidas em 2010, segundo os dados mais recentes do Ministério da Pesca.
"O Brasil possui todos os ingredientes para se tornar a próxima superpotência em pescados, rivalizando com produtores como Tailândia, Noruega e China", aponta o estudo "Aquicultura Brasileira: Uma grande indústria de pescados em gestação", assinado pelos analistas do banco Guilherme Melo e Gorjan Nokolik.
Na avaliação do Rabobank, o Brasil reúne condições ideais para suprir o crescimento da demanda por pescados no próximos anos. Melo lembra que o país possui uma das maiores reservas de água do mundo e ampla oferta dos grãos - soja e milho - usados na ração dos peixes. A alimentação representa cerca de 60% dos custos de produção da aquicultura.
De acordo com o estudo, o papel do país no comércio global de pescados pode ser reforçado pelas dificuldades que a China, líder absoluta nas exportações, enfrentará para ampliar a produção de tilápias. Hoje, os chineses fornecem 90% da tilápia congelada importada pelos Estados Unidos e 37% do peixe fresco, conforme o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).
A liderança chinesa no mercado de tilápias parecia inabalável até 2011, quando problemas climáticos emitiram "os primeiros sinais de fraqueza da indústria", analisa o Rabobank. O trabalho mostra que a forte recuperação da produção chinesa no ano passado não foi suficiente. O alto custo da mão de obra e da produção de ração são os principais desafios do país asiático, que produz cerca de 1 milhão de toneladas do peixe por ano.
O Brasil pode encontrar nesses pontos fracos do concorrente uma oportunidade para avançar, abocanhando um filão do comércio global de tilápia, a quarta espécie mais consumida dos EUA, atrás de camarão, atum e salmão. O Rabobank estima que a produção brasileira de tilápias alcançará 413 mil toneladas em 2022, alta de 166% sobre a produção de 2010.
Apesar do avanço projetado pelo Rabobank, o país encontra muitos obstáculos, a começar pela competitividade da indústria nacional. Segundo o analista Guilherme Melo, as principais empresas do setor ainda trabalham com escalas acanhadas, baixa qualidade de ração e falta de definição de padrão (peso e tamanho) dos produtos. Recentemente, o ministro da Pesca, Marcello Crivella, criticou a qualidade da ração produzida no Brasil.
Para Melo, só uma indústria de grande escala, a exemplo das integrações de aves e suínos, "puxaria o gatilho" nas áreas de insumos como genética e ração. "O Brasil está na infância da aquicultura e isso vale para toda a cadeia produtiva", afirma.
Para o Rabobank, o país precisa acelerar as liberações de novas áreas para a aquicultura. No fim do ano passado, o governo federal fez alguns avanços quando autorizou a criação de tambaquis em reservatórios de hidrelétricas na bacia do rio Tocantins. À época, o governo disse que a medida, aliada à linha de R$ 500 milhões aprovada pelo BNDES e aos R$ 4,1 bilhões do Plano Safra da Pesca e Aquicultura, poderia duplicar a produção de peixes de água doce em poucos anos.
Para o analista, o Brasil deve se concentrar no desenvolvimento de poucas espécies, como tilápia (carro-chefe da aquicultura e com potencial de exportação), camarão (com forte demanda do mercado doméstico) e o tambaqui, peixe amazônico que pode se tornar marca registrada do país no exterior.
Veículo: Valor Econômico