A combinação de calote dos importadores, queda nos embarques e margem negativa no mercado interno transformou em um pouco mais de um mês o Frigorífico Independência de uma empresa sadia em uma concordatária. Também entraram nessa combinação a dificuldade de rolar dívidas de curto prazo e o aumento da necessidade de capital de giro, alavancado pelos custos financeiros mais altos de captar Adiantamento de Contrato de Câmbio (ACC). "Até o fim do quarto trimestre, acreditávamos em uma recuperação das exportações e aceleramos os abates para o mercado interno. Ao final de janeiro, levamos um susto, pois os embarques tinham despencado, assim como os preços, que não foram compensados pelo dólar valorizado, como imaginávamos. Foi uma capotagem operacional", avalia Roberto Russo, presidente do Independência.
Ontem, em nota, o BNDESPar, que já havia aportado na empresa R$ 250 milhões, de um total previsto de R$ 450 milhões (que daria ao banco 22% do negócio), comunicou que não fará o aporte de R$ 200 milhões previsto para março, pois este estava "condicionado ao cumprimento de determinadas condições, as quais não se verificaram".Os executivos da empresa concederam informações ao mercado ontem para esclarecer a paralisação do abate em todas as suas dez unidades e o pedido de recuperação judicial. Os diretores não informaram o valor total da dívida e nem a lista de credores. "Não temos esse levantamento ainda. Sequer foi possível protocolar essas informações na comarca de Cajamar, que concedeu a recuperação judicial", diz o diretor-financeiro Tobias Bremer.
Até o terceiro trimestre de 2008, o endividamento bancário total era de R$ 1,8 bilhão, dos quais R$ 528 milhões de curto prazo, segundo balanço da empresa. "Não sabemos exatamente quanto cresceu esse endividamento. Mas estávamos precisando rolar esse débito a cada 30 dias a um custo operacional muito mais alto", lamentou Bremer. Ele acrescenta que de 6,3% em setembro do ano passado, as taxas de juros do ACC evoluíram para 12%. Em reais, continua Bremer, os custos cresceram de 110% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI) para 170%. "Isso elevou muito a nossa necessidade de geração de caixa, enquanto que, por outro lado, a receita com exportações e mercado interno entraram no negativo", compara o diretor.
Das dez unidades de abate, somente as de Rondônia e Mato Grosso (que totalizam cinco fábricas) estavam fechando no azul. Nas outras (MS, GO e MG) estava havendo prejuízo de R$ 19,8 mil diário (por cada 1 mil animais abatidos, por conta do excesso de produto no mercado interno. "Também tivemos muitos calotes de importadores. Eles também estão com dificuldades de crédito. Tivemos caso de um importador na Angola que provou o depósito e, quando fomos conferir, o banco é que não tinha dinheiro para realizar a operação", diz Russo.
Ele afirma que a empresa pretende retomar os abates somente em Rondônia e em Mato Grosso, talvez na semana que vem. Nessas unidades, será feita somente a venda de carne com osso, que é a única operação que ainda está dando lucro no mercado interno, segundo Russo. "Só essa operação compensa. Teremos que competir com os frigoríficos pequenos e médios, que atuam nesse mercado", avisa.
Com 11,3 mil colaboradores, a empresa afirma que nenhum funcionário foi ainda dispensado, diante da expectativa de que a empresa conseguirá retomar suas operações. "Se percebemos que essa recuperação vai se estender, vamos negociar com o sindicato", diz Russo. A empresa garantiu que até quarta-feira todos os pecuaristas tinham sido pagos. "Mas ainda há o pagamento que vence em 30 dias", pondera.
Ele afirmou que o recurso recebido para recompra dos eurobônus com vencimento em 2015 e 2017 foi devolvido às instituições financeiras, uma vez que a recompra foi cancelada antes do carnaval.
Veículo: Gazeta Mercantil